A integração com a União Europeia exigirá mais dos portos, modais e operadores logísticos brasileiros. Se, por um lado, o acordo amplia as oportunidades, por outro, demanda modernização e preparo para novas exigências comerciais.
O aguardado acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul promete transformar o cenário logístico brasileiro. Com a redução de barreiras tarifárias e o aumento no fluxo de mercadorias, empresas que atuam no setor já se preparam para os desafios e as oportunidades que essa integração trará ao transporte, armazenagem e infraestrutura no país.

Impactos logísticos
Por exemplo, quais são os principais impactos logísticos esperados para o Brasil com a ratificação do acordo?
Para André Moura, CEO na A2W Tecnologia e Inovações, ele deve impulsionar significativamente o comércio, com aumento nas exportações de produtos agroindustriais – como soja, café, cana e carne, por exemplo –, além de produtos manufaturados. “Isso exigirá maior eficiência de portos e centros logísticos, além de uma logística mais ágil e integrada entre rodovias, ferrovias e terminais portuários.”
A digitalização será indispensável, ainda segundo Moura, com adoção de sistemas de rastreamento mais robustos e padrões europeus de qualidade para garantir maior competitividade no mercado internacional.
“O acordo deve impulsionar o comércio exterior brasileiro em mais de R$ 90 bilhões até 2044, aumentando significativamente a movimentação de cargas. Como o Brasil depende majoritariamente do transporte rodoviário – cerca de 65% da matriz logística –, haverá maior pressão sobre as estradas, especialmente nos corredores de exportação. Isso exigirá mais eficiência, segurança e integração com outros modais como ferrovias e portos para garantir prazos e reduzir custos logísticos”, acredita Danilo Guedes, presidente da ABC Cargas.
Também para Demetrius Pereira, professor do curso de Relações Internacionais da ESPM, o acordo, se implementado, tem o potencial de aumentar o comércio transatlântico, incentivando investimentos em logística no Brasil, principal economia do Mercosul. O volume de exportações provenientes da América do Sul deve ser composto principalmente por produtos agrícolas, enquanto a Europa tende a nos remeter mercadorias industrializadas. Além disso, o comércio entre os membros do Mercosul e de toda região pode ser incentivado, impactando em toda a infraestrutura da América do Sul. “O transporte por meio de portos, aeroportos, estradas, ferrovias e hidrovias tende a melhorar, assim como aspectos que retardam o comércio, como a burocracia, que pode ser contornada por meio da digitalização.”
Sophia Utnick Brennan, empresária brasileira conhecida nos Estados Unidos por seus empreendimentos, também prevê que, com o acordo, o Brasil deve aumentar suas exportações para a Europa, o que vai exigir melhorias na logística, como mais agilidade nos portos, estradas e Centros de Distribuição. Mas também vai ser fundamental que a logística brasileira seja mais eficiente para lidar com um maior volume de mercadorias com padrões internacionais de qualidade.
Fluxos de importação e exportação
Como pode ser notado, existe uma expectativa de que o acordo de livre comércio gere um aumento no fluxo de comércio entre o Mercosul e a União Europeia, com maior venda de commodities para os europeus e de produtos industrializados para os latino-americanos. Mas, no caso do Brasil, também pode haver ganhos em setores como autopeças, têxteis e calçados, além de a competição com indústrias europeias forçar a adoção de novas tecnologias e padrões mais elevados de qualidade, diz Emanuel Pessoa, advogado especializado em Direito Empresarial, referindo-se a como o acordo pode influenciar os fluxos de importação e exportação entre o Brasil e os países europeus.
No tocante a produtos com insumos regionais, prossegue o advogado, eles poderão ser exportados como se fossem nacionais, o que pode permitir ao Brasil se beneficiar de um eventual near-shoring.
“Contudo, pela demora no fechamento do acordo, o impacto deverá ser bem menor do que o que havia sido projetado no início das discussões, na casa de 15 bilhões de euros em uma década.”
