A volta do “novo normal” e a automação das linhas de produção das montadoras têm obrigado os OLs e as transportadoras a partirem para a automação. Colocar em prática o conceito da Logística 4.0 não é mais questão de escolha e, sim, de necessidade.
Segundo o levantamento mensal da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores – Anfavea, novembro manteve o viés de alta iniciado no segundo semestre, apresentando os melhores números da indústria automobilística no ano. Exportações e produção chegaram a superar os patamares de novembro de 2019, mas o mercado interno ainda gira 7,1% abaixo do verificado no ano passado. A produção segue impactada pelos protocolos sanitários nas fábricas e também pela falta de componentes e insumos. Em novembro foram produzidos 238.200 autoveículos, crescimento de apenas 0,7% sobre outubro, portanto incapaz de acompanhar o aumento da demanda. Esse número é 4,7% superior ao de novembro de 2019, mas naquela época havia estoque de 330 mil veículos. Hoje há menos de 120 mil veículos estocados nas fábricas e na rede, volume suficiente para sustentar apenas 16 dias de vendas. No acumulado do ano, a produção de 1.804.759 unidades é 35% inferior à do ano passado. A surpresa positiva foi o volume exportado em novembro, de 44.007 unidades, melhor resultado desde agosto de 2018. Essa alta é justificada pelo represamento de envios ocorrido nos últimos meses, em função do estágio de pandemia nos nossos países vizinhos, sobretudo na Argentina. E também por conta da antecipação de embarques para o encerramento do ano. De qualquer forma, o total de 285.925 unidades exportadas ainda é 28,4% menor que em 2019, que já havia sido um ano de forte queda. Já o mercado interno fechou com 225.010 unidades licenciadas, alta de 4,6% sobre o mês anterior, porém com queda de 7,1% sobre novembro do ano passado. No ano, foram 1.814.470 autoveículos emplacados, volume 28,1% inferior ao dos 11 primeiros meses de 2019. Isoladamente, o setor de caminhões mantém resultados melhores que os de automóveis e ônibus. Máquinas agrícolas e rodoviárias tiveram discreto aumento na produção e nas exportações em novembro, na comparação com outubro, apesar de um ligeiro recuo nas vendas. “Os bons números de novembro dão alguma esperança para um 2021 melhor, desde que a pandemia seja controlada por vacinas e que o ambiente de negócios no país seja estimulado por medidas de controle da dívida pública e reformas estruturantes que nos permitam ser competitivos”, afirmou o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes. “Mas antes disso teremos de superar alguns desafios imediatos em nosso setor e no país, como o aumento dos casos de Covid-19, o risco de paralisação por falta de autopeças e a pressão de
custos ligados ao câmbio e insumos. Tudo isso vem prejudicando uma retomada mais rápida da indústria”, ressaltou.
A logística e o “novo normal” no setor
Pois é, ainda que com percalços, aos poucos vamos retornando “ao normal” – seja lá o que isto quer dizer. Neste contexto, quais as considerações que podem ser feitas a cerca da logística no “novo tempo”: o que ela requer e exige de OLs e transportadoras, o que mudou na relação embarcador/OL e transportadora, o que de novo está sendo aplicado, etc.
Rodrigo Possari, diretor Comercial da Cruzeiro do Sul Transportes, avalia que, como estamos num país que é como se fosse um continente, tem percebido grandes empresas procurando transportadoras de médio e pequeno porte, especialistas em regiões e estados menores. “Dessa forma estão ganhando eficiência logística em relação aos grandes players.”
Adilson Santos, CEO do Grupo TGA e diretor executivo da Expresso TGA (transporte internacional) – TGA Logística Transportes Nacional e Internacional, salienta que, após a retomada da economia de maneira mais intensa, que esperam acontecer em um futuro próximo, é bem possível que uma nova ordem se estabeleça no mercado global, não apenas no setor de logística, exigindo dos players ainda mais responsabilidade e seriedade no cumprimento das regras de segurança e higiene da carga e do recurso humano envolvido na sua movimentação.
“As empresas também deverão fazer o possível para estar inseridas em uma nova ordem mundial que já começa a se mostrar, revelando-se mais exigente com relação à sustentabilidade, à segurança e à saúde do trabalhador. Toda essa tendência exigirá dos Operadores e dos embarcadores um comportamento mais empático, a fim de garantir o sucesso dos negócios, a demanda dos ‘novos consumidores’ e a proteção de todos”, diz Santos.
