Vale destacar que, além dos resíduos sólidos, outros materiais que são descartados necessitam da mesma atenção no processo de reciclagem, separação e conscientização para o destino final, sejam eles sólidos, líquidos ou perigosos.
Com o aumento da população brasileira, ocorre também um crescimento no consumo de uma forma geral que, consequentemente, eleva a geração de resíduos sólidos e líquidos. Essa alta na produção de lixo afeta o cotidiano de milhões de pessoas, principalmente em países subdesenvolvidos. A prática da destinação adequada destes resíduos é recente no Brasil, visto que a necessidade de os direcionar para locais adequados está referenciada na legislação, segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (Lei nº 12.305/10). Um dos principais desafios da PNRS é desabilitar o descarte em lixões (a céu aberto), aterros controlados e recuperar as áreas já afetadas por práticas inapropriadas de despejo dos rejeitos. Gislaine Zorzin, diretora administrativa e de novos negócios da Zorzin Logística, lembra que a PNRS dispõe de objetivos e diretrizes relacionados ao manuseio de materiais e reforça a importância de aplicá-la efetivamente. Afinal, aceitar esses produtos para realizar seu descarte apropriado é uma responsabilidade de todos, desde comerciantes até transportadores e fabricantes. “Contudo, não precisamos nos limitar a aplicar essa política somente aos resíduos sólidos, que são os que envolvem os produtos criados por residências, estabelecimentos comerciais, indústrias, hospitais e instalações físicas em geral. Outros materiais que são descartados necessitam da mesma atenção no processo de reciclagem, separação e conscientização para o destino final, sejam eles sólidos, líquidos ou perigosos. Seguindo essa lógica, vejo que uma boa gestão é o ‘pontapé’ inicial para que todos possam se atentar a essa conscientização e fazer sua parte como complementação das leis regulamentadoras”, diz Gislaine.
Por outro lado, Fernanda Daltro, gerente executiva do CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem, associação sem fins lucrativos dedicada à promoção da reciclagem dos resíduos sólidos no país, visando a redução de desperdícios e o aproveitamento adequado dos materiais, lembra que a PNRS é uma política de vanguarda e, ainda que haja espaço para melhorias, traz em seu cerne todas as boas práticas necessárias para uma gestão de resíduos sólidos integrada e voltada para a Economia Circular. “Porém, o atraso na implementação de seus dispositivos pelos elos da responsabilidade compartilhada traz impacto importante na gestão de resíduos nacional, com grande perda de materiais que poderiam ser reintroduzidos na cadeia produtiva por meio da reciclagem. Uma das frentes mais atrasadas é a implementação da coleta seletiva pelos municípios, que carecem de financiamento público e conhecimento técnico para o desenho de bons sistemas de coleta. A coleta seletiva reduz o gasto com aterros, a necessidade de abertura de novas áreas, traz inclusão social e geração de renda para catadores e catadoras, e garante o encaminhamento de materiais recicláveis para a indústria recicladora, reduzindo o impacto ambiental”, salienta Fernanda.
O professor-doutor Max Filipe Silva Goncalves, docente da Escola de Engenharia (EE) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), também destaca que o descarte impróprio pode acarretar um aumento da poluição e degradação ambiental. Por outro lado, os resíduos podem se tornar matéria-prima de um novo processo de fabricação. “Isso quer dizer que mesmo após descartado, um resíduo pode ser reaproveitado como fonte de energia, insumo ou matéria prima de outro processo. No entanto, é necessário identificar possibilidades de reaproveitamento para cada resíduo e privilegiar as destinações adequadas. As possibilidades de reutilização mostram-se atraentes, baseadas na sustentabilidade dos recursos biológicos, proteção ambiental e considerações econômicas.”