Wilson Bicalho, sócio da Bicalho Consultoria Legal, também ressalta que logo que as leis estiverem devidamente vigentes, o que se antevê é um aumento expressivo no fluxo migratório e comercial. O Brasil, por si só, já é um país extremamente atrativo para os mercados europeus. “E aqui não falamos apenas do Brasil em si, mas do bloco como um todo – o Mercosul.” O Brasil tende a consolidar-se como uma verdadeira porta de entrada para os produtos e serviços dos demais países do bloco, sobretudo pela sua proximidade estratégica com o continente europeu.
“Daqui, de Portugal, a percepção é clara: a Europa olha para o Brasil com muito interesse. Há setores inteiros no mercado brasileiro que sonham há décadas com a possibilidade de exportar para o velho continente, mas que esbarravam na burocracia alfandegária, em normas excessivas e entraves legais. Agora, com a perspectiva de facilitação não só dos fluxos de mercadorias, mas também dos próprios fluxos migratórios e profissionais, há um entusiasmo renovado”, diz Wilson.
“O que temos visto – continua ele – é que as pré-negociações estão em andamento. Escritórios, tanto na Europa quanto no Brasil, começam a preparar-se, a profissionalizar-se ainda mais para este novo momento. E isso vai além do comércio: é uma mudança de mentalidade e de estrutura. A expectativa concreta é que haja um crescimento notável no volume de mercadorias entre os dois blocos, o que vai impactar fortemente a logística, os portos e toda a cadeia envolvida no comércio internacional.”
Já na ótica de Adriano Birle, economista da GEP Brasil, o acordo deve gerar redução de preços de produtos brasileiros na Europa, resultando em um ganho de competitividade para o setor exportador do país. “Em nossa pauta de exportação para a União Europeia predominam produtos de baixo valor agregado, principalmente agrícolas e minerais.”
Como o agronegócio brasileiro tem, de forma geral, custos de produção mais baixos do que o europeu, e os fluxos comerciais existentes já são significativos, ele deverá ser o setor mais beneficiado pela redução de alíquotas de importação pela UE. A produção brasileira de carne bovina, suína e de frango, por exemplo, terá acesso ampliado ao mercado europeu, e há expectativa de aumento significativo nos embarques. Isso deve estimular a cadeia logística em regiões agroexportadoras, principalmente o Sul e o Centro-Oeste, acredita Birle.
O impacto sobre o crescimento do PIB e sobre a produção deve se dar principalmente no médio e no longo prazo. Dessa forma, não necessariamente ocorrerá um choque de demanda de curto prazo vindo das exportações. A cadeia logística deve ter tempo para se adaptar.
Já do lado das importações, pode haver alguns deslocamentos mais imediatos de demanda, com produtos europeus ganhando competitividade e market share frente a produtos asiáticos e norte-americanos. Por exemplo, há potencial de aumento de importação de automóveis europeus, e parte disso deve se dar às custas de uma redução das importações de veículos chineses, que lideraram o crescimento das importações em 2024. Também se espera o barateamento de maquinário e bens de capital europeus no Brasil, com aumento nos fluxos de importação desses itens de alto valor agregado.
“No caso da importação de produtos agrícolas, não esperamos que os volumes sejam tão significativos, exceto para produtos específicos como azeite de oliva, vinhos, tomates e queijos de valor mais elevado”, conclui o economista da GEP Brasil.
Para o professor Daniel Mota, da Fundação Vanzolini e do CILIP-USP – Centro de Inovação em Logística e Infraestrutura Portuária, a assinatura do Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia representa um marco significativo no aprofundamento das relações comerciais. Reduzindo progressivamente as tarifas e barreiras não tarifárias busca-se aumentar os fluxos comerciais bilaterais. No caso brasileiro, setores como o agronegócio, a indústria de base florestal, a mineração e a siderurgia estão entre os principais beneficiários com as exportações. Produtos como carne bovina, frango, açúcar, café e celulose aumentam a participação no mercado europeu, tradicionalmente protegido por subsídios e cotas tarifárias.
Por outro lado, o Brasil deverá observar um aumento nas importações de bens de capital, fármacos, automóveis e insumos industriais oriundos da União Europeia, dada a eliminação de tarifas e a maior integração das cadeias produtivas. Ou seja, produtos de maior valor agregado.
