A logística e o transporte nas entregas diretas para pessoa física requerem um atendimento diferenciado. Operacionalmente é necessário desenvolver uma distribuição mais ágil, com veículos menores de entrega, aumentando a produtividade dos carros.
Há um crescimento do e-commerce no Brasil, acompanhando uma ten– dência mundial. Será que isto também ocorre no segmento de calçados? E como fica a logística especificamente neste setor? É a mesma para atendimento das lojas físicas? O que muda? Como fazê-la acontecer?
Estas e outras perguntas sobre o setor de calçados são respondidas pelos participantes desta matéria especial de Logweb, dentro de sua pauta “Logística Setorial”.
“O e-commerce vem alavancando novas marcas de calçados no país, e plataformas digitais abriram oportunidades para novos produtos. O atendimento do público final demanda treinamento e gestão de informações”, comenta Fabio Gobor, diretor comercial da Gobor Transportes e Logística.
Anderson Perez, gerente comercial da Alfa Transportes, destaca que a expansão do mercado de e-commerce é latente em todos os setores do mercado, e a sua logística exige prazos ainda mais rigorosos, uma vez que o produto é enviado ao cliente final. A qualidade na informação também é um ponto crucial, pois o rastreamento deve ser condizente com o momento atual da encomenda. “Com foco no segmento B2B, nada muda em relação à logística. Mas já há estudos realizados com foco no cliente pessoa física e de cargas ainda mais fracionadas”, diz Perez.
Por seu lado, Giuseppe Lumare Jr., diretor Comercial da Braspress Transportes Urgentes, também diz que as vendas online foram alavancadas pela pandemia, assim, o segmento de calçados, que comumente vendia online por meio de plataformas externas, foi obrigado a mudar a abordagem, o que, em muitos casos, significou “repatriar” suas operações de e-commerce.
“Com os bloqueios prolongados dos comércios em função de proibições legais durante a pandemia, o consumidor buscou opções de compra via internet, e parece que gostou. Muitas indústrias de calçados que não tinham o DNA das vendas online, porque privilegiavam a cadeia de valor do B2B, abriram suas operações online e estão ampliando vendas por meio desse canal.”
Ainda segundo Lumare Jr., o transporte de carga por indução dessa tendência tem buscado atender essa nova demanda, mesmo porque as transportadoras focadas no B2C e os Correios não parecem ter capacidade para absorver esse incremento de fluxos, nem de prover serviços com a qualidade desejada. Trata-se, pois, de uma mudança de mercado que vai exigir adaptações do transporte, mas, como sempre, será respondida prontamente.
Thiago Menegon, diretor comercial da TDB Transporte e Distribuição de Bens, também aponta que a operação de entrega de pessoa física é totalmente diferente, pois há um fracionamento muito maior do pedido, o que aumenta o número de entregas. “Em lojas, descarregamos numa mesma entrega no mínimo 36 a 48 pares de calçados, que serão vendidos posteriormente para 36 a 48 pessoas diferentes. Na operação do e-commerce, esta única entrega é transformada em 36 a 48 entregas. Raramente uma pessoa compra mais de um par de calçado pela internet”, diz Menegon.
Max Roberto da Silva, diretor comercial da Transportes Translovato, ao comentar que, com a pandemia, o setor calçadista aumentou muito seu volume de vendas no e-commerce, acrescenta que as indústrias calçadistas, junto aos seus transportadores, vêm desenvolvendo excelentes canais de atendimento, principalmente na logística reversa, que até pouco tempo atrás, representava um grande “gap” nesse segmento.
Na visão de Silva, a logística e o transporte nas entregas diretas para pessoa física requerem um atendimento diferenciado. “Operacionalmente é necessário desenvolver uma distribuição mais ágil, com veículos menores de entrega, aumentando a produtividade dos carros. Além disso, o canal de comunicação com os clientes deve ser mais integrado. Neste contexto, um dos principais desafios é que nem sempre as pessoas estão em casa para receber o produto. Diante disso, é importante que haja uma forma de agendamento com o destinatário, permitindo que ele consiga se organizar para receber o produto sem que isso atrapalhe sua rotina diária. Desta maneira, a assertividade nas entregas realizadas aumenta muito, reduzindo os custos com reentrega para o embarcador e proporcionando melhoria na produtividade operacional.”