Logística Reversa
Há diversos métodos que podem ser realizados para evitar a poluição e auxiliar para um melhor aspecto ambiental para o mundo. “A Logística Reversa é uma delas e pode ser facilmente implantada na empresa, a começar por pequenas atividades que fazem uma expressiva diferença neste cenário. Esse procedimento consiste em um conjunto de ações para recolher e dar a destinação correta da grande quantidade de resíduos sólidos urbanos que são gerados todos os dias”, diz Gislaine, da Zorzin Logística.
Ela destaca que, na sua empresa, sempre buscam investir em treinamentos e disseminar o maior número de informações aos colaboradores e clientes. “Desde a diminuição do uso de papel e plástico, até a forma correta de repassar computadores, baterias, lâmpadas, pneus, etc., possuímos essa preocupação em saber como cada peça deve ser separada, de acordo com a sua classificação, para seguirmos com a ação mais apropriada.”
Ainda de acordo com diretora administrativa, as transportadoras e empresas, dos mais diversos segmentos, só têm a ganhar em benefícios com a aplicação dessas condutas. “A meu ver, isso abre mais oportunidades de negócio, onde podemos oferecer aos nossos clientes um serviço adicional a estas questões, gerando credibilidade e zelo pelo ambiente em que vivemos. Isso é fundamental não só para a nossa rotina, como para as próximas gerações que precisam dessas mudanças. Acredito que o ponto crucial é reforçar processos e ações voltadas à Logística Reversa dentro da empresa para ter mais efetividade. Além disso, fechar parcerias com empresas que já realizam a coleta e o descarte de materiais, como pneus, óleo dos motores de caminhões e baterias, também é essencial para aumentar essa colaboração. Com senso de coletividade, podemos chegar na mudança necessária que o mundo precisa. Ainda temos um extenso caminho, mas quanto antes começarmos e abordarmos esse tema, como forma de influenciarmos todos ao nosso redor diariamente, mais rápido chegaremos aos bons resultados.”
Falando num contexto geral, Fernanda, do CEMPRE, vê a Logística Reversa crescendo no país, mas ainda muito dependente das organizações de catadores e catadoras, que são o elo mais vulnerável da cadeia da reciclagem e dependem grandemente da existência da coleta seletiva municipal. Embora haja grandes investimentos por parte das empresas, não são suficientes para estruturar todas as organizações de catadores do país. A inclusão dessas entidades nos sistemas de coleta seletiva é essencial para que se mantenham e aumentem sua produtividade.
Ainda na visão da gerente administrativa do CEMPRE, os custos de logística são também relevantes para o fluxo dos recicláveis. As cooperativas, em geral, vendem para comércios de material reciclável que estão próximos a ela em razão do frete, o que reduz sua capacidade de negociação e renda. A necessidade de acumulação de grandes cargas para compensar o frete para os recicladores em outras cidades também é uma barreira para o fluxo de materiais. “Vemos essa questão como um gargalo muito relevante na região Norte, em especial. A inovação na logística dos materiais precisa estar presente, com novas soluções para o escoamento de materiais – uso de diferentes vias, por exemplo.”
Outra questão preocupante para a Logística Reversa no país é a entrada em vigor do Decreto 11.044/2022, que regulamenta a emissão de certificados de reciclagem. “Ao permitir o mercado de notas fiscais para comprovação da Logística Reversa, prometendo uma redução de 80% nos gastos das empresas com essa atividade (https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2022-04/governo-lanca-certificado-de-credito-para-estimular-reciclagem-no-pais), vemos com apreensão uma futura redução do investimento das empresas nas cooperativas de catadores, o que causará um blecaute no fluxo de recicláveis. Como dito anteriormente, as cooperativas e associações de catadores são o elo entre a geração de resíduos domiciliares e a indústria recicladora. Com a possibilidade de compra de notas fiscais diretamente, sem a contrapartida de investimento nessas entidades, e sem a inclusão delas nos sistemas de coleta seletiva municipais, suas estruturas já precárias tendem a ficar ainda menos produtivas e salubres para os trabalhadores. A Logística Reversa hoje depende das organizações de catadores. As alternativas para o descarte correto por parte dos consumidores não têm escala, além da pouca educação dos cidadãos acerca de sua responsabilidade nessa cadeia. Uma atuação focada do Ministério do Meio Ambiente para que haja uma implementação mais integrada da PNRS se faz necessária”, completa Fernanda.