“Sendo otimista, isso pode favorecer a modernização tecnológica de segmentos da indústria nacional, mas infelizmente o que se observa historicamente é o desequilíbrio da balança comercial (alto volume de produto base exportando e alto valor de produto acabado importando). Dessa forma, o acordo pode reconfigurar os fluxos comerciais e fortalecer a interdependência econômica entre os blocos. É uma tentativa”, completa Mota.
Mudanças na infraestrutura
Pelo que se espera dos resultados desta acordo, fica claro que algumas mudanças deverão ser feitas na infraestrutura logística nacional para atender às novas exigências comerciais. “Será necessário priorizar algumas frentes conhecidas, como a modernização de portos, além de aprimorar a malha rodoviária e reduzir a dependência excessiva do transporte rodoviário. A integração intermodal (como conexões entre ferrovias e portos) ganhará ainda mais relevância, enquanto armazéns e terminais precisarão operar com maior agilidade e compliance com normas ambientais e sanitárias da UE. A infraestrutura deverá ser mais eficiente e alinhada aos padrões internacionais para suportar o aumento do fluxo comercial”, relaciona Moura, da A2W Tecnologia e Inovações.
Guedes, da ABC Cargas, por sua vez, acredita que será necessário investir fortemente na recuperação e duplicação de rodovias estratégicas como BR-163, BR-101 e BR-116, além de modernizar portos como Santos, Suape e Aratu. Ferrovias como a FIOL e a Transnordestina também precisam ser concluídas para aliviar o tráfego rodoviário. O transporte rodoviário continuará sendo protagonista, mas com maior exigência por pontualidade, rastreabilidade e integração com ferrovias e portos.
“Espera-se que sejam direcionados investimentos para melhoria da infraestrutura, especialmente portuária, como do Porto de Santos, aumentando sua capacidade e agilidade. Essa área de transportes deve ser a mais afetada, também contando com a construção de estradas. O chamado ‘Custo Brasil’, geralmente associado aos gargalos competitivos brasileiros, deve diminuir. O custo do investimento inicial pode ser compensado pela redução das tarifas para importações e exportações e consequente aumento do comércio”, alega Pereira, da ESPM.
Além de precisar investir em infraestrutura, Sophia também aponta que será necessário o uso da tecnologia para rastrear cargas, agilizar aduanas e garantir maior transparência em todos esses processos.

Setor portuário
No que diz respeito ao setor portuário brasileiro, a realidade atual ainda esbarra, infelizmente, em pontos críticos, como a burocracia excessiva e a morosidade nos processos operacionais. “Contudo – diz Wilson, da Bicalho Consultoria Legal –, é inegável que temos observado uma evolução gradual. Os portos vêm passando por processos de modernização nos últimos anos, ainda que de forma desigual entre as regiões.”
O Nordeste brasileiro, pela sua localização geográfica privilegiada e pela proximidade com o continente europeu, surge como uma região de imenso potencial. Pode, inclusive, tornar-se uma verdadeira porta de entrada e saída para o fluxo de mercadorias entre os blocos. Mas, para que esse potencial se concretize, é necessário investimento consistente e políticas públicas que incentivem a competitividade e a eficiência logística.
Enquanto isso, do lado europeu, o movimento é claramente mais estruturado. Portos como o de Roterdã, na Holanda, têm recebido investimentos significativos, muitos deles provenientes de fundos europeus de fomento. Estes portos estão a tornar-se cada vez mais autônomos, tecnologicamente integrados e prontos para o aumento do fluxo que se prevê com o acordo UE-Mercosul.
“A mensagem que fica para o Brasil é clara: é preciso acompanhar esse ritmo. O setor logístico nacional, especialmente o portuário, precisa investir de forma decisiva em tecnologia, automatização e desburocratização. Só assim será possível garantir uma cadeia logística eficiente, capaz de responder à nova dinâmica de comércio internacional que se avizinha.
O ganho não será apenas estrutural, mas também estratégico: empresas de logística poderão aumentar significativamente a sua produtividade e competitividade num mercado cada vez mais globalizado”, preconiza o sócio da Bicalho Consultoria Legal.
