Regulamentação, muitos itens e controle de temperatura fazem parte da complexa logística hospitalar

02/02/2021

Por conta disso, especialização e tecnologia têm sido cada vez mais exigidos dos provedores de serviços logísticos, como softwares dedicados, robotização, automação, processos específicos e customizados.

A logística hospitalar abrange todo o fluxo de materiais, equipamentos e medicamentos utilizados para atendimento aos pacientes em uma instituição de saúde. Neste sentido, o atendimento humanizado e o entendimento dos requisitos destas operações se mostram fundamentais para o sucesso das atividades. Com vidas, não se brinca.
É com essa explicação, de Mauro Henrique Pereira, CEO da BX Log Healthcare, que iniciamos esta matéria sobre um importante segmento de mercado que, diante da realidade em que vivemos, vem exigindo cada vez mais especialização e rapidez nos processos.
A mais recente novidade que envolve o setor é a entrada em vigor, em março deste ano, da RDC Nº 430/2020, da Anvisa, que dispõe sobre as boas práticas de distribuição, armazenagem e transporte de medicamentos. Todos esses processos logísticos devem seguir as temperaturas especificadas no registro sanitário de cada medicamento. “Isso quer dizer que até o remédio que temos em casa para dor de cabeça, por exemplo, terá de ser armazenado e transportado em temperatura ambiente, entre 15°C e 25°C”, explica Renata Faria Maia, farmacêutica responsável técnica da Tora Recintos Alfandegados.
Com isso, as empresas precisam se especializar e ter equipamentos e mão de obra qualificados para trabalhar com esse seu perfil de carga. As câmaras e os caminhões têm de passar por processos de verificação térmica durante as diferentes estações do ano para garantir a temperatura adequada do produto.
Outro ponto importante é com relação ao uso de sistemas passivos, como a caixa térmica, muito utilizada também no transporte de vacinas. Isso exige ainda mais profissionais com qualificação técnica para evitar que a carga sofra com a adversidade de temperatura ambiente.
Segundo Marcia Alvarenga, CEO da Memfs Transportes e Logística, a principal mudança que esta norma traz é a uniformização do armazenamento até o transporte, com a implementação de um sistema de qualidade autônomo e atuante, exigindo maiores controles das atividades e seus pontos sensíveis. “No ramo de transporte, é a principal e a mais completa legislação publicada”, salienta.
As exigências regulamentais deste segmento aumentam ao passo que a indústria intensifica o controle sob a logística de transporte, observa Guilherme Picolli, diretor comercial da CCA Express – Caxias Cargas Aéreas. “Neste sentido, é muito importante que o operador acompanhe as atualizações divulgadas, principalmente pela Anvisa, para estar sempre adequado às necessidades do segmento.”
Outras mudanças no setor, que vêm sendo observadas por Pereira, da BX Log Healthcare, são melhoria tecnológica de embalagens para transporte e equipamentos de controle, bem como maior exigência de qualidade e gestão da informação por parte dos embarcadores, uma vez que a rastreabilidade de todo o processo precisa acontecer em tempo real.
Mayuli Fonseca, diretora de novos negócios da UniHealth, conta que especialização e tecnologia têm sido cada vez mais exigidos dos provedores de serviços: softwares especialistas, robotização, automação, processos específicos e customizados para cada parte da rotina, cada tipo de insumo e cada instituição.
“Fica cada vez mais claro o nível de complexidade da gestão dessa cadeia e as consequências da falta dela, que podem ser internações mais longas, reinternações, sequelas e até a morte”, acrescenta.