A transformação e a aceleração tecnológica fizeram a Transportadora Sulista antecipar para 2020 muitos projetos que seriam executados em médio prazo. A relação entre clientes, colaboradores e gestores está transformada e diferente. “Somos mais solidários uns com os outros, com um olhar diferente não só para o negócio, mas para as pessoas que tocam este negócio. Estamos mais tolerantes, sensibilizados a construir uma relação solícita e mais humana”, diz Josana Teruchkin, diretora executiva da Transportadora.
Já na visão de Renato Pavan, gerente nacional de Vendas e Marketing da GEFCO, a TI (Tecnologia da Informação) deixa de ser uma atividade de suporte e torna-se core para os OLs. Um bom exemplo foi o segmento de e-commerce, que demandou uma reação rápida e ágil dos OLs para conseguirem atender ao aumento exponencial de volumes, principalmente para as atividades de armazenagem e last mille. Sem o apoio da tecnologia, seria impossível reagir em tão curto prazo, enfatiza Pavan.
De fato, Marcelo de Oliveira Dorta, gerente Sênior de Operações da Penske Logistics do Brasil, lembra que o setor automotivo, de um modo geral, é tradicionalmente relacionado com o mercado B2B e essa pandemia fez com que se olhasse mais para o B2C também, muito por conta do crescimento do e-commerce. E isso é inevitável. “Por exemplo, as transportadoras que nunca pensaram em last mile terão que começar a repensar suas estratégias por uma questão de sobrevivência.”
Outro ponto relevante – ainda segundo Dorta – é a importância do aporte tecnológico no setor logístico. Colocar efetivamente em prática o conceito da Logística 4.0 não é mais questão de escolha e, sim, de necessidade – quem não migrar para o mundo digital não irá sobreviver.
A estruturação de um planejamento estratégico e de governança corporativa também deve ser aplicada como lições aprendidas. As empresas que já possuíam um planejamento preditivo considerando-se os riscos inerentes ao seu negócio saíram na frente e minimizaram os impactos causados pela pandemia, enfatiza o gerente da Penske Logistics.
Mais transformações
Além das mudanças impostas pela pandemia, a automação das linhas de montagem das montadoras também obrigou a implementação de novos requisitos para a logística. Afinal, a aceleração do processo de montagem refletiu na necessidade de redução do tempo de resposta dos Operadores Logísticos para conseguir manter a linha de produção abastecida com os componentes corretos, na quantidade planejada, no momento certo, destaca Pavan, da GEFCO.
“Entendo que a automação deu uma velocidade de produção muito grande. E a logística precisa acompanhar esse processo e estar à frente, abastecendo a Supply Chain para não ter rupturas na produção”, completa Possari, da Cruzeiro do Sul Transportes.
Dorta, da Penske Logistics, também ressalta que a automação das linhas de montagens e, consequentemente, a evolução do layout das montadoras impuseram aos Operadores e às transportadoras novos desafios, incluindo a implementação de processos como pré-montagem, kitting e sequence e formas de ressuprimentos inteligentes da fábrica, bem como na linha de produção, investimentos em tecnologias e sistemas com interfaces globais, etc.
Alexandre Krümmel, diretor de Operações da TW Transportes e Logística, também ressalta que a automação vinculada aos inventários cada vez mais enxutos impôs requisitos principalmente voltados à velocidade e qualidade dos follow ups e organização cada vez mais meticulosa dos processos logísticos, para garantir agilidade e assertividade extrema na prestação do serviço de transporte.
Na verdade, um dos grandes desafios de todo fornecedor de serviços é estar competitivo, acompanhando o crescimento e as mudanças do seu mercado e do seu consumidor. “É fundamental que nós, Operadores Logísticos, estejamos sempre em condições de atender, à altura, as demandas diversas provocadas por esta evolução”, alerta Santos, do Grupo TGA.
No caso do setor de autopeças e automotivo, por exemplo, a automação das linhas de montagem gerou não só mais precisão, mas também mais agilidade na produção de itens e, muitas vezes, um volume maior de lotes de peças. “Isso também exigiu de nós mais agilidade na movimentação desses itens na cadeia logística, a fim de estarmos no mesmo timing dos embarcadores.”
Isso implica em investimentos em automação de equipamentos e tecnologia nos processos – prossegue o CEO do Grupo TGA. “No nosso CD de Tamboré, uma paletizadora automatizada embala centenas de volumes por hora, enquanto é supervisionada por humanos, agilizando o embarque desses produtos, sem perder a qualidade.”