Na mesma linha de pensamento segue o professor Mota, da Fundação Vanzolini e do CILIP-USP: embora o setor portuário brasileiro venha passando por avanços institucionais e investimentos privados significativos, persistem desafios estruturais que podem comprometer sua plena capacidade de resposta frente a um eventual aumento no volume de cargas com origem ou destino na Europa. A modernização dos terminais portuários, por meio de concessões e parcerias público-privadas, bem como os investimentos em dragagem e automação têm contribuído para ganhos de eficiência operacional em portos como Santos, Paranaguá, Suape e Itaguaí.
Entretanto, diz Mota, a infraestrutura de acesso terrestre, em especial as redes rodoviária e ferroviária, ainda apresenta limitações severas, especialmente no que se refere à conectividade multimodal e à fluidez logística. Além disso, os trâmites aduaneiros lentos e a carência de sistemas integrados constituem entraves à competitividade logística nacional. Assim, a ampliação da capacidade portuária deveria ser acompanhada por uma agenda coordenada de investimentos e reformas regulatórias que assegurem a sustentabilidade do crescimento do comércio exterior.
Também avaliando se o setor portuário brasileiro está preparado para um possível aumento no volume de cargas com destino ou origem na Europa, o advogado Pessoa diz que, de forma geral, o setor portuário no Brasil enfrenta os mesmos desafios logísticos que os demais modais, como baixos investimentos, necessidade de modernização, de maior integração com outros modais e de expansão da capacidade de transporte.
Por esse motivo, são comuns, em momentos de pico no comércio exterior, que nossos portos sejam bem mais lentos que os seus equivalentes no exterior, notadamente nos Estados Unidos e na China, inclusive com congestionamentos que se somam à demora na liberação de mercadorias na alfândega.
A falta de dragagem adequada na maioria dos portos impede o atracamento dos Super e Post Panamax, diminuindo a quantidade de carga que pode ser transportada de uma vez, o que também se traduz em custos mais elevados do que o que seria possível.
“Assim, ainda que o aumento no volume de cargas vindo ou indo para a Europa não vá ser tão grande quando o desejado, ele deverá contribuir para agravar ainda mais os problemas de logística do Brasil, evidenciando as nossas deficiências no setor”, diz Pessoa.
Com uma outra visão, Birle, da GEP Brasil, acredita que boa parte do aumento de volume de importados europeus deve, na verdade, substituir importações vindas de outras regiões, então o impacto sobre volume total importado pode ser diluído. Do lado das exportações, o estímulo deve ser maior. É esperado que o acordo gere um impulso moderado no volume total de importações e exportações do Brasil, principalmente no longo prazo.
Esse cenário de aumento de volumes de importação e exportação, no entanto, já é, há alguns anos, uma realidade para o setor logístico, mesmo sem a ratificação do acordo. “Entre 2019 e 2024, tivemos um aumento de quase 20% nos volumes de comércio exterior brasileiro (considerando importações e exportações). Se olharmos para o período anterior, de 2014 a 2019, o aumento foi bem menor, da ordem de 12%.”
Essa forte aceleração do crescimento dos volumes nos últimos anos já vem pressionando a cadeia logística, tanto o setor portuário quanto os demais modais, reflete Birle. “Quando olhamos para a movimentação de contêineres no porto de Santos, por exemplo, tivemos, só em 2024, um salto de 19%, o que se traduz em maiores filas e atrasos. Dados da SSE (Shanghai Shipping Exchange) apontam que, no caso de embarcações chinesas, houve aumento de 23% no tempo de espera no principal porto brasileiro em dez/2024, se comparado ao mesmo mês de 2023.”
Apesar dos desafios, já há movimentações importantes no sentido de dinamizar o setor portuário brasileiro, com grande quantidade de leilões de portos públicos planejada até o ano que vem. “Apesar de o acordo UE-Mercosul poder, sim, contribuir para a manutenção de um ritmo elevado de crescimento das importações e exportações, não esperamos uma mudança abrupta de tendência. O ritmo de crescimento que vimos nos últimos anos é bastante elevado, e dificilmente haveria espaço para uma grande aceleração”, declara o economista da GEP Brasil.
