Nas rodovias sob gestão pública, o risco de acidentes é cerca de quatro vezes maior do que nas rodovias concedidas. Esse dado é resultado de um estudo inédito realizado pela escola de negócios FDC – Fundação Dom Cabral, por meio da PILT – Plataforma de Infraestrutura em Logística de Transportes.
Os pesquisadores utilizaram a base de dados disponível na seção de dados abertos do portal da PRF – Polícia Rodoviária Federal na internet. Foram estudados registros de 2018 a 2021, totalizando 264.196 acidentes, dos quais 99,4% ocorreram em rodovias sob jurisdição federal. O estudo se debruçou ainda sobre duas categorias de ocorrências: em rodovias sob gestão pública e delegadas às concessionárias privadas.
“Acidentes acontecem em qualquer rodovia e quanto maior o volume de tráfego, maior a possibilidade de acidentes, isso é demonstrado nos percentuais relativamente próximos de acidentes nos conjuntos de rodovias concedidas e sob gestão pública, 43,4% e 56,6%, respectivamente”, expõe Paulo Resende, professor da FDC e pesquisador responsável pelo estudo, durante apresentação do material à imprensa.
O problema fica ainda maior quando são consideradas as Taxas de Acidentes (TAc), que ponderam os números absolutos de acidentes pelo VMDA – Volume Médio Diário Anual do trecho de ocorrência. Neste caso, o percentual referente às rodovias sob gestão pública salta para 79,7%, ao passo que nas concedidas se reduz para 20,3%.
Quando, além do VMDA, é considerada a gravidade dos acidentes, a Taxa de Severidade (TSAc) nas rodovias sob gestão pública corresponde a 80,4% e nas concedidas a 19,6%. “Fica claro que os investimentos em segurança viária feitos nas rodovias concedidas são bem superiores àqueles executados nas estradas sob gestão pública”, comentou Resende.
Segundo o professor, os dados mostram que é necessário criar fontes alternativas de financiamento para a manutenção e a melhoria da segurança nas rodovias que permanecem sob a gestão direta da União, já que o orçamento público não possui mais condições de investir no mesmo patamar que as concessionárias privadas investem.
Uma sugestão de investimento é a criação de títulos de infraestrutura, os bonds. “Os bancos podem ajudar o Brasil a criar bonds verdes, com aplicação de ESG. Também poderia ser criado um sistema de cooperação entre empresas públicas e privadas, as concedidas financiando as públicas, além do uso de fundos garantidores, como o de previdência. Se tudo for feito com transparência e objetividade, podemos resolver esse problema”, disse Resende.
Outros recortes
O estudo aponta, ainda, os estados brasileiros com maiores Taxas de Acidentes: Rio Grande do Sul e Paraná, que também estão nas primeiras colocações no ranking das Taxas de Severidade das ocorrências. Na sequência estão Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro.
Um penúltimo recorte analítico ressalta as 20 rodovias federais com as maiores taxas de severidade. As rodovias BR 101 e BR 116 ocupam as duas primeiras posições, tanto em número absoluto de acidentes quanto nas taxas de acidentes e de severidade. Porém, a severidade das ocorrências é mais intensa nos trechos que permanecem sob gestão pública do que nos concedidos às empresas privadas.
“Sabemos quais são os pontos mais perigosos. Por que o investimento público não está alinhado com o das concessionárias? E ainda tem a questão da gestão. Não é só falta de mais investimento, também é falta de gestão integrada entre a federação, os estados e os municípios para tratar desses pontos de maior conflito”, apontou Resende.
Segundo o estudo, intervenções localizadas nesses pontos conhecidos já podem amenizar, no curto prazo, o risco de acidentes com alta severidade. “Além disso, os bancos de dados precisam estar consolidados, porque acreditamos que há dados subnotificados de acidentes com grande severidade”, disse.
Finalmente, um último recorte analítico aborda a escala de severidade dos acidentes (com seus respectivos percentuais) em 2028 e 2021. Chama a atenção como rodovias sob gestão pública acumulam elevadíssimo percentual das taxas de severidade (cerca de 80%, na média dos dois anos extremos), abarcando distintos tipos de acidentes (desde apenas com danos materiais até com perda de vidas), em comparação com as rodovias concedidas (cerca de 20%).
“Com este estudo, queremos provocar a sociedade para um debate público, porque muitas vezes pesquisas como essa são mal interpretadas ou desconhecidas. Precisamos reforçar que o investimento em infraestrutura também é questão social, não apenas de retorno financeiro. A produtividade, a economia e a eficiência logística precisam, sim, ser consideradas, mas não só elas”, expôs Resende.
O professor defendeu, ainda, a multimodalidade, como o uso de cabotagem e ferrovias, para que o caminhões circulem menos nas estradas, auxiliando na redução dos acidentes e de outros problemas, o que traria grandes benefícios para todo o país.
O estudo da plataforma PILT traz diversas outras análises, como o comparativo segundo a severidade dos eventos, a densidade da taxa de acidentes por região do país e muito mais. Para acesso ao e-book sobre o estudo, clique aqui.
A intenção é que o estudo seja desdobrado para revelar outros dados importantes, como tipo de acidente, onde, qual o motivo, quais os envolvidos e como intervir para que as soluções sejam encontradas, pelo menos na área de engenharia.
Dados
O ineditismo da pesquisa se dá porque foram criados indicadores para comparar as rodovias. O tratamento científico reduz a influência do VMDA – Volume Médio Diário Anual dos veículos que circulam no trecho de ocorrência do acidente, amenizando o fato de que rodovias mais movimentadas tendem a apresentar um maior número absoluto de acidentes.
Assim, foram criados três indicadores:
NAc – número absoluto de ocorrências de acidentes, utilizado para quantificar os acidentes por local de ocorrência de um determinado horizonte temporal;
TAc – taxa de acidentes, que neutraliza a influência do volume de tráfego de uma via no total de acidentes;
TSAc – taxa de severidade de acidentes, que, além de neutralizar a influência do volume de tráfego, pondera cada tipo de acidente, atribuindo-lhe determinado peso, dependendo de sua gravidade.