A coleta e o armazenamento desses itens também precisam ser mais rápidos e eficazes, uma vez que as linhas de montagem também disponibilizam um maior volume de peças em menos tempo. Para isto, a TGA utiliza empilhadeiras modernas, além de um sistema de endereçamento dinâmico (também chamado de endereçamento aleatório ou randomizado) que permite, entre outros benefícios, a otimização do tempo de preparação e despacho da carga, para embarque ou distribuição, resultando para o cliente em um serviço mais ágil, e, para a TGA, em mais produtividade de sua área operacional. Nele, cada SKU (Stock Keeping Unit) é armazenado segundo critérios pré-definidos e geridos por um aplicativo customizado de controle de armazém. Neste processo, os operadores escaneiam cada item com os leitores de códigos de barra.
Ao registrar um pedido, os computadores identificam onde determinado item está localizado e traçam a rota mais rápida para o funcionário chegar até ele em tempo hábil para preparar a entrega.
“Por fim, quando processos são otimizados (como o advento da automação das linhas de produção), também se torna necessário que os bastidores de operação da cadeia logística também estejam otimizados. E isso envolve tecnologia de ponta. Na TGA, atualmente, este quesito está bem avançado. A empresa já atua com a Logística 4.0, tanto na parte operacional como na segurança do transporte de carga”, completa Santos.
Neste contexto, Ronaldo Fernandes da Silva, presidente da FM Logistic do Brasil, diz que a empresa investe, anualmente, mais de 70 milhões de euros para garantir, cada vez mais, agilidade e confiabilidade às suas operações e, consequentemente, pleno atendimento das necessidades dos clientes. “Esperamos encerrar 2020 com cerca de 12% do faturamento anual da FM Logistic do Brasil sendo direcionado para o investimento na renovação da tecnologia de sistema de informação e de gerenciamento de armazéns e na abertura de novas operações, ferramentas de informação e no equipamento Inventory Viewer, que é focado no controle de inventário para aumento da produtividade. Com ele, o inventário será feito em três segundos, e não existirá a necessidade de selecionadoras, oferecendo mais ergonomia para o operador e 10 vezes mais eficiência do que uma contagem tradicional”, completa Fernandes.
Josana, da Transportadora Sulista, conclui esta análise destacando que há algum tempo a indústria automotiva já se mobiliza sobre automação dentro das unidades fabris, e a logística participa ativamente desta mudança e transformação, fazendo parte da evolução e fornecendo soluções cada vez mais inteligentes para a venda do serviço, e não apenas do transporte.
Características
À necessidade de acompanhar o movimento de automação das linhas de montagem das montadoras, os OLs e as transportadoras também devem atender às características da logística no segmento. Que apresenta auto nível de exigências. E que irá impor entregas mais agéis, assim como passou a fazer o e-commerce. “Afinal, com a falta de produtos, o transporte entre indústria e distribuidor precisa ser mais agil”, completa Possari, da Cruzeiro do Sul Transportes.
Indo mais além, Pavan, da GEFCO, revela que o segmento automotivo teve um papel histórico no desenvolvimento de técnicas e boas-práticas para a logística. A complexidade do processo produtivo, aliada à busca incansável por redução de custos e níveis de estoques, exigiu o aprimoramento da gestão da cadeia logística e o desenvolvimento de ferramentas que posteriormente foram aplicadas por outros segmentos da indústria (JIT, Kanban, Milk-Run, Cross Docking, etc.).
Fernandes, da FM Logistic, destaca que o que o mercado mais exige é know how, serviços de qualidade e customizados, bem como empresas que investem constantemente em tecnologia, inovação e recursos humanos, sempre atentas ao meio ambiente.
“O setor automotivo e de autopeças também sentiu fortemente o impacto da crise do coronavírus, isso é inegável. Foi um segmento bastante afetado. Porém, ele é um mercado com rapidez de recuperação e, principalmente, reinvenção. Trabalhar com produtos de alto valor agregado e essenciais para a sociedade é um indicativo de que a recuperação pode ser mais lenta, porém, esperada”, diz o presidente da FM Logistic.
Ele também enfatiza que os OLs não podem deixar de oferecer soluções customizadas para o segmento automotivo e de autopeças, entender as suas necessidades para, assim, desenvolver projetos eficazes e eficientes que auxiliem empresas a desenvolverem suas operações logísticas com custo competitivo e agilidade operacional.