Exigências de rastreabilidade
Uma das exigências do acordo é a rastreabilidade, especialmente em relação a questões ambientais. A União Europeia tende a ter um padrão de sustentabilidade muito mais alto do que o Brasil, o que vem sendo apontado como um problema para os exportadores brasileiros. “Tais certificações podem aumentar o custo inicial para os empresários brasileiros, porém podem ser compensados com os ganhos do acordo”, diz Pereira, da ESPM.
Quando a pergunta é se haverá impacto nas exigências de rastreabilidade, sustentabilidade e certificações logísticas para produtos brasileiros exportados, os nossos entrevistados tendem a responder claramente que sim.
“E de forma expressiva. A Europa exige rigor em rastreabilidade, sustentabilidade e conformidade socioambiental. Os produtores precisarão adotar tecnologias como blockchain e IoT para garantir transparência na cadeia produtiva, além de obter certificações como ISO 14001, FSC e RTRS, por exemplo. As empresas que melhor se adaptarem a esses requisitos terão vantagens competitivas, enquanto as que negligenciarem as normas poderão enfrentar barreiras adicionais para acessar o mercado europeu”, prevê Moura, da A2W Tecnologia e Inovações.
Com certeza, a União Europeia exigirá comprovação de origem, práticas sustentáveis e controle ambiental mais rigoroso, também lembra Guedes, da ABC Cargas. Isso impactará diretamente o transporte rodoviário, que precisará incorporar tecnologias de rastreamento, controle de emissões e adesão a certificações logísticas. Empresas que operam no transporte de cargas precisarão se adequar rapidamente a essas novas exigências para não perderem competitividade no mercado externo
“Esse vai ser um ponto-chave, pois o mercado europeu tem exigências rígidas de rastreabilidade e sustentabilidade, ou seja, os produtos brasileiros vão precisar ter certificações que comprovem origem, responsabilidade ambiental e boas práticas de produção. Essa mudança é positiva, pois vai valorizar os produtos brasileiros no exterior”, completa Sophia.
Corredores logísticos e modais alternativos
Sim também é a resposta padrão dos entrevistados à pergunta sobre se o acordo pode acelerar investimentos em corredores logísticos e modais alternativos, como ferrovias e hidrovias.
“O acordo tende a estimular investimentos nos modais ferrovias e hidrovias, por exemplo, pois estes oferecem custo-benefício e menor impacto ambiental, critérios muito valorizados pela UE. Corredores estratégicos, como o Arco Norte e rotas que ligam o Centro-Oeste a portos, precisam receber mais atenção. Parcerias público-privadas (PPPs) e concessões podem ser alguns dos bons caminhos para facilitar a expansão desses projetos”, relaciona Moura, da A2W Tecnologia e Inovações.
Guedes, da ABC Cargas, aponta que a tendência é de mais investimentos em corredores logísticos multimodais, especialmente em ferrovias, para complementar o transporte rodoviário e reduzir custos com longas distâncias. Hidrovias também devem ganhar relevância como solução sustentável em algumas regiões. “Mas, dado o peso do modal rodoviário no Brasil, a prioridade será qualificar as rodovias e torná-las mais conectadas a esses modais alternativos.”
Na verdade, o Brasil investe relativamente pouco em modais alternativos, como ferrovias, diferentemente dos europeus. Dessa maneira, diz o professor da ESPM, existe uma necessidade represada que pode ser suprida com a implementação do acordo, diante do aumento do comércio. Hidrovias também fazem parte da solução, uma vez que o país possui rios navegáveis que conectam grande parte do território e também com outros países. Além disso, novos corredores logísticos podem ser criados, além do aprimoramento dos já existentes, com uma integração maior em toda a América do Sul. “A União Europeia pretende ajudar nos investimentos, com programas como o Global Gateway, que apoia países da África, Ásia, América Latina e Caribe em questões como infraestrutura”, completa Pereira.
E Sophia completa, também apontando que o Brasil tende a buscar alternativas às rodovias, como ferrovias e hidrovias, que são mais sustentáveis e econômicos para longas distâncias, mas deve ser um processo lento de implantação, esperado para o longo prazo.
