Economia Instituto Logweb – O Vampiro de Wall Street

21/06/2018

Gerald Epstein publicou há poucos dias um estudo cuidadoso e interessante sobre o desempenho do sistema financeiro americano, após a febre da desregulamentação. Economista da Universidade de Massachussets, Epstein faz uma avaliação dos benefícios (ou malefícios) sociais e econômicos causados pelas práticas da nova finança.
O estudo começa por estabelecer critérios para a avaliação de um sistema financeiro saudável: 1) está comprometido com o financiamento do investimento produtivo; 2) ajuda as famílias a poupar e canaliza recursos para a educação superior e para as aposentadorias; 3) desenha produtos destinados a reduzir o risco, cria instrumentos para prover liquidez e administra um sistema de pagamentos eficiente; 4) gera inovações para que esses objetivos sejam alcançados com custo razoáveis para empresas e famílias.
Para Epstein, essas funções são cruciais para o funcionamento estável e produtivo das economias de mercado. “Mas, após décadas de desregulamentação, o sistema financeiro americano transformou-se em um setor altamente especulativo que fracassou espetacularmente na consecução de suas tarefas”.
Em seguida, o autor pergunta, de forma um tanto retórica: quanto esse sistema fracassado custou para a economia americana. Qual o preço cobrado às famílias, contribuintes, empresários no exercício dessas questionáveis atividades?
O estudo analisa três componentes desses custos: (1) rentismo e lucros excessivos decorrentes de poder de mercado; (2) má alocação de recursos, fruto da concentração de operações dentro do próprio sistema financeiro; and (3) custo sociais e econômicos produzidos pela crise de 2008.
“Para o período 1990-2023, nossos cálculos estimam em US$ 23 trilhões os custos excessivos impostos à economia americana por um sistema financeiro que, em sua forma atual, é um sorvedouro líquido de recursos.”
Tenho um pé atrás com tais estimativas. Sou obrigado a concordar, porém, com os critérios estabelecidos para a avaliação da funcionalidade ou da “utilidade” de tais sistemas financeiros.
Dizem os entendidos que nos anos 50-70 do século XX, etapa da “repressão financeira”, as políticas monetárias e de crédito eram orientadas no sentido de garantir condições favoráveis ao financiamento do gasto produtivo, público ou privado, e atenuar os efeitos da valorização da riqueza não produtiva sobre as decisões de gasto corrente e de investimento da classe capitalista.
As políticas monetárias associadas à “repressão financeira” dos anos 50 e 70 continuaram a ser executadas na etapa de desregulamentação e, assim, prosseguiram no afã de sustar a recorrência de crises de deflação de ativos e de “desvalorização do capital”. Os mercados passaram a cultivar a percepção de que as perdas seriam limitadas.
As ações de estabilização dos bancos centrais e dos Tesouros construíram as bases para o avanço do processo de financeirização. Os títulos da dívida pública americana, sem risco e de pronta liquidez, permitiram a formação de pirâmides de ativos securitizados e hierarquizados conforme a relação risco/liquidez. As técnicas de alavancagem destinadas a elevar os rendimentos das carteiras de ativos deram força aos episódios de formação de bolhas.
A abertura das contas de capital suscitou a disseminação dos regimes de taxas de câmbio flutuantes que transformaram as moedas nacionais em “ativos”. As flutuações das moedas ensejaram oportunidades de arbitragem e especulação ao capital financeiro internacionalizado e tornaram as políticas monetárias e fiscais domésticas dos ditos emergentes reféns da volatilidade das taxas de juros e das taxas de câmbio.
As grandes instituições construíram uma teia de relações “internacionalizadas” de débito-crédito entre bancos de depósito, bancos de investimento e seus fundos. O avanço dessas inter-relações foi respaldado pela expansão do mercado interbancário global. Os bancos de investimento e os demais bancos sombra aproximaram-se das funções monetárias dos bancos comerciais, abastecendo seus passivos nos “mercados atacadistas de dinheiro” (wholesale money markets), amparados nas aplicações de curto prazo de empresas e famílias.
Não por acaso, nos anos 2000, a dívida entre as instituições financeiras como proporção do PIB americano cresceu mais rapidamente do que o endividamento das famílias e das empresas. O crescimento da dívida intra-financeira às vésperas da crise chegou a 120% do PIB. É “nóis com nóis”, contra o resto.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo – Doutor em economia. Autor de vários livros e professor titular da Unicamp e Facamp

Compartilhe:
615x430 Savoy julho 2025
Veja também em Conteúdo
Pesquisa revela avanço na conscientização dos caminhoneiros e maior identificação de exploração sexual nas estradas
Pesquisa revela avanço na conscientização dos caminhoneiros e maior identificação de exploração sexual nas estradas
Prêmio NTC destaca os melhores fornecedores do transporte rodoviário de cargas do Brasil em 2025
Prêmio NTC destaca os melhores fornecedores do transporte rodoviário de cargas do Brasil em 2025
Grupo Lebes aposta em verticalização e logística avançada para sustentar expansão no Sul do país
Grupo Lebes aposta em verticalização e logística avançada para sustentar expansão no Sul do país
Diagnóstico inédito sobre seguros portuários revela entraves e riscos climáticos em terminais autorizados
Diagnóstico inédito sobre seguros portuários revela entraves e riscos climáticos em terminais autorizados
LTP Capital assume controle da ABC Empilhadeiras e amplia atuação na locação de equipamentos
LTP Capital assume controle da ABC Empilhadeiras e amplia atuação na locação de equipamentos
Fulwood conclui primeira fase de condomínio logístico em Pouso Alegre (MG) 100% locado
Fulwood conclui primeira fase de condomínio logístico em Pouso Alegre (MG) 100% locado

As mais lidas

01

Tendências que vão redefinir a logística em 2026: tecnologia, integração regional, sustentabilidade e novos fluxos globais
Tendências que vão redefinir a logística em 2026: tecnologia, integração regional, sustentabilidade e novos fluxos globais

02

Demanda global por transporte aéreo de carga cresce 2,2% em maio, segundo IATA
Demanda global de carga aérea cresce 4,1% em outubro e marca oito meses de alta

03

Concessões de rodovias em 2026 somam R$ 158 bilhões e ampliam segurança nas estradas, analisa Sinaceg
Concessões de rodovias em 2026 somam R$ 158 bilhões e ampliam segurança nas estradas, analisa Sinaceg