Afinal, como revela Dorta, da Penske Logistics, a logística no segmento automotivo é desafiada diariamente pelo grau de exigência das montadoras e seus fornecedores, que trabalham com níveis baixíssimos de inventário em todas as etapas da cadeia, exigindo de seus Operadores Logísticos um fluxo sincronizado e eficiente para evitar rupturas no processo de abastecimento e até uma possível parada de linha de produção. Processos JIT (just in time), Milk-run (tiers 1 e 2) e LLP (lead logistics provider) são ferramentas fundamentais para garantir às necessidades de agilidade e de altíssima qualidade das montadoras e dos fabricantes de componentes.
Além disso – prossegue o gerente Sênior de Operações da Penske Logistics –, a logística de distribuição de peças para a cadeia de reposição é de extrema importância para a montadoras, pois além de representar uma fatia importante em termos de lucratividade, impacta diretamente no nível de serviços das concessionárias e, consequentemente, na satisfação dos seus clientes pela marca.
Diferenciais
Também interessante é conhecer os diferenciais desta logística em relação à de outros segmentos.
Neste quesito, Possari, da Cruzeiro do Sul Transportes, entende que é um transporte que ocorre todos os meses do ano, com grande necessidade de agilidade. E transporte com equipes preparadas para dar suporte.
Pavan, da GEFCO, por seu lado, aponta que a complexidade do processo produtivo e os reduzidos níveis de estoques, já mencionados, demandam um nível de precisão e eficiência sem comparação com outros segmentos.
Para Josana, da Transportadora Sulista, as mudanças de hábitos, consumo e comportamento fizeram a logística acelerar os negócios e ditar uma velocidade bem diferente de antes da pandemia. Este salto trouxe uma logística mais tecnológica, colaborativa e interativa com o cliente.
“Não diferente de outros segmentos, ainda mais depois do advento da pandemia, a agilidade com certeza ainda é o maior diferencial exigido pelo segmento de autopeças. Os inventários cada vez menores transferem para as transportadoras a necessidade de uma melhoria contínua em seus processos para garantir agilidade, qualidade e sustentabilidade”, resume Krümmel, da TW Transportes e Logística.
Dorta, da Penske Logistics, salienta que, com as exigências da globalização e as novas tendências do mercado, a logística do segmento automotivo é diariamente desafiada a integrar-se com todo o ciclo produtivo. As montadoras trabalham constantemente para ampliar o número de modelos e catálogos, criando novas tecnologias embarcadas e adaptações às leis, e pela fabricação programada, o veículo só entra em produção após a venda na concessionária. Neste sentido, a redução do tempo de fabricação é fundamental para manter a boa experiência da marca com este novo consumidor. Estes são alguns dos principais componentes e desafios no atendimento da indústria automotiva.
Desafios
Por falar em desafios desta logística, Possari, da Cruzeiro do Sul Transportes, lembra que ela envolve muitos itens. E tipos diferentes de peças que exigem cuidados especiais. Por exemplo, funilaria. Também há risco de avarias. “Parabrisas, então, exigem muita atenção ao processo.”
Todos os elos da cadeia logística precisam estar atentos em oferecer serviços cada vez mais customizados e estruturados para atender às necessidades desse segmento tão importante da economia. A retração econômica fez com que muitas empresas puxassem o freio. “Claro que estamos atentos às demandas do mercado e em compasso de espera para que a economia brasileira receba uma injeção de ânimo o mais breve possível. Porém, as nossas atividades não podem parar”, diz Fernandes, da FM Logistic.
Ainda na questão dos desafios, Pavan, da GEFCO, diz que as repetidas crises econômicas mundiais, agravadas pela pandemia do Covid-19, estão exigindo que as montadoras reavaliem seu parque de fornecedores com uma tendência forte de nacionalização. “Infelizmente, os fornecedores desta indústria (Tiers 1, 2, etc.) foram fortemente impactados nos últimos anos, com dificuldades de acompanhar os investimentos e demandas das montadoras. Há expectativa de aumento de ruptura nas cadeias de suprimentos e, consequente, aumento de demanda por fretes emergenciais para reduzir estes impactos. Agilidade e flexibilidade são fundamentais para os OLs conseguirem atender estas demandas não programadas.”
De fato, Josana, da Transportadora Sulista, aponta que o cenário é complexo e novo. Garantir toda a cadeia de abastecimento, principalmente a nacional e portuária, apostando em soluções que garantem as operações sem colocar a saúde dos colaboradores e dos clientes em risco, é o grande desafio.
“Garantir os prazos acordados, atendimento a todos os processos em sua complexidade e a qualidade dos follouw ups para clientes internos e externos”. Estes são os desafios apontados pelo diretor de Operações da TW Transportes e Logística.