A pandemia de coronavírus que atinge o planeta tem provocado uma onda de mudanças e adaptações em todos os âmbitos, incluindo a logística e a cadeia de suprimentos. O mundo nunca mais será o mesmo.
Tudo ainda é um tanto incerto quando se trata da Covid-19. A doença, que começou a se espalhar no fim do ano passado na China, está em estudo no mundo todo. Conforme notícia do dia 15 de abril último, os testes clínicos para a vacina estão em andamento nos Estados Unidos e na China. Mas os esforços não se limitam apenas a esses países. Um artigo publicado recentemente na revista Nature, conceituada publicação científica britânica, apontou que havia 115 projetos em andamento em 8 de abril, a maioria desenvolvidos por instituições privadas. A estimativa é que uma vacina estaria pronta para uso emergencial no início de 2021.
Enquanto isso, vamos nos prevenindo da melhor forma possível, nos adaptando a toda essa movimentação, que afeta nossa saúde – inclusive psicológica –, nossas relações pessoais e nossos bolsos.
Para falar do impacto que essa situação tem causado na área de logística e Supply Chain, a Logweb produziu esta matéria especial, que traz o relato de consultores, dirigentes de instituições, professores e profissionais de empresas que atuam no segmento.
Efeitos
Os primeiros efeitos da Covid-19 na Supply Chain foram sentidos com a paralisação de algumas fábricas na China, que fornecem componentes para várias indústrias no mundo, gerando a interrupção em um dos elos de muitas cadeias produtivas. “Como sabemos, se um elo apresenta dificuldades, elas são refletidas em toda a cadeia”, conta Hélio Meirim, CEO da HRM Logística Consultoria & Treinamento.
Em seguida, com a declaração de pandemia, as restrições passaram a se estender para quase todo o mundo. “Com o fechamento de fronteiras, houve interrupção no fluxo de mercadorias e pessoas, o que trouxe impactos para diversas cadeias de suprimentos no Brasil e no mundo.”
De fato, Carlos Cesar Meireles Vieira Filho, diretor-presidente da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, diz que os efeitos do coronavírus na Supply Chain estão diretamente ligados à atividade econômica. “A partir do momento em que ela perde força, a distribuição e todo o processo logístico da cadeia de suprimentos terminam, de certa forma, sendo impactados também”, expõe.
Tayguara Helou, presidente do Conselho Superior e de Administração do Setcesp – Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região, reconhece que o efeito da pandemia de coronavírus na cadeia logística e no transporte rodoviário de cargas é muito profundo e complicado. Tudo é caro neste setor: mão de obra, caminhões, autopeças, tecnologia e armazéns. Ou seja, é necessário muito capital para que se consiga colocar uma operação logística e de transporte em pé. Para poder ter retorno, as empresas buscam eficiência e escala, só que a diminuição drástica da produção e do consumo devido à pandemia tem causado redução no caixa das empresas e dos operadores.
“O impacto no fluxo de caixa será gigantesco. Será difícil para o setor passar por essa, mas ele vai passar, não tenho dúvida. No entanto, muitas empresas sofrerão, muitos Operadores terão graves problemas após essa questão, no Brasil e no mundo inteiro”, acrescenta.
Concorda com ele Felipe Trevisan, CEO da Vuxx, transportadora digital com foco na distribuição de carga fracionada em grandes centros urbanos. De imediato, as relações de projeção de demanda, fluxo de caixa, leadtime e estoque estão totalmente afetadas. “Se reuniões entre vendas, operações e suprimentos (S&OP – Sales and Operations) já eram complexas no dia a dia, imaginem agora? O impacto direto está na dificuldade de replanejamento, da incerteza e das relações entre as áreas. As empresas precisarão mais do que nunca aprimorar a comunicação interna e a colaboração entre áreas para que os problemas possam ser corrigidos de uma melhor forma”, relata.
Outro impacto muito provável é o chamado efeito chicote (bullwhip effect), quando a demanda em alguns segmentos cresce muito rápido, mas as camadas da Supply Chain interpretam de forma amplificada, gerando excesso de estoques no médio prazo. “Há risco de estoque excedente nos próximos meses oriundo dos fornecedores de suprimentos hospitalares, alimentos e outros produtos que crescem nesta crise”, continua Trevisan.
Um dos efeitos da pandemia, na opinião de Stefan Rehm, CEO e cofundador da Intelipost, empresa de tecnologia inteligente para logística, é o processo de adaptação da cadeia para minimizar riscos e proteger as comunidades. “De forma geral, podemos ver os custos de suprimentos da China aumentarem, considerando custos adicionais com fretes mais rápidos, por exemplo. Além disso, as empresas estão buscando alternativas de fornecedores, repensando estoques e oferecendo descontos para ajudar o negócio a continuar girando”, declara. Um efeito positivo, no entanto, ainda de acordo com ele, é que este processo de adaptação vai trazer conhecimento e proteger as cadeias de outros problemas semelhantes no futuro.