Alta exigência
A logística hospitalar tem o objetivo de diminuir o desperdício dentro de hospitais, por meio de aquisições planejadas. A proposta é sempre reduzir custos e ter eficiência na gestão de estoque, justamente para que o hospital siga as boas práticas, com pouco desperdício e custo dentro dos padrões de mercado. É o que diz Ricardo Agostinho Canteras, diretor comercial da Temp Log. “O desafio para conseguir atender esse padrão é tão complexo que os hospitais muitas vezes optam por terceirizar essa operação logística.”
Segundo ele, as peculiaridades principais são a quantidade muito grande de itens a serem controlados dentro do estoque, com um cadastro de produtos extenso, e a seleção enorme de fornecedores. “Além disso, os hospitais têm uma particularidade bastante complexa: eles geralmente compram os produtos em grandes quantidades, em lotes, e precisam fazer a unitarização do medicamento, para que ele seja aplicado no paciente sem que o controle de estoque se perca”, explica.
Esse controle de entradas e saídas do estoque é importante não só para evitar o desperdício, mas também para evitar ruptura quando o paciente estiver precisando de um medicamento ou correlato, como seringas e agulhas, durante um procedimento.
Outro desafio é a necessidade de armazenamento e controle de produtos em diferentes faixas de temperatura. Podem ser secos, de 15°C a 25°C, ou de 15°C a 30°C, refrigerados de 2°C a 8°C ou congelados. E isso demanda estrutura adequada do hospital, além de sistemas e usuários bem capacitados para o armazenamento correto”, expõe Canteras.
Mayuli, da UniHealth, detalha ainda mais, no caso das vacinas. Ela diz que aquelas de conservação de 2°C a 8°C têm grau médio de complexidade e podem ser distribuídas utilizando os canais já existentes para outras vacinas, necessitando de caixas térmicas regulares e controle de temperatura de armazenagem e transporte relativamente comuns, já que nas operações hospitalares há muitos medicamentos nessas condições.
As vacinas com conservação de -20°C têm alto grau de complexidade, demandando caixas específicas, locais de armazenagem com maior controle e transporte em menos tempo para manutenção das temperaturas.
Já as vacinas com conservação de -70°C tem altíssimo grau de complexidade, necessitando de gelo seco, locais de armazenagem altamente controlados e específicos. “Existem pouquíssimas empresas privadas e órgãos públicos prontos para suportar essas cadeias de abastecimento”, observa.
A logística hospitalar precisa suprir a demanda dos clientes com relação a prazo de validade, temperatura e rastreabilidade dos produtos transportados. Além disso, precisa estar alinhada com as exigências da Anvisa e, em alguns casos, com o controle de produtos transportados pelo Exército Brasileiro e Polícia Civil. “Ou seja, exige elevados níveis de performance operacional e controle de processos”, salienta Picolli, da CCA Express.
A logística necessita ser expressa, pois muitos hospitais não possuem espaço para armazenagem, ou seja, os produtos devem ser recebidos diariamente. “A ruptura pode gerar um grande transtorno”, lembra Marcia, da Memfs.
É fundamental garantir que não haja excursão de temperatura durante o percurso e a armazenagem da carga, bem como fazer o controle adequado de monitoramento das temperaturas, e, claro, ter licenças atualizadas e área preparada para armazenagem com validação da Anvisa. “Podemos dizer, ainda, que para atender a este perfil de carga, é importante se comprometer com os prazos de entregas e atendimentos emergenciais”, acrescenta Michele Monteiro, gerente comercial da Multilog.
Antes de mais nada, é preciso respeitar o fato de que um atraso ou erro pode representar a vida de uma pessoa. Por isso, é essencial manter a rastreabilidade de toda a operação logística, sendo possível identificar não só o posicionamento do veículo, o local exato de armazenamento de um produto dentro do armazém, como também as condições de temperatura nos locais por onde esse produto passou. “É imprescindível ter, de forma clara e inequívoca, todas as informações sobre todos os produtos. A preocupação com a limpeza deve ser constante: controles que mantenham as áreas sem pragas são essenciais. E a organização do ambiente mantendo fluxos definidos é fundamental”, complementa Adriana Oliveira, diretora de qualidade da RV Ímola Transportes e Logística.
Para Tiago Oliveira, gerente comercial da Gobor Transportes & Logística, a ação de melhorar um processo na logística é uma forma de manter a atividade hospitalar. O mapeamento de processos abrange desde o planejamento de compras, controle de validade, até a entrega ao paciente, tendo como objetivo a redução de custos e desperdícios, assim como a otimização de prazos de entrega. “É necessário profissionais capacitados e com visão ampla, que se adaptem facilmente a novas culturas e assegurem as condições adequadas em toda a cadeia logística de produtos, desde a produção até o consumo final. O farmacêutico estabelece rotinas e instruções, otimizando, assim, as operações. O fluxo organizado conforme as boas práticas minimiza falhas e evita prejuízos, como avarias.”