Aproximação
Também há uma tendência mundial de os OLs se aproximarem do mercado voltado ao consumidor final, como o e-commerce. Será que isto também ocorre no segmento de calçados? Como isto acontece? O que muda na relação embarcador/OL? E as transportadoras, vão perder espaço?
Lumare Jr., da Braspress, destaca que a tendência é clara e vem ocorrendo rapidamente. Tanto Operadores Logísticos quanto transportadores estão se voltando ao e-commerce. E há uma grande oportunidade nesse movimento. Por quê? Porque as vendas de calçados pelo canal do e-commerce, como em qualquer segmento, se caracterizam pelo fracionamento, que ocorre por consumidor, não havendo (como no B2B) remessas de estoque para acumulações nos pontos de venda física, ou seja, são vendas de um ou dois pares cujos lotes têm pesos e valores bem mais baixos, exigindo operações logísticas mais especializadas (fulfilment) e fretes sob medida.
“Esse fracionamento incrementa as operações de logística e, especialmente, as de transporte, porque, se as remessas médias do B2B são de 100 quilos, as dos B2C são de 1,5 kg. Na verdade, no caso do transporte, esse incremento deve incentivar a entrada no B2C de transportadores focados exclusivamente no B2B, aumentando muito a oferta, o que deve favorecer os clientes, que terão mais opções de transporte”, completa o diretor comercial da Braspress.
Menegon, da TDB Transporte, também acredita que esta mudança de mercado possa realmente acontecer, uma vez que os OLs tiveram queda em suas operações tradicionais e irão buscar novos nichos de mercado. Hoje se vende e compra de tudo pela internet, desde um sofá até um parafuso, e com o segmento calçadista não será diferente. “Já vemos movimentação, inclusive, de pequenas fábricas realizando vendas para consumidores finais até como uma forma de se manterem vivas no mercado. Sempre haverá espaço para diversos players.”
Wanderley Malavazi, diretor de Logística, e Sarah Kirchmeyer, supervisora comercial da Terca – Cotia Armazéns Gerais, também acreditam nesta tendência mundial de os OLs se aproximarem do mercado voltado ao consumidor final, como o e-commerce. “O e-commerce cada vez mais é uma crescente. E especificamente o segmento de calçados não pode ficar de fora dessa realidade, e ele se adequa muito bem nesse perfil, visto que o consumidor compra sem sair de casa. Do Operador Logístico é exigido um nível de fracionamento maior, visto que são mais pedidos com menos unidades, normalmente.”
Características
Por tudo o que foi colocado, é interessante saber quais as características da logística no segmento de calçados: os diferenciais, os problemas, o que ela exige de OLs e transportadoras, etc.
Perez, da Alfa Transportes, ressalta que o segmento calçadista apresenta sempre um perfil de carga de fácil manuseio e, também, de difícil avaria, mas exigindo dos OLs diferencial no que tange aos prazos e, também, um rastreamento eficiente por parte dos clientes.
Na verdade, o segmento de calçados, como outros que se apoiam no consumo incremental, depende sobretudo de “sobras” da renda média populacional ou de incentivos generosos ao crédito. Ou seja, por disponibilidade de renda ou acesso ao crédito, esses segmentos experimentam fortes altas de vendas em épocas de bonança econômica e abruptas quedas, em épocas de retração.
“A flutuação da demanda é, pois, um desafio para a sobrevivência de quem opta por ter relevante parcela de receitas em segmentos de consumo, como o de calçados. Porém, há também vantagens na abordagem exclusivista (calçados), dada a clara possibilidade de criar escalas de destino, pois os locais de entrega coincidem e permitem ganhos de produtividade nas operações de última milha (Last Mile)”, acrescenta o diretor Comercial da Braspress.