José Geraldo Vantine, diretor geral da Vantine Logistics & SCM Consulting, diz que o impacto pode ser fatal em várias cadeias produtivas, especificamente nas longas e globais, como automobilística, aeronáutica e eletrônica. “Não existe uma receita certa e igual para todos, e é certo que nenhuma empresa, de qualquer segmento, tem em seus planejamentos estratégicos e operacionais o fator ‘improvável’. O alcance mais longe é o ‘imprevisto’, conhecido por ocorrências anteriores.” De acordo com o consultor, o maior impacto para a logística está mais no planejamento em geral (suprimentos, produção e distribuição) e menos na operação.
Para Paulo Roberto Bertaglia, diretor executivo da consultoria Berthas, é uma crise com impactos ainda difíceis de mensurar, até porque não acabou e não se sabe quando irá acabar. Segundo ele, a tecnologia está sendo e será mais ainda uma importante aliada da Supply Chain, possibilitando que as informações sejam melhor utilizadas, mesmo na contratação de empresas fornecedoras. “As avaliações voltadas aos riscos na cadeia como um todo receberão uma atenção especial. O uso de blockchain, ferramenta que, até então, tem patinado, pode destravar de uma vez. A contratação de fretes, por exemplo, passou a ser efetuada com mais ênfase através das plataformas tecnológicas, evitando o contato físico entre as pessoas”, coloca.
Restrição de circulação
Com a restrição de circulação de pessoas, muitas empresas adotaram o home office e optaram por deixar as equipes que fazem parte do grupo de risco em casa. Por isso, como conta Meirim, da HRM, os gestores que atuam em operações logísticas ligadas aos serviços essenciais precisaram definir ações de readequações nas atividades, tais como: dimensionamento de equipes, possibilidade de alocação do colaborador em uma operação mais próxima de sua residência (minimizando seu deslocamento), revisão dos horários da operação (diminuindo a concentração em determinados horários) e, é claro, disponibilizando todas as condições necessárias para assegurar a saúde de suas equipes.
Rehm, da Intelipost, acredita que proteger a saúde das pessoas é a coisa certa a ser feita neste momento, mas reconhece que as medidas de restrição também afetam os negócios e a economia, de forma geral. Ele conta que a empresa fez um estudo para entender o impacto da Covid-19 no ecossistema de logística do e-commerce. Do ponto de vista dos varejistas, foi preciso fazer adaptações nos armazéns, com campanhas de educação diária dos colaboradores sobre novidades e a importância dos cuidados, acompanhamento de temperatura e higienização, bem como funcionamento em turnos distintos sem sobreposição e sem contato físico com os motoristas ou fornecedores.
Do ponto de vista das transportadoras, Rehm diz que o desafio é ainda maior, já que algumas estradas estão com acesso restrito e o transporte aéreo também foi reduzido. As empresas também estão trabalhando na disponibilização de kits de higienização para cada motorista e abolindo a assinatura de entrega, com orientação de utilizar apenas o RG e nome do recebedor ou comprovante de entrega por voz. Além disso, com menos trânsito, o motorista consegue entregar mais rápido, porém, muitos clientes estão recusando a entrega por medo do contato.
“Muitas companhias estão trabalhando com prazos maiores de entrega, considerando que estão com quadro reduzido de pessoas e adotando novos protocolos de higiene que alteram os prazos. Por outro lado, as taxas de sucesso nas entregas aumentou, já que as pessoas estão ficando em casa”, acrescenta.
Edson Carillo, diretor da consultoria Connexxion Brasil, também analisa os prós e contras da restrição de circulação. “Medidas restritivas podem ser positivas para o transporte, visto que o menor tráfego permite um menor tempo de viagem e consequente melhoria na utilização dos veículos. Por outro lado, o quadro reduzido em terminais e Centros de Distribuição pode forçar o veículo a ficar aguardando mais tempo para carga e/ou descarga. Ainda, o impacto no consumo está reduzindo o preço dos combustíveis, o que é positivo para o setor de transportes.”
Conforme analisa Tayguara, do Setcesp, a situação logística está muito complicada, pois chegará o momento em que os estabelecimentos estarão fechados, fazendo com que a carga retorne ao armazém das transportadoras ou ao remetente, que também poderá estar fechado. “Estamos vivendo um dia após o outro. O mais importante nesse momento é que não podemos parar. O Brasil precisa, como nunca, do transporte rodoviário de cargas, por isso, temos de continuar no abastecimento de produtos essenciais”, orienta.