Três motivadores
Falando especificamente sobe a Logística Reversa (LR), o professor-doutor Max, da UPM, lembra que possui ela três motivadores, ou seja, existem justificativas para implementá-la: aspectos econômicos (possibilidade de recuperar valor), leis governamentais que forçam a sua implantação e o mercado que agrega a pressão dos consumidores, gerando uma imagem corporativa.
No setor produtivo, a LR pode ser considerada uma maneira de obter matéria-prima a custos menores, podendo elevar a valorização do produto por meio da sua recuperação, diminuição dos custos de deposição de resíduos sólidos e oportunidade para ter acesso aos mercados alternativos, como o de segunda mão.
“Rendimentos significativos podem ser observados com a adoção de iniciativas referentes à implementação da LR, como, por exemplo, a utilização de embalagens retornáveis ou o reaproveitamento de materiais reciclados na produção de novos produtos”, lembra o docente.
Os motivadores legais referem-se à jurisdição que indique que a empresa deve recuperar o produto e o consumidor deve retorná-lo. “Alguns países e regiões desenvolvidas possuem regulamentos rigorosos ao retorno de bens pós-consumo. Este impulsionador está relacionado com questões de direito ao consumidor, assim como responsabilidade ambiental. Inclusive, muitos países desenvolvidos criaram políticas que penalizam o descarte de alguns resíduos.”
O terceiro aspecto consiste em fatores Mercadológicos, que referem-se à diferenciação de produtos e serviços prestados aos clientes e ao panorama da cidadania coorporativa: contempla o conjunto de valores/princípios que a organização possui por implementar e estar associado às atividades de Logística Reversa, construindo, deste modo, uma imagem ambientalmente consciente para os consumidores e fornecedores. Esses três elementos se correlacionam em qualquer circunstância, visto que, sempre que um fator deixa de existir, um outro entrará em evidência. Isso quer dizer que, se o aspecto legal não contempla a atividade de descarte adequado de um determinado resíduo, certamente o fator econômico ou o fator mercado estarão presentes para motivar a LR do resíduo. “Esse caso pode ser evidenciado com a estrutura de coleta de latas de alumínio e embalagens PET. Nesses exemplos, o fator mercado ainda foi beneficiado pela atitude das empresas que praticam a coleta. Para as pilhas e baterias, o fator econômico não existe, e se faz necessário o fator legal para regular a coleta desses resíduos, assegurando destinação adequada”, diz o docente da UPM.
O Ministério do Meio Ambiente mantém a política dos cinco R’s que deve priorizar a redução do consumo de recursos naturais. Para isso, são utilizados os 5 R’s: Reduzir; Repensar; Reaproveitar; Reciclar; e Recusar.
De Brito e Dekker (2003) propõem uma pirâmide invertida com opções de reaproveitamento organizadas hierarquicamente para os níveis de processamento com maior recuperação de valor em ordem decrescente (ver figura acima).
Quanto mais no topo da pirâmide, mais valor é possível recuperar em um resíduo. Quando não se consegue utilizar a primeira opção, passa-se para a segunda, caso contrário, tenta-se a terceira e até que, ao incinerar ou aterrar um resíduo, o valor a ser retornado é mínimo. O objetivo é retornar o máximo de valor que um objeto descartado possui. “Para que isso aconteça, é necessário estruturar uma rede de Logística Reversa e garantir que as atividades sejam coordenadas buscando a otimização dos recursos para minimizar os custos envolvidos nesta cadeia”, completa o professor-doutor.