Ademais, prossegue Giuseppe Lumare Jr., o perfil dessas encomendas tem caráter industrial, propiciando regularidade das embalagens, que seguem altos padrões de qualidade, permitindo ao transportador grande produtividade nos carregamentos, além de facilidade nas movimentações físicas, dada a ergonomia dos volumes. Como quaisquer abordagens de mercado, a que opta por ter grande presença no segmento de calçados tem vantagens e desvantagens.
“Em operações tradicionais B2B, era mais considerável a assertividade do prazo, pois o calçado, assim como o vestuário, tem coleção por estação do ano, a exemplo do calçado feminino: botas são vendidas para outono/inverno e calçados mais leves como sandálias são vendidos na primavera/verão.”
Menegon, da TDB Transporte, continua: algumas indústrias acabam tendo problema de atraso de produção, refletindo no transporte para tirar esta diferença. Outro ponto de desafio é que grande parte das entregas é direcionada a lojistas em shoppings centers, que possuem restrição de recebimento em horário e tamanho de veículos em algumas cidades.
Silva, da Translovato, também destaca que, embora não seja um produto perecível, o calçado, por ser um artigo ligado à moda, tem um ciclo de vida bastante curto. A indústria calçadista vem ao longo do tempo se aprimorando e aumentado o número de lançamentos e coleções durante o ano. O produto gira cada vez mais rápido no ponto de venda e o atraso em uma entrega pode prejudicar uma coleção inteira para um lojista. Em função disso, os prazos de entrega devem ser os menores possíveis e o monitoramento da carga constante, com rastreamento da mercadoria em todas as etapas do processo. Quando se trata de amostras para os representantes – prossegue o diretor comercial da Translovato –, esse acompanhamento precisa ser ainda maior, com prazos de entrega reduzidos, tendo em vista que o atraso de um dia nas entregas das amostras poderá representar retração de cinco dias nas vendas do representante.
Malavazi e Sarah, da Terca, finalizam esta questão dizendo que este setor exige muito dos OLs, principalmente por estar passando por um processo de mudança no conceito de venda, em caixa com uma grade de tamanho padrão. Cada dia é mais comum as empresas abrirem suas grades, possibilitando a seus clientes a oportunidade de montarem seus pedidos de acordo com a demanda do consumidor final.
E essa mudança exige que os OLs se estruturem cada dia mais, uma vez que demanda mais espaço de armazenagem, maior dinamismo e automação, processos robustos para garantir a agilidade e confiança que o mercado exige, comentam os representantes da Terca.
Covid-19
Como não poderia deixar de ser, buscamos saber o que a Covid-19 trouxe de mudanças na logística do segmento de calçados, e se estas mudanças são temporárias ou vieram para ficar.
Parece que a pandemia mudou muita coisa no transporte e na logística, opina o diretor comercial da Braspress. Essas atividades são auxiliares, ou seja, atuam a partir de induções da demanda alheia, quer dizer, é mister que atendam às demandas vigentes e respondam às mudanças de mercado.
“Como a pandemia promoveu profundas mudanças nos hábitos de consumo, gerando uma ruptura dos modos tradicionais de vender e comprar, isto tem levado o consumidor a refletir melhor, levando a compras mais conscientes e, portanto, mais pontuais. Com o afastamento social forçado, houve uma verdadeira ‘clivagem’ das noções de ‘necessidade e desejo’, antes confundidas pelas facilidades e pressões que as consolidavam em um mesmo impulso.”
As compras online – continua Lumare Jr. –, ao contrário das presenciais, podem ocorrer a qualquer tempo e sob diversas influências, mas o campo de ação do consumidor é todo o mundo, havendo mais oportunidades de comparação e menos exposição às pressões que ocorrem nas lojas físicas, assim, pode efetivar ou não compras e julgar com mais calma as ofertas que lhe chegam. “E parece que essas mudanças vieram para ficar.”
Silva, da Translovato, destaca que uma das principais mudanças é a entrega direta ao consumidor final. O consumidor passou a ter inúmeras opções no momento da compra, quando comparamos com a compra realizada na loja física. Muitas pessoas que não tinham o hábito de comprar online, devido à pandemia passaram a fazê-lo. Além disso, com o objetivo de proporcionar uma melhor experiência ao consumidor, a indústria está possibilitando que a compra seja realizada na loja e que o cliente receba os produtos em sua casa ou então, que ele compre em loja virtual e retire o produto na loja.