O impacto é significativo e ainda bastante diversificado, uma vez que os segmentos são afetados de formas diferentes, como aponta Bertaglia, da Berthas. Os modais de transporte marítimo e aéreo estão sofrendo e irão receber um impacto bastante significativo, segundo ele. Países criaram barreiras de entrada forçando o retorno de cargas ao ponto de origem, gerando custos adicionais. O isolamento das pessoas leva a um aumento do comércio eletrônico nos itens mais básicos. Pequenos e médios supermercados se organizam para atender as listas, gerando oportunidades de trabalho informal para o transporte na última milha. “A interrupção de atividades industriais e de serviços são preocupantes. Os motoristas de caminhão nas rodovias brasileiras se defrontam com escassez de alimento em função dos restaurantes estarem fechados. Interromper produção de combustíveis, por exemplo, pode gerar outro impacto significativo, e algumas cidades do país tem apontado para esta direção”, acrescenta.
Mudanças
Para lidar com os efeitos da Covid-19, os gestores precisaram incorporar planos de contingência, como aponta Philippe Minerbo, diretor executivo da Cosin Consulting. “A questão da gestão mais digitalizada também será uma realidade, aumentando a produtividade. Hoje, muitas reuniões são só presenciais e essa é uma barreira que está sendo derrubada, mostrando que gestão a distância também funciona. E, finalmente, os e-commerces B2C e B2B sairão fortalecidos depois dessa crise”, expõe.
A situação originada com a Covid-19 é uma grande prova de que atualmente vivemos num momento de “nunca normal”, observa Ivan Jancikic, diretor de Serviços da Llamasoft, que oferece soluções de Supply Chain e tomadas de decisões. “As empresas precisam estar mais bem preparadas para este tipo de disrupção. Prever o que vai acontecer não é possível, mas diante da situação, é possível ter ferramentas que são como alicerces para a ‘casa não cair’.”
A grande questão, de acordo com ele, é como equilibrar a redução de risco com a eficiência da cadeia de suprimentos para garantir o devido abastecimento, ao mesmo tempo em que é mantida a competitividade no mercado durante períodos imprevisíveis e voláteis. “Portanto, esperamos que estas mudanças não sejam apenas temporárias, num sentido em que as empresas, a partir de agora, se preparem para estarem mais resilientes para este tipo de crise”, declara Jancikic.
Tayguara, do Setcesp, aponta algumas mudanças já sentidas no transporte rodoviário de cargas. Primeiramente, a questão de segurança dos colaboradores, para que se mantenham saudáveis e garantam o abastecimento e o escoamento das mercadorias. Em segundo lugar, com relação ao suporte a esses trabalhadores nas rodovias, nas ruas e nos centros urbanos. “É óbvio que de uma crise como essa sairão grandes ensinamentos e isso traz um amadurecimento maior do setor. São novas iniciativas que estão sendo implementadas, como por exemplo, os planos de contingenciamento emergenciais para atender em momentos como agora. E pode ser que no futuro, algo similar aconteça. Acredito que isso tudo representa uma curva de ensinamento e aprendizagem para a humanidade, em especial, para os Operadores Logísticos.”
Meirim, da HRM, entende que uma mudança relevante neste momento é a conscientização da necessidade de se ter uma logística colaborativa, na qual os princípios colaborativos precisarão ser levados aos diversos elos da cadeia de suprimentos. “Percebi que, neste momento desafiador, diversas empresas passaram a buscar maior interação e parceria. Torço para que após a Covid-19, estas experiências colaborativas sigam em frente.”
Para Rehm, da Intelipost, ainda é cedo para avaliar todos os impactos da pandemia, especialmente no longo prazo. Mas uma das mudanças positivas que ele observa e que deve ter impacto no futuro é a adoção de tecnologias que usem dados, inteligência artificial e machine learning para trazer visibilidade para as empresas, permitindo que elas tomem decisões mais bem-informadas e possam reagir rapidamente a outras crises no futuro. “Outro ponto a se considerar é a possibilidade de aceleração do varejo online, com a digitalização de operações antes exclusivamente offline. Estratégias omnichannel mais robustas devem ganhar força nos próximos meses”, aponta.
Bertaglia, da Berthas, também fala no papel importante que a tecnologia desempenha. De acordo com ele, as atividades de home office, principalmente nas empresas que encontravam resistência em adotá-las, pode ser uma alternativa não temporária. A conveniência das entregas e pedidos por plataformas tecnológicas tem sido bastante utilizada. E pode ser que um grande número de organizações passe a realizar o comércio eletrônico como um canal adicional. “Vivemos em um mundo globalizado e portanto medidas tomadas na China ou na Índia afetam outros países. Imaginemos indústrias que importam insumos estratégicos, como as automotivas, tecnologias ou mesmo farmacêuticas. Se não tiverem alternativa, terão de parar suas produções, afetando a receita, podendo gerar desempregos.”