Descentralização dos polos logísticos
O Acordo Mercosul-União Europeia traz consigo uma oportunidade estratégica de descentralização dos polos logísticos no Brasil, beneficiando regiões hoje menos integradas ao comércio exterior, algo que é não só possível como desejável. “Quando pensamos na dinâmica do comércio exterior atual, percebemos que o modelo concentrado em poucos portos e centros logísticos já demonstra sinais de saturação, especialmente no que diz respeito ao custo e ao tempo envolvidos no transporte interno de mercadorias.”
A lógica é simples e poderosa, completa Wilson, da Bicalho Consultoria Legal: desembarcar a mercadoria mais próxima do seu destino final representa uma economia direta – reduz pressão sobre a malha viária, minimiza os tempos de trânsito e, por consequência, corta custos operacionais. “Mas vai além da logística: trata-se de fomentar o desenvolvimento econômico regional e de integrar áreas hoje menos conectadas com o comércio internacional.”
O mesmo raciocínio se aplica ao escoamento de produtos regionais, com destaque especial para os bens perecíveis – frutas, por exemplo, cuja logística exige não apenas velocidade, mas também precisão. A descentralização permitiria que produtos saíssem diretamente das regiões produtoras para o exterior, assegurando melhor qualidade, menos perdas e maior competitividade internacional.
“Mas nada disso acontece de forma espontânea. É essencial que os governos atuem de forma proativa, preparando a infraestrutura e os marcos regulatórios. Porque este é o ponto: não é mais uma questão de ‘se’ o fluxo vai crescer – é uma questão de ‘quando’. E quanto mais cedo começarmos a nos estruturar, mais bem-posicionados estaremos para tirar proveito desse novo cenário”, diz o sócio da Bicalho Consultoria Legal.
Também para o professor Mota, da Fundação Vanzolini e do CILIP-USP, o Acordo Mercosul-União Europeia poderá desempenhar um papel relevante na descentralização dos polos logísticos e produtivos no território brasileiro, especialmente se articulado a políticas públicas voltadas à redução das diferenças entre os estados. A intensificação das exportações de produtos primários e semiacabados pode impulsionar regiões atualmente menos integradas ao comércio internacional, como o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste.
A emergência de novos corredores logísticos, a exemplo da chamada “rota Norte” (via portos de Miritituba, Santarém e Itaqui), e o fortalecimento da infraestrutura ferroviária (como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste e a Ferrogrão) podem contribuir para o aumento da competitividade dessas regiões. Também, a ampliação das cadeias produtivas exportadoras pode estimular a interiorização da produção e a desconcentração dos benefícios econômicos historicamente centrados nas regiões Sudeste e Sul.
Já Pessoa lembra que, como poderá haver facilitação da diversificação da exportação de produtos brasileiros, é provável que haja demanda por novos corredores logísticos, inclusive com estímulos ao funcionamento das ZPEs já instaladas, e que hoje são subaproveitadas.
Indo em caminho contrário, Birle, da GEP Brasil, enfatiza que o acordo não necessariamente terá esse efeito de contribuir para a descentralização dos polos logísticos, beneficiando regiões hoje menos integradas ao comércio exterior. O estímulo econômico gerado pelo acordo tende a ser mais intenso justamente em regiões que já são grandes exportadoras. O crescimento do setor exportador em outras regiões dependerá principalmente de investimentos em infraestrutura rodoviária e portuária e da disponibilidade de mão de obra qualificada.
“Por outro lado, vemos a reforma tributária como um fator que pode contribuir para essa descentralização. O fim da cobrança de tributos no local onde está a produção, com cobrança agora ocorrendo no local do consumo, reduzirá a efetividade de incentivos estaduais à cadeia logística por meio de créditos de ICMS. Assim, as decisões sobre a localização de centros logísticos tendem a se tornar mais eficientes”, completa o economista da GEP Brasil.
Empresas de logística e transporte
Para concluir esta matéria especial, fica a pergunta: Como as empresas brasileiras de logística e transporte estão se preparando para as oportunidades e desafios do acordo?
Wilson, da Bicalho Consultoria Legal, diz que, percebendo o potencial transformador do Acordo Mercosul-União Europeia, elas têm começado a agir de forma mais estratégica. Já não se trata apenas de se adaptar, mas de se antecipar a um novo cenário de fluxo comercial entre os dois blocos, que promete ser mais intenso, mais exigente e também mais promissor.