Pandemia
Nestes tempos de pandemia, Mayuli, da UniHealth, diz que o papel da logística hospitalar é certificar que os hospitais sejam abastecidos com os produtos necessários ao tratamento da doença e que a cadeia de abastecimento esteja preparada para manter estoques maiores. Ao mesmo tempo, é preciso contar com maior agilidade nos processos para suportar os picos e baixas que vêm acontecendo durante todo o ciclo da pandemia, mantendo os hospitais operacionais e preservando a saúde financeira das instituições.
Um dos importantes papéis da logística neste segmento é fazer com que os insumos cheguem com qualidade e rapidez ao paciente, considerando um cenário com matérias primas que estão escassas. Falando especificamente sobre a cadeia do frio, Renata, da Tora, diz que existe a possibilidade de fazer essa logística multimodal; então, é fundamental ter um plano muito robusto e preparado para o enfrentamento a alguma questão no percurso, com um bom gerenciamento dos riscos dessa carga.
“Com relação à Covid-19, temos hoje no Brasil um plano funcional de imunização e que já é consolidado para esse tipo de produto, que são as cargas frias. Dessa forma, temos de trabalhar para manter essa logística, que é pré-existente. Nós, como prestadores de serviços, na medida em que a demanda aumenta, temos de estar preparados no mesmo nível para manter essa cadeia com qualidade”, expõe.
A logística hospitalar tem papel vital durante uma pandemia, pois há um número muito grande de procedimentos sendo realizados ao mesmo tempo, o que consequentemente faz com que o estoque “gire” mais rápido. “Isso demanda a correta execução de controles de entrada, saída e movimentação interna de produtos, para evitar a ruptura em um momento de necessidade”, explica Canteras, da Temp Log.
Durante uma pandemia, a palavra “urgente” assume seu mais real significado, mas essa urgência precisa vir acompanhada de segurança, lembra Adriana, da RV Ímola. “O papel da logística é exatamente esse: utilizar toda tecnologia e conhecimento disponíveis para rastrear os processos e eleger as melhores rotas, diminuindo assim os tempos de transporte e entregar os produtos da forma mais rápida e com a qualidade necessária.”