Por sua vez, Trevisan, da Vuxx, acredita que a forma com que encaramos a cadeia de suprimentos será profundamente revista. O aprendizado mais profundo, em sua opinião opinião, está ligado ao Supply Chain Disruption Risks. “Vemos que várias empresas gostam de centralizar fornecedores e meios de transporte, mas não possuem um plano de gerenciamento de crise. Por exemplo, uma empresa que tem 100% das importações através de um único porto com um único fornecedor da China é muito mais suscetível a um evento como o da Covid-19. As relações com os fornecedores de insumos e de serviços será revista para que haja, no mínimo, planos de contenção e relações comerciais mais flexíveis nas operações”, expõe.
Muitas mudanças virão depois desta pandemia e do momento tão duro e difícil que o mundo está passando, comenta Cesar, da ABOL. Segundo ele, o mundo não será mais o mesmo. Cada disrupção, como uma pandemia, vai trazer novos hábitos. Uma série de questões serão intensificadas, em sua opinião: o posicionamento do cidadão com relação à higiene no âmbito social vai mudar, assim como o hábito de consumo. “Penso que o e-commerce, que já vinha em uma rampa de crescimento acentuada, vai se aquecer. A compreensão da sociedade com relação à função da logística também deve ganhar uma compreensão maior, com o entendimento que todos os elementos que fundamentam a logística são cruciais para a sustentabilidade e o desenvolvimento socioeconômico das nações.”
Futuro da logística
Após essa pandemia, o transporte de cargas e a logística podem ser melhores ainda, de acordo com Francisco Pelucio, presidente da NTC&Logística – Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística. “Como se trata de um setor totalmente ligado às novidades, tecnologia e sistemas de gestão, temos a oportunidade de continuar trabalhando em prol da saúde financeira das nossas empresas, para que quando tivermos crises, possamos aguentar sem grandes danos.”
Ele diz que o setor já sofre bastante com a falta de infraestrutura adequada, com a carga tributária sendo uma das maiores do mundo, dentre outros problemas e, mesmo assim, segue com seu compromisso social de fazer o Brasil acontecer. “Com certeza vamos sair fortes de tudo isso, mesmo sofrendo alguns impactos”, expõe.
Também para Tayguara, do Setcesp, o transporte rodoviário de cargas será mais forte depois do coronavírus, porque muitas das providências tomadas para atuar em momentos de emergência e melhorar a saúde e a higiene dos trabalhadores vão perdurar. “Isso vai melhorar e amadurecer ainda mais as operações da logística e do transporte de cargas no mundo todo.”
Para Meirim, da HRM, as empresas passarão a pensar em estratégias colaborativas, repensarão os níveis de automação, atividades em home office, desburocratização, leque de fornecedores internacionais x locais, redimensionamento de estoques de itens vitais, processos mais ágeis e terão um foco muito grande na racionalização dos processos, dando ênfase às atividades que agregam valor para o cliente, empregados, vizinhos e acionistas. “Imagino que os modelos digitais ganharão ainda mais força, assim como a automação de processos e atividades e as entregas delivery em horário estabelecido.”
Outro aspecto que Meirim considera importante é que o consumidor passará a valorizar ainda mais seu recurso financeiro (que por algum tempo será escasso) e, por isso, será mais criterioso em suas compras, buscando empresas que ofereçam um pacote de produtos/serviços com a melhor relação custo x benefício.
“Neste sentido, empresas que pensarem na logística de forma estratégica terão a oportunidade de construir um diferencial competitivo importante, pois conseguirão agregar valor relacionado à disponibilidade do produto na quantidade certa, no local correto, no momento desejado (entrega agendada) e a um custo adequado”, expõe.
A Supply Chain será percebida no futuro como uma capacidade competitiva e estratégica das empresas. No passado era percebida apenas como uma função mais reativa, operacional e de curto prazo. Essa é a opinião de Jancikic, da LLamasoft. “Com grandes disrupções, como a causada pela Covid-19, as empresas estão entendendo que devem tornar a Supply Chain uma ferramenta digital e estratégica capaz de analisar diferentes cenários futuros para prevenir grandes disrupções. Assim, as empresas estarão preparadas para manter seus níveis de serviço e seus objetivos financeiros, tomando decisões respaldadas por dados e não decisões reativas que podem trazer grandes custos para a empresa.”