O primeiro grande movimento observado é no investimento em tecnologia e digitalização. Ferramentas de rastreamento em tempo real, automação de processos aduaneiros, gestão integrada de frotas e uso de inteligência artificial começam a ser incorporadas às operações. Não se trata apenas de modernização, mas de competitividade: o mercado europeu impõe padrões de qualidade e eficiência que exigem respostas rápidas e inteligentes.
Outro ponto sensível, ainda segundo o sócio da Bicalho Consultoria Legal, tem sido a sustentabilidade. Há um esforço claro para alinhar-se às exigências ambientais da União Europeia, com foco na descarbonização dos transportes, uso de modais mais sustentáveis e melhoria da pegada ecológica das operações logísticas. Empresas que pretendem atuar de forma relevante nesse novo cenário precisam provar que estão comprometidas com práticas ESG.
Também é notório o fortalecimento de parcerias estratégicas e expansão de infraestruturas logísticas, inclusive no modal aéreo, como temos visto em casos de companhias que começam a posicionar-se com rotas mais eficientes e integração com os principais hubs logísticos nacionais.
“E, seguindo o que já abordamos, há um movimento crescente de descentralização dos polos logísticos. Regiões como o Nordeste, pelo seu posicionamento geográfico privilegiado, têm sido olhadas com mais atenção. Com investimentos adequados, poderão tornar-se pontos logísticos vitais, tanto para a exportação quanto para a recepção de mercadorias europeias. Portanto, o setor logístico brasileiro está em processo de transformação. Não é um cenário sem desafios – há muito a melhorar, especialmente em burocracia e infraestrutura portuária. Mas o caminho já começou a ser trilhado, e quem souber se antecipar e se posicionar bem, certamente colherá bons frutos quando esse fluxo comercial começar a operar em velocidade de cruzeiro”, completa Wilson.
Também para o advogado especializado em Direito Empresarial, as empresas brasileiras de logística e transporte vêm se movimentando de forma concreta para atender às exigências e aproveitar as oportunidades do Acordo Mercosul-União Europeia. “Na prática, grandes Operadores Logísticos, como Rumo, VLI e Hidrovias do Brasil, e armadores ligados aos portos de Santos, Paranaguá e Itajaí estão investindo na expansão de terminais intermodais, modernização de sistemas de rastreamento e digitalização completa de processos aduaneiros para ganhar eficiência e previsibilidade nas operações.”
Além disso – continua Pessoa –, empresas como a JSL e a Tegma têm reforçado suas malhas rodoviárias com frotas mais sustentáveis e capacitado motoristas e Operadores Logísticos para lidar com as exigências regulatórias e ambientais europeias, como as certificações ISO, padrões ESG e rastreabilidade de produtos. Portos como o de Suape e o de Pecém, com vocação exportadora, firmaram acordos de cooperação internacional e estão ampliando sua infraestrutura de armazenagem e transbordo para atender à demanda prevista. Há também uma movimentação coordenada com operadores europeus, seja por meio de joint ventures, seja via acordos logísticos, para garantir acesso facilitado às plataformas logísticas do continente.
“Em paralelo, associações como a ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos e a ABTRA – Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados estão pressionando por maior integração modal e mais agilidade na liberação alfandegária, diante do aumento previsto de fluxo comercial. Ou seja, o setor logístico brasileiro está, sim, tentando se adaptar antecipadamente, mas não apenas em função do acordo da União Europeia, mas também do crescimento do comércio exterior brasileiro.”
O professor Mota, da Fundação Vanzolini e do CILIP-USP, aponta que as empresas brasileiras de logística e transporte têm se mobilizado, de maneira geral, cada uma ao seu modo, para se adequar às novas oportunidades e desafios decorrentes do acordo. Organizações de grande porte vêm investindo em tecnologias de rastreamento, automação de processos e inteligência artificial aplicada à cadeia de suprimentos, além da integração de sistemas de gestão operacional. Há também uma crescente preocupação com a conformidade regulatória internacional, particularmente no que se refere às exigências sanitárias, ambientais e de rastreabilidade impostas pelo mercado europeu.