Vacinas
A logística para a entrega das vacinas envolve grandes desafios. Segundo Picolli, da CCA Express, os maiores são a agilidade das distribuições, a abrangência de atendimento nacional e, principalmente, e gestão da refrigeração. “Há diferentes necessidades dos laboratórios com relação a este último ponto, por isso, cada vacina precisará de atendimento específico.”
De fato, são necessários um sistema de refrigeração, para atender a legislação vigente, e a utilização de elementos refrigerantes, como embalagens térmicas, com alto índice de confiabilidade, acrescenta Oliveira, da Gobor.
Para Marcia, da Memfs, a logística de termolábeis sempre foi um desafio, especialmente em áreas mais distantes e carentes de infraestrutura. “No Brasil ainda dependemos muito do transporte rodoviário, o que requer acompanhamento rigoroso, além de equipamentos adequados, como embalagens qualificadas e preferencialmente com indicadores de temperatura”, comenta.
Segundo ela, o monitoramento desses produtos deve acontecer exclusivamente por profissionais treinados, adequados e com ciência do tamanho dessa responsabilidade, para que sejam respeitadas todas as particularidades de temperaturas máxima e mínima dos produtos.
Michele, da Multilog, lembra que as vacinas podem vir com diferentes requisitos de temperaturas para transportar e armazenar. Essas temperaturas podem ficar entre 2°C e -8°C, mas podem chegar a -80°C, que envolve processos muito mais complexos.
“Os laboratórios gastam um tempo considerável para validar a rota da cadeia fria e assim garantir a estabilidade das vacinas. No entanto, quando falamos em temperaturas negativas, o desafio é ainda maior. Em caso de excursão de temperatura, todo o lote poderá ser condenado”, ressalta.
Além disso, por se tratar de medicamentos com alto valor agregado, o custo da logística hospitalar será ainda mais alto, por isso é fundamental que os importadores busquem Operadores Logísticos capazes de fornecer soluções mais adequadas, eficientes e com o melhor custo-benefício.
O Brasil tem um dos mais complexos sistemas de vacinação do mundo, segundo Adriana, da RV Ímola. “O erro mais comum e perigoso é não dar a devida importância ao tema e acreditar que pode ser feito de qualquer forma, que basta colocar gelo dentro de uma caixa ou acoplar um equipamento de refrigeração a um caminhão e pronto. Não é bem assim”, explica.
A diretora de qualidade diz que são necessários cálculos específicos e testes com os veículos e com as caixas, para garantir que a temperatura seja homogênea dentro deles durante todo o percurso. “Esses testes devem reproduzir as condições extremas às quais o veículo ou a caixa serão expostos e, ainda assim, é necessário ter planos de contingenciamento que indiquem o que deve ser feito, caso algo dê errado.”
Vai ser um desafio, mas um desafio que o Brasil já enfrenta todos os anos, observa Canteras, da Temp Log. Há a questão da escala de aplicação e na urgência, mas o país já aplica, anualmente, mais de 350 milhões de doses de vacinas pelo PNI.
Com relação ao controle da temperatura, ele destaca que é preciso fazer um mapeamento de rotas térmicas, que, sempre levando em consideração o pior cenário possível, determinam quanto tempo o caminhão leva para chegar em cada local e qual a melhor forma de armazenar a vacina, para que ela suporte o trajeto sem ser danificada pela variação de temperatura.
O sucesso deste tipo de operação depende de infraestrutura adequada, frota especializada, equipamentos calibrados, equipe altamente treinada, processos de qualidade muito bem estabelecidos e, sobretudo, uma forte atitude proativa de todos os envolvidos na operação, complementa Pereira, da BX Log Healthcare.
Mayuli, da UniHealth, lembra que atualmente estamos enfrentando um erro muito comum de planejamento, que é a potencial falta de insumos para a administração das vacinas à população. É importante pensar na cadeia de abastecimento como um todo, desde o planejamento de todos os insumos necessários para a realização dos procedimentos de vacinação, passando pelos processos de aquisição, recebimento e controle dos produtos até a entrega e o registro de sua administração nos pacientes.
Segundo ela, pensar na cadeia de abastecimento em partes abre margem para inúmeros erros, que culminarão na incapacidade de levar a cabo a inoculação da população.
“Os custos envolvidos também serão reflexo do bom planejamento da cadeia de abastecimento. Quanto melhor planejado e mais consolidado for cada parte do processo, menor será o custo. Por exemplo, se as vacinas estiverem disponíveis para serem distribuídas juntamente com os insumos necessários para sua aplicação, poderão ser realizadas consolidações de carga que reduzem significativamente os custos logísticos envolvidos na vacinação da população”, expõe.
Renata, da Tora, também fala dos custos. “Transportamos, às vezes, mais de 2 milhões de doses. Então, o custo de uma perda de cargas como essa é proporcional ao valor da própria carga. Os custos passam a ser elevados em função do seguro da carga”, conta.
Além disso, há o investimento para manter a infraestrutura de câmaras qualificadas, as equipes treinadas e um responsável técnico com a capacitação técnica para trabalhar com esse perfil de produto.
Os veículos têm de ter monitoramento em tempo real, e a temperatura interna deve ser verificada a todo instante. No caso de qualquer problema, é necessário entrar com um plano de contingência.
“O valor não é só financeiro, ele perpassa muito mais do que isso, ainda mais se considerarmos a vacina. Isso engloba condução segura do motorista, manuseio de armazém seguro, procedimentos que estão contemplados nas empresas especializadas nesse processo”, finaliza a farmacêutica.

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