Ao analisar o futuro da Supply Chain em função da Covid-19, Cesar, da ABOL, observa que será necessária uma dedicação maior para seu impulsionamento. “Não tenho dúvida alguma que, a partir de agora, haverá um up grade muito grande em tecnologia, nas plataformas digitais. Não só estamos experimentando isso de forma viva agora, como o e-commerce tende a crescer bastante. As plataformas digitais serão fundamentais para que isso tudo se desdobre de uma forma progressiva, positiva, efetiva, séria e acompanhando a necessidade e a demanda do seu crescimento.”
Para ele, no pós-Covid-19, o mundo precisará comunicar-se e desempenhar o comércio de forma diferente. “Teremos um novo ritmo, mais veloz, com necessidade de mais segurança, demandando mais zelo e comprometimento com questões sustentáveis. Segurança digital de dados e compliance serão cada vez mais discutidas e presentes à vida das organizações e das pessoas”, diz.
É durante uma crise que a Supply Chain se desafia e se reinventa, com novos modelos de gestão de pessoas, gestão de risco, captura e disseminação de informações, bem como novas tecnologias apoiando os seres humanos na execução das suas atividades. É o que expõe Minerbo, da Cosin, que vê de forma positiva o período pós-Covid-19. “Continuo apostando muito no ‘voice managing’. As pessoas estarão acostumadas a estar conectadas o tempo todo durante o trabalho e isso aumenta a produtividade.”
Com essa crise, muitos contratos de fornecimento e abastecimento podem ser revistos, o que trará impacto nos valores negociados, opina Leonardo Silva Paião, professor de Logística e Administração da EAD Unicesumar. “Existe também a oportunidade de as empresas encontrarem soluções criativas para suas operações, práticas de negócios que serão desenvolvidas entre fornecedores e clientes.”
Bertaglia, da Berthas, imagina que uma mudança substancial após esse surto seja o investimento em modelos de negócios, maiores preocupações com a gestão de riscos e, eventualmente, aproximar o produto acabado do ponto de consumo, “algo que já se fala há algum tempo, mas com baixo reflexo prático”.
Para Rehm, da Intelipost, o futuro pós-pandemia envolve tecnologia, resiliência e agilidade para tomada de decisão. “A Covid-19 será, com certeza, um marco na história e todo grande fato como este gera uma onda de mudanças e adaptações. Acho que não será diferente para o futuro da Supply Chain.”
Trevisan, da Vuxx, diz que o coronavírus está testando cada empresa e indivíduo na sua capacidade de execução, comunicação e especialmente na adaptabilidade. “Creio que a estratégia da Supply Chain das empresas será um pouco mais voltada à velocidade de adaptação e flexibilidade”, expõe.
Por sua vez, Carillo, da Connexxion Brasil, acredita que o maior impacto dessa pandemia será na dedicação das empresas à criação e à gestão de planos de contingência, os BCP – Business Continuity Plan, “se bem que a Covid-19 entraria no efeito ‘Cisne Negro’, isto é, não previsível”. Em resumo, o que se projeta, em sua opinião, é um período de recessão e recuperação da economia brasileira e mundial. “Então o futuro é de reconstrução.”
Na análise de Vantine, a Gestão da Cadeia de Suprimentos está em constante evolução, dado que cada empresa, especialmente as globais, ajustam seus processos em função do mercado a montante (suprimento) e a jusante (consumo) e do desenvolvimento das várias tecnologias de informação e gestão pertinentes. “Portanto, sob esse aspecto, a pandemia nada altera. No entanto, haverá uma nova dinâmica no desenvolvimento de fornecedores, especialmente os estratégicos, evitando ter só um e em apenas uma região geográfica, como no caso da China, que tem alta concentração de componentes eletrônicos. Verdade que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar, porém, segundo outro ditado popular: seguro morreu de velho”, cita.
E-commerce
Alguns entrevistados já comentaram o aumento do e-commerce devido às restrições de circulação. De fato, uma pesquisa feita pela Abcomm – Associação Brasileira de Comércio Eletrônico e pelo Movimento Compre & Confie, aponta que as vendas online de categorias de bens de consumo em fevereiro e março cresceram mais de 100%, se comparadas com as vendas de fevereiro e março de 2019: saúde (111%), beleza e perfumaria (83%) e supermercados (80%).
“As empresas já vinham se preparando para um aumento do e-commerce, que crescia a uma razão de 30% sobre o ano anterior. Agora, acredito que vai haver uma aceleração ainda maior nos próximos dois anos. E isso vai demandar investimentos adicionais em operações nos CDs, entregas, etc. A boa notícia é que uma demanda maior tende a baratear custos, pois adensa, por exemplo, zonas de entrega”, comenta Minerbo, da Cosin.