Adicionalmente, observam-se movimentos de fusões, aquisições e parcerias estratégicas visando ampliar a capilaridade logística e reduzir custos operacionais. No entanto, empresas de pequeno e médio porte enfrentam dificuldades estruturais mais acentuadas, como acesso restrito a financiamento, escassez de mão de obra especializada e baixa capacidade de inovação. “A superação desses obstáculos exigirá políticas de apoio específicas, além de iniciativas de capacitação e desenvolvimento tecnológico voltadas ao setor”, adverte o professor.
Participantes desta Matéria
A2W Tecnologia e Inovações – Desenvolve sistemas que integram pessoas, tecnologias e processos, criando pontes digitais que transformam a distribuição de insumos agrícolas. Suas soluções otimizam operações comerciais, facilitam o relacionamento com produtores e permitem um planejamento mais preciso, ajudando distribuidores a antecipar demandas e vender com mais rentabilidade.
Bicalho Consultoria Legal – Tem ampla experiência em processos migratórios para os Estados Unidos e Portugal e escritórios nestes países, além de no Brasil. Oferece soluções para empresas e empreendedores e profissionais liberais, que englobam assessoria jurídica, consultoria nas áreas empresarial, tributária e trabalhista e planejamento patrimonial, auxiliando a internacionalizar negócios e carreiras.
CIILIP-USP – O Centro de Inovação em Logística e infraestrutura Portuária da Universidade de São Paulo é formado por professores e pesquisadores do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica da USP. Conta também com diversos mestres e doutores na área de logística, transporte e infraestrutura portuária e ambiental.
Danilo Guedes – Além de presidente da ABC Cargas, é vice-presidente de assuntos internacionais da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), diretor da Associação Brasileira de Transportadores Internacionais (ABTI) e diretor de especialidade de transporte internacional do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região (SETCESP).
Emanuel Pessoa – Advogado especializado em Direito Empresarial, mestre em Direito pela Harvard Law School, doutor em Direito Econômico pela USP e professor da China Foreign Affairs University, onde treina a próxima geração de diplomatas chineses.
ESPM – Escola de negócios inovadora, referência brasileira no ensino superior nas áreas de Comunicação, Marketing, Consumo, Administração, Economia Criativa e Tecnologia. O lifelong learning, aprendizagem ao longo da vida profissional, o ensino de excelência e o foco no mercado são as bases da ESPM.
Fundação Vanzolini – Organização sem fins lucrativos, criada e gerida pelos professores do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Áreas de atuação: Educação: Oferece mais de 100 programas de formação e desenvolvimento contínuo, incluindo cursos presenciais e online; Certificação: Avalia e certifica padrões normativos de produtos e sistemas de gestão para organizações públicas e privadas; Gestão de Tecnologias em Educação (GTE): Desenvolve projetos aplicados em inovação, políticas públicas e sistemas de gestão; Projetos: Atua com soluções personalizadas para empresas e instituições, visando eficiência e boas práticas de gestão.
GEP Brasil (Costdrivers) – É uma plataforma de inteligência, análise e projeção de dados líder no país. Conta com uma equipe de economistas especializados que fazem a análise e projeção dos dados com um percentual de acerto de 85% em diversos segmentos da economia mundial. Tem como objetivo auxiliar profissionais de procurement na busca por dados e informações de qualidade, fornecendo também relatórios mensais dos principais setores da economia.
Sophia Utnick Brennan – Empresária brasileira conhecida nos Estados Unidos por seus empreendimentos. Enquanto lá seu nome é sempre associado ao sucesso de suas empreitadas, por aqui é sinônimo de ajuda ao próximo. Ela é dona de uma empresa de distribuição de cerveja, uma das maiores no ramo, em Nova York. Também é proprietária de uma empresa de landscape, em Miami. Além de paisagista, atualmente tem se destacado em produção na área cultural. Durante a pandemia da Covid-19, decidiu criar a Utnick Production, empresa que busca ajudar artistas iniciantes com despesas da carreira e a fazer contatos no meio para crescer profissionalmente.