E os representantes da Terca concluem: “A Covid-19 trouxe um novo olhar para todos os negócios, com novas estratégias de vendas e distribuição. Acreditamos que cada vez mais esse ‘mundo online’ irá se fortalecer.”
A visão da Abicalçados
A Abicalçados representa a indústria brasileira de calçados. Entre os associados, conta com empresas de todos os portes e que respondem por mais de 70% da produção nacional do setor – de 908 milhões de pares no ano passado. A atuação da entidade, nascida em 1983, se dá na representação junto ao poder público, levando pleitos do setor; compromisso com o desenvolvimento das empresas por meio de projetos e ações específicas; e promoção comercial e de imagem do segmento, tanto aqui quanto além-fronteiras, neste caso por meio do Brazilian Footwear, programa desenvolvido em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).
É o presidente-executivo da entidade, Haroldo Ferreira, quem também participa desta matéria especial. Veja a seguir suas observações sobre o setor, incluindo a logística e os problemas enfrentados.
Logweb: Segundo a Abicalçados, a produção do setor deve cair até 29% ao longo de 2020 — em janeiro, a previsão era de um crescimento de 2,5%. Estas previsões estão confirmadas? Quais os reflexos para as empresas do setor?
Ferreira: As previsões fazem parte de uma pesquisa realizada pelo nosso departamento de Inteligência de Mercado e estão confirmadas. Evidentemente, pode haver alguma variação, a depender da flexibilização do comércio e do esperado encontro de uma vacina contra a Covid-19. Os reflexos serão severos, como vêm sendo. No primeiro semestre, em função da pandemia, perdemos 44 mil postos de trabalho no setor, em torno de 16% da nossa força total de trabalho (269 mil postos diretos em dezembro de 2019). A queda, se confirmada, também fará retornarmos aos patamares produtivos dos inícios dos anos 2000, em torno de 600 milhões de pares produzidos.
Logweb: Fale sobre as características da logística no segmento de calçados: os diferenciais, os problemas, etc.
Ferreira: A logística do setor se dá, basicamente, por meio do transporte rodoviário no mercado interno e por meio marítimo nas exportações. Os problemas rodoviários estão nos noticiários diários: péssimas estradas, custos elevados com pedágios, insegurança, entre tantos outros. No ambiente internacional, os problemas são os mesmos relatados pelos principais setores econômicos brasileiros, e vão desde o demasiado tempo de operação e as taxas cobradas, a lotação de terminais até problemas de cabotagem em portos errados. Temos um sistema extremamente burocrático e que faz parte do famigerado Custo Brasil, que prejudica severamente a competitividade do produto brasileiro aqui e no exterior.
Logweb: Como é a questão do roubo de cargas no segmento? Como as empresas fazem para mitigá-lo?
Ferreira: Não temos nenhum levantamento neste sentido, mas sabemos que existe. O problema pode ser mitigado por meio do rastreamento completo, o que é mais um custo para o setor. Aliás, a segurança deveria ser garantida pelo Estado, o que infelizmente não ocorre.
Logweb: Há um crescimento do e-commerce no Brasil, acompanhando uma tendência mundial. Isto também ocorre no segmento de calçados? E como fica a logística especificamente neste setor?
Ferreira: O e-commerce vinha crescendo antes da pandemia, mas foi potencializado. Neste ano, em função das restrições ao comércio nas lojas físicas, muitos brasileiros “descobriram” o comércio digital. A logística é a mesma, tanto para mercado interno quanto externo.
Logweb: O setor calçadista é um grande exportador. Quais os modais mais utilizados?
Ferreira: Ano passado, o setor exportou mais de 115 milhões de pares, mais de 60% deles via marítima. No segundo posto entre as vias, está a rodoviária – especialmente para países da América do Sul, com 22%. A via aérea responde por 15%.