De acordo com Jancikic, da LLamasoft, as empresas de logística devem se preparar para esse aumento criando uma capacidade de análise end-to-end da cadeia de suprimentos, na qual o e-commerce é mais um componente que deve ser analisado não de forma isolada, mas sim como parte de um todo.
Conforme explica, tudo começa com as disrupções na demanda, alguns dos produtos experimentaram aumentos inimagináveis na demanda (alimentos, produtos sanitários, farmacêuticos, etc.), outros, uma queda sem precedentes (por exemplo, indústrias da moda, cosméticos, luxo e automóveis).
Uma vez feita a previsão da demanda e dos fatores causais, deve-se dar continuidade a outras análises, fazendo várias perguntas, por exemplo: como está a área de suprimentos? Os fornecedores dos produtos que continuam sendo demandados vão continuar sem nenhuma disrupção? Devo considerar políticas de estoques diferentes para os produtos que estão em alta? E para os produtos que não estão sendo demandados, quais serão as considerações de estoques e os custos de armazenagem? Os Centros de Distribuição continuarão operando ou devo considerar diferentes opções? E o transporte? As rotas sofrerão grandes mudanças com as restrições?
“Além de todas estas perguntas, também tem os custos, o impacto cambial e outros diferentes tipos de análises. Por isso, as empresas devem se preparar para fortalecer suas capacidades omnichannel e manter as vendas considerando os níveis de serviço”, expõe o diretor de Serviços da LLamasoft.
Meirim, da HRM, salienta que se as empresas conseguirem fornecer uma boa experiência a estes consumidores, a tendência é que cada vez mais pessoas estejam dispostas a fazer compras online. “Com isso, teremos uma maior demanda logística para as companhias, que precisarão ser mais ágeis no ciclo do pedido, possibilitando aos clientes visibilidade constante e atualizada das informações de cada etapa deste ciclo.”
O e-commerce é uma ótima oportunidade para reforçar a conveniência das compras online e a capacidade do setor em manter a economia girando, considerando que as vendas pela internet são a única fonte de renda para a maioria dos varejistas neste período, observa Rehm, da Intelipost.
No entanto, Bertaglia, da Berthas, nota que muitas empresas entraram de forma amadora no e-commerce para não perder negócios, com processos arcaicos de recebimento de pedidos e/ou listas, separação e entrega. “A última milha está tendo um reflexo significativo. Quando normalizar a situação, eu acredito que muitas empresas farão uma mescla de vendas físicas e via comércio eletrônico.”
Tecnologia, capacitação, recursos, ativos disponíveis, comunicação e integração de tudo isso são a base fundamental para que o e-commerce seja atendido e positivamente empoderado cada vez mais. “É uma curva ascendente e irreversível”, resume Cesar, da ABOL.
Farmacêutico
Quando se trata de saúde, o setor farmacêutico é um dos primeiros a ser impactado. Portanto, para tranquilizar a população, entidades de classe que atuam no setor publicaram no dia 21 de março último um comunicado dizendo que a indústria continua operando normalmente e fabricando os medicamentos essenciais para as pessoas. Além disso, o documento frisa que os estoques de medicamentos, nos distribuidores, são suficientes para atender à demanda nos próximos meses. Também é dito que os trabalhadores, tanto das indústrias quanto do setor de distribuição, estão empenhados em garantir o abastecimento e que a situação está sendo monitorada.
Um dos mais movimentados comércios destes tempos de pandemia, as farmácias devem faturar alto neste semestre, segundo a Abradilan – Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias. De acordo com a entidade, que possui 26 grandes redes afiliadas, nunca se viu tanto movimento nas farmácias, para procura de todo tipo de medicamento, além, claro, de máscaras e álcool em gel.
Segundo Jancikic, da LLamasoft, para lidar com o aumento da demanda, as redes de farmácias devem analisar os dados diariamente. Ferramentas de indicadores estáveis não funcionam. “Empresas de vários segmentos estão realizando benchmarking com outros países que já estão pelo menos a 30 dias à frente do Brasil para resolver novas questões relacionadas à Covid-19”, acrescenta.
De acordo com Minerbo, da Cosin, a questão não é só focar na eficiência, mas também em um novo modelo operacional que evite aglomerações, contato físico e que dê agilidade ao fluxo de atendimento. “Isso num quadro provavelmente já reduzido de profissionais por conta da quarentena”, expõe.
Segundo ele, o principal ponto de produtividade dentro de uma farmácia para dar agilidade, por exemplo, seria o envio eletrônico dos remédios a serem comprados sob prescrição e a questão da checagem dos descontos. “Talvez, também uma consulta online ou por telefone (pessoas idosas) para já saber o preço e agilizar o atendimento. Importante é desafiar o status quo. E não só agora, mas sempre”, opina.
