A Pamcary, que mensalmente monitora mais de 350 mil viagens rodoviárias de veículos de carga e anualmente faz cerca de 5 mil atendimentos a acidentes com caminhões que transportam mercadorias em todo o território nacional, está divulgando os resultados de uma ampla pesquisa neste setor. O levantamento estima que a quantidade de acidentes com veículos de carga no Brasil chega a quase 90 mil por ano. O estudo também calcula que o número de mortes e feridos graves alcança o patamar de 12 mil por ano – cerca de 1/3 destas vítimas são motoristas.
“Nos Estados Unidos, anualmente há 25 mortes por grupo de 100 mil caminhoneiros. No Brasil, este número é de 281”, ressalta Darcio Centoducato, diretor de gerenciamento de riscos da Pamcary, que coordenou a pesquisa. Segundo Centoducato, a principal causa desta discrepância reside no fato de que a classe de caminhoneiros do Brasil, que reúne mais de 500 mil profissionais, está sendo vítima da principal lógica do capitalismo: a lei da oferta e da procura. “Mensalmente, nosso cadastro nacional de motoristas, que já possui 1,02 milhão de nomes, recebe o acréscimo de cerca de 6 mil novos profissionais. Isso denota a oferta abundante e sempre crescente de caminhoneiros. Como a procura não cresce na mesma proporção, o custo do frete normalmente é muito baixo. O caminhoneiro, por isso, busca carregar o máximo possível, dilatando sua jornada de trabalho. Assim, o número de acidentes alcança um patamar elevadíssimo, e as principais causas são o excesso de velocidade e o cansaço do motorista”, revela. A baixa remuneração dos fretes também resulta em baixos investimentos na renovação e na manutenção dos veículos de carga. O desequilíbrio entre a oferta e a procura de fretes já havia sido também apontado pelo Instituto Coppead, centro de estudos avançados em gerência de negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para fazer a pesquisa, a Pamcary analisou 80 diferentes itens em cada um de 4,2 mil acidentes atendidos pela empresa entre julho de 2004 e o mesmo mês de 2005. O levantamento também levou em conta os históricos de 15 milhões de viagens rodoviárias registrados pela Pamcary nos últimos 4 anos, além de arquivos do Detran, Susep, Polícia Federal e outras entidades.
Cansaço
A pesquisa da Pamcary também definiu uma forma clara e objetiva de apurar a íntima relação entre os acidentes e o cansaço provocado pela jornada diária do caminhoneiro, de cerca de 15 horas. “Observamos que existe uma tendência dos acidentes ocorrerem de forma relativamente crescente a partir do dia de descanso do motorista, que é domingo”, conta Centoducato. De acordo com o estudo, na segunda-feira são expedidas 17% das mercadorias da semana, em média. Mas este dia é responsável por apenas 5% dos acidentes no período. Já no sábado, quando são expedidas apenas uma média de 5% das mercadorias, os acidentes representam 15% dos sinistros da semana.
A evidência de que o cansaço é o principal vilão do alto número de acidentes com veículos de cargas é também salientada de outra maneira pela pesquisa. “O motorista de caminhão se envolve em 8 acidentes em cada 10 mil viagens. Considerando este mesmo número de viagens, a média de acidentes sofridos pelo motorista de ônibus de passageiros é de apenas 0,87. Por que esta disparidade, se eles enfrentam as mesmas estradas e nenhum dos dois é suicida?”, diz o diretor.
De acordo com ele, o motorista de veículos que transportam passageiros tem salário fixo e descanso obrigatório. Já o rendimento financeiro da maioria dos motoristas de caminhão depende do número de viagens que consegue fazer e, por isso, quase não descansa. “Esta é a principal diferença entre as duas atividades”, salienta.
Causas dos acidentes
Quando o assunto é a causa de acidentes, muito se fala sobre a má conservação das estradas. “Sobre este aspecto, confirmamos que de forma geral, as rodovias, de fato, estão mal conservadas. Mas verificamos que os buracos não são a causa direta dos principais acidentes, que se destacam pela freqüência e pelos prejuízos que acarretam: a capotagem e o tombamento. O motorista tende a percorrer os trechos mal conservados com velocidade reduzida. Porém, ao vencer esta etapa, ele tenta tirar o atraso nos trechos bons, quando abusa da velocidade e luta contra o cansaço. É aí que os acidentes costumam acontecer. Assim, a má conservação é um fator importante, mas atua apenas indiretamente”, diz Centoducato.
Os sinistros mais freqüentes que acarretam os maiores prejuízos teriam este perfil típico: um motorista jovem (de 18 a 25 anos), cansado, dirige um caminhão articulado, com excesso de peso, à noite, chovendo, em trânsito livre, que tenta fazer uma curva com excesso de velocidade. “Na verdade, cada um destes itens é um fator que, quando presente, aumenta a probabilidade do sinistro ocorrer”, diz.
Segundo a pesquisa da Pamcary, as conseqüências dos acidentes para a atividade do transporte de cargas são particularmente severas. Em cada grupo de 100 eventos desta natureza, 14 provocam pelo menos uma vítima fatal. A pesquisa também mostrou que em cada grupo de 100 sinistros com mercadorias observa-se, em média, um prejuízo de 28% no valor transportado.