De acordo com Trevisan, da Vuxx, a eficiência do setor farmacêutico é muito complexa quando se olha a cadeia inteira, desde insumos até o produto chegar ao consumidor final. “Acredito que a gestão de estoques deverá ser aprimorada e a flexibilidade da rede de distribuição também, através da diversificação dos transportadores e Operadores Logísticos”, expõe.
Bertaglia, da Berthas, lembra que o setor farmacêutico já vem consolidando as entregas online e, com a pandemia, as compras aumentaram significativamente. “A estratégia é possuir canais bem estruturados e pessoas adequadas para receber pedidos, realizar as separações e, por fim, ter uma estrutura eficaz para realizar as entregas”, conta.
Na opinião de Meirim, da HRM, grande parte das indústrias farmacêuticas são bem estruturadas e possuem processos logísticos robustos. “Percebo que a maioria das empresas deste segmento já está buscando se adequar de forma rápida a este cenário.”
Supermercadista
O setor supermercadista também está sendo impactado pela pandemia, exigindo inteligência e planejamento para lidar com os desafios, incluindo o investimento no delivery. “Temos visto os supermercados com uma enorme demanda e trabalhando para conseguir garantir entregas rápidas e eficientes. Em muitos casos, a entrega mais rápida não está sendo possível, por conta do aumento significativo da demanda, resultando em prazos de entrega maiores”, nota Rehm, da Intelipost.
Segundo ele, como os mercados trabalham com produtos perecíveis, as entregas em geral são agendadas. Neste cenário, o agendamento é um desafio, ainda mais para quem usa métodos mais tradicionais de gestão de fretes. “Pode ajudar a ganhar eficiência neste período a adoção de novas estratégias, como ship from store, processo de atendimento que transforma a loja física em um ponto de distribuição, e pick up & drop off, serviço de coleta e entrega de encomendas”, sugere.
Minerbo, da Cosin, conta que um grande varejista alimentar que já tinha um fluxo grande de delivery, implantou um caixa especial para empresas como o Rappi. Outras ideias são a segmentação dos horários de atendimento. “Por exemplo, sugerir que os mais idosos utilizem os serviços entre 6h e 8h da manhã, para não interagir com os demais clientes. Acho que esse é um bom momento para disseminação dos self-checkouts, aqueles caixas em que você mesmo lê a mercadoria e paga sem o apoio de ninguém”, sugere.
Carillo, da Connexxion, diz que o supermercado passou por uma onda de consumo elevado durante o período de “histeria”, com as pessoas acreditando que faltaria tudo. “Mas passada esta fase, a tendência é de redução nas vendas globais, com impacto positivo de vendas de produtos básicos e de higiene e limpeza”, analisa.
Paião, da EAD Unicesumar, comenta que o delivery para supermercados deixará de ser apenas uma comodidade para ser necessário, demandando adaptabilidade e planejamento. “As entregas serão por transporte alternativo? Será terceirizado? Clientes serão priorizados? Haverá pontos estratégicos de distribuição? São decisões importantes que deverão ser tomadas”, propõe.
Quanto às redes que ainda não atuavam com delivery, Meirim, da HRM, diz que elas precisarão rapidamente se estruturar e poderão ter alguns desafios relacionados a processos, pessoas e tecnologia. “Por outro lado, em alguns casos, o delivery irá ganhar tanto espaço em termos de faturamento, que haverá oportunidades de rever o foco do negócio e, assim, repensar processos, tamanho de lojas, dimensionamento de equipe e, com isso, gerar uma nova estrutura de receitas e despesas que pode ser interessante.”
Vantine diz que o setor supermercadista é um dos mais bem estruturados no Brasil, porém, é dependente das indústrias, e essa relação sempre foi ao estilo “entre tapas e beijos” devido aos vetores comerciais.
Ele explica que o principal índice de gestão no setor de supermercados é a taxa de ruptura, que sempre gira em torno da média de 2,5 a 3% e, agora, para alguns itens, extrapola os 10%. “Mas é pontual e temporário. Até o momento não há registros de ampliação significativa nas atividades de entrega em domicilio tradicional das próprias redes. E ainda não se nota expressiva participação dos aplicativos de entrega (disk/delivery). Mesmo que cresça, o setor saberá como se ajustar, pois é muito dinâmico”, conta.
Trevisan, da Vuxx, acredita que a movimentação aumentará tanto no e-commerce de compras de supermercado quanto nas compras físicas. Quem perceberá uma queda são os distribuidores focados em restaurantes.
“O desafio logístico está em contar com uma rede de entregadores mais flexível e de qualidade: no cenário atual, é impossível operar de forma eficiente com frota própria ou dedicada. Um ponto muito importante será como cuidar da saúde dos entregadores, fornecendo máscaras, álcool gel e evitando o contato deles com o destinatário”, salienta.
E falando no delivery, Cesar, da ABOL, diz que ele deve ser considerado de forma integrada: precisa haver uma rede de comunicação boa e segura, conectividade rápida e segura com o mercado e, para isso, tanto no e-commerce como no delivery, é fundamental que o Brasil ingresse em uma plataforma tecnológica superior, faça um upgrade a partir da tecnologia, da indústria e logística 4.0, migrando para a 5.0. “O tráfego de informações, necessariamente, vai ser muito maior e, se não houver um investimento elevado em infraestrutura tecnológica, vamos ficar para trás, gerando arriscados e desnecessários bugs. O Brasil vai ter de investir pesado em infraestrutura digital, internet e telecomunicações”, ressalta.
Outro tópico fundamental para ele são os acessos urbanos, pois o delivery é cada vez mais necessário e demandado em razão da dificuldade das grandes cidades e do tráfego intenso. “Então, a partir do momento que essa fluidez se faz necessária, a questão da distribuição nas cidades precisa ser repensada. A visão de cidades inteligentes, tecnologicamente estruturadas e sustentadas, faz-se necessária para que essas questões sejam viabilizadas.”
Bertaglia, da Berthas, diz que, assim como o setor farmacêutico, os supermercados de grande porte já possuem uma estrutura para o atendimento online. Mas empresas de pequeno porte e supermercados de bairro vivem um momento diferente. “Precisam partir para um modelo de negócio que até então para muitos era desconhecido. Mas é uma questão de sobrevivência.”
Sua recomendação é que evoluam e perenizem o modelo online em paralelo com o modelo físico, para gerar maior competitividade e mais receita, uma vez que, pela conveniência, os consumidores tenderão a comprar online, para ganhar tempo, evitando estar em filas desnecessariamente. “Criar uma estrutura de logística adequada em paralelo com as estruturas tecnológica e de meios de pagamento é fundamental.”
Papel da tecnologia
Dentro dos planos de continuidade que as empresas desenvolvem e/ou desenvolverão com base neste aprendizado, haverá uma maior automação de processos e, consequentemente, menor dependência de mão de obra direta. É o que acredita Carillo, da Connexxion. “Na linha das entregas, mais racionalização no uso do transporte, que alguns consideram erroneamente como otimização, também deve ser uma evolução”, acrescenta.
Uma oportunidade tecnológica que pode ser que surja, pensando exclusivamente em entregas, é a utilização de drones, observa Paião, da EAD Unicesumar. “Temos vários cases de empresas que já utilizam esse meio de transporte. Esse impulso pode se tornar exponencial principalmente pelo motivo que vivemos, são novos meios para um novo mundo.”
Várias iniciativas já tem sido tomadas nesse sentido, conforme cita Rehm, da Intelipost: a suspensão do comprovante de entrega, que pode ser substituído pelo comprovante por voz, lockers que abrem e fecham sem necessitar de interação física, apenas com o uso do celular, novos protocolos de limpeza e higiene nos CDs, bem como a eliminação de overlaps entre os turnos, reduzindo a circulação dentro dos Centros de Distribuição.
Trevisan, da Vuxx, cita a robotização dos armazéns e, nas entregas, os sistemas de comprovação digital (com fotos e geolocalização), que podem substituir o contato entre entregadores e recebedores.
Minerbo, da Cosin, explica que a tecnologia ajuda no distanciamento humano, nas operações (passagem de carga de um ponto a outro sem contato humano com uso de empilhadeiras, esteiras, etc.), na comunicação (nos coletores) e em aspectos financeiros (por exemplo, a não troca de dinheiro de mão em mãos).
Porém, no final, alguém vai colocar a mão no produto para abastecer uma gôndola ou fazer uma entrega em casa. “O que eu acho interessante é se em cada caixa entregue em casa viesse um sachezinho de álcool gel, já induzindo a limpeza. Ou no caixa do supermercado, quando perguntam quantas sacolas, perguntassem quantos sachezinhos de álcool gel. Vale lembrar que as roupas também se contaminam, não só os produtos. Importante ter uma visão mais ampla da situação. A tecnologia ajuda, mas não resolve todos os desafios”, acrescenta.
Vantine toca um ponto importante: as entregas são quase 100% efetuadas por empresas de aplicativos, que por sua vez não possuem contrato e nem vínculo de trabalho com os motoboys ou motoristas particulares (quarteirização) e, portanto, acabam não dando atenção a esses profissionais, que ficam expostos aos riscos. “Cabe aos consumidores terem o cuidado conforme as instruções das autoridades.”