Com as dificuldades nas cadeias de valor em todo o mundo, a produção de veículos foi afetada e a venda de seminovos disparou, gerando um efeito imediato no setor de autopeças, incrementando as operações de transporte.
O ano de 2021 tornou-se um dos mais desafiadores, tanto para a indústria quanto para o setor de serviços e insumos ligados diretamente ao segmento automotivo.
Os desafios encontrados pelo governo brasileiro e a ausência de uma perspectiva clara dos reais impactos da pandemia levaram à retração de diversos setores da economia, em especial nas montadoras de veículos leves. É o que analisa Dener Frige, gerente executivo da Terra Nova Transportes de Cargas.
Porém, segundo ele, o mesmo não se pode dizer das montadoras de veículos pesados, haja visto o impulsionamento do setor logístico durante os meses mais intensos e severos da pandemia (lockdown), devido à demanda dos consumidores e às estratégias para conter a pandemia.
“O setor logístico de reorganizou, se mostrou essencial neste período e pode-se dizer que acelerou as empresas deste segmento a atingirem níveis de maturidade operacional esperados somente para 2028, além do constante emprego de tecnologia no setor de serviços de transporte rodoviário de cargas”, expõe Frige.
De acordo com Giuseppe Lumare Júnior, diretor comercial da Braspress, o segmento de autopeças segue com vendas vigorosas e crescimento no transporte. “Com as dificuldades nas cadeias de valor em todo o mundo, especialmente no que diz respeito aos componentes eletrônicos, a produção de veículos foi afetada e a venda de seminovos disparou”, ressalta.
Com isso, o efeito nas vendas de autopeças foi imediato. “Notamos um forte incremento nas operações de transporte urgente e um crescimento rápido das vendas no canal digital, que passaram a integrar as estratégias de vendas de muitos marketplaces, que incluíram as autopeças em seus portfólios de produtos”, acrescenta Lumare Júnior.
Em razão do aumento da busca por veículos usados, influenciado pela escassez de componentes para os novos, aliado às incertezas causadas pela pandemia da Covid-19, a procura por peças de reposição segue em alta desde 2020, também segundo Gilberto Lima, diretor de operações da ID Logistics Brasil.
“Neste período, fomos desafiados a inovar buscando ferramentas que otimizassem as equipes. Como exemplo, maior digitalização dos processos, além da garantia de cumprimento de todos os protocolos de segurança dentro das operações”, explica.
De acordo com Wagner Machado Cardoso, diretor comercial da Maxton Logística, com o efeito da pandemia, a falta de alguns componentes resultou no aumento dos estoques, principalmente dos produtos importados. “Isso causou uma série de problemas de planejamento de produção nas montadoras. Para os Operadores Logísticos, acabou virando uma oportunidade de aumento de volumes armazenados e gerenciados. Com isso, as ações principais se concentraram na busca de novos locais para suportar o aumento do volume e na procura por novos profissionais para integrar as equipes”, comenta.
O segmento de reposição sofreu bastante com a falta de matéria-prima da indústria automotiva e as consequentes paradas que as montadoras forçosamente realizaram durante o ano, analisa, agora, Douglas Klock, gerente nacional de vendas e marketing da TW Transportes e Logística.
“A pandemia representou uma mudança de hábito no consumidor tanto na compra quanto na manutenção de seu veículo. A elevação acelerada dos preços dos combustíveis, que implica em menos quilômetros rodados, também se mostrou como um importante componente nesse cenário”, adiciona.
Falta de peças
Durante a pandemia, as montadoras pararam suas operações por falta de peças. Como transportadoras e Operadores Logísticos que atuam no setor, nossos entrevistados contam o que fizeram para se adaptar à situação.
“Do ponto de vista de fornecimento de peças para a frota de caminhões, no caso da Braspress, a maioria se encontra ainda em período de garantia. Do ponto de vista do transporte de cargas, as paradas aceleraram as vendas de autopeças para veículos usados, fazendo disparar os transportes destes itens”, revela Lumare Júnior.
Tendo em vista que uma grande parcela das peças é importada ou depende de insumos importados, a ID Logistics Brasil adaptou as operações para agilizar os processos de recebimento de veículos com material importado. “Isso também imprimiu velocidade na disponibilização desses produtos para venda ao mercado ou envio às montadoras no menor tempo possível”, acrescenta Lima.
O grande impacto das paradas da montadora gerou o aumento de volumes de componentes e, com isso, a Maxton Logística precisou rapidamente efetuar a adequação da equipe e de novos locais para efetuar a armazenagem e a operação, como conta Cardoso.
A falta de insumos oriundos dos continentes asiáticos e europeus refletiu diretamente na Terra Nova, que atua com importação e exportação no transporte rodoviário de cargas vindas do Porto de Santos e dos aeroportos de Campinas (VCP) e Guarulhos (GRU).
No modal rodoviário, a empresa adotou medidas para preservar os postos de trabalho e aderiu aos programas de incentivos do governo federal. Já nos aeroportos, observou impacto mais positivo pela crescente utilização deste modal de importação e exportação. “Aproveitamos para rever nossas estratégias e obtermos equilíbrio operacional, sendo mais presente e estratégico em nossas operações nos aeroportos de Campinas e Guarulhos”, conta Frige.
A Terra Nova também reorganizou suas estruturas administrativas e operacionais e acelerou alguns projetos mais burocráticos, como a obtenção da certificação OEA (Operação Econômico Autorizo – RFB) para se preparar para a retomada da economia em 2022.
Para Klock, da TW Transportes e Logística, a pandemia exigiu de montadoras, dealers e pequenos revendedores um choque de eficiência em seus processos de compra, forecast e abastecimento do mercado.
“Muitos revendedores tiveram de elevar os índices de estoques para conseguir atravessar os períodos de escassez. A integração entre vendas e compras tornou-se ainda mais essencial. O desencontro de informação entre o planejamento de vendas e as reposições de produtos representa um enorme custo para toda a cadeia. A falta de matéria-prima forçou um aumento de preço ao longo da cadeia produtiva e estendeu o tempo de entrega de peças”, analisa o gerente nacional de vendas e marketing da TW Transportes e Logística.
Cuidado em 2022
Sobre as perspectivas em termos desta logística para o ano de 2022, Lumare Júnior, da Braspress, diz que elas são indeterminadas, devido às incertezas gerais quanto ao crescimento do PIB. “Por outro lado, a tendência geral de manter veículos usados rodando deve criar possibilidades para as vendas de autopeças”, expõe o diretor comercial.
Para Lima, da ID Logistics Brasil, a tendência é de recuperação escalonada no atendimento, fornecimento de componentes e matéria-prima nos próximos dois anos. “Provavelmente, teremos nesse período uma demanda represada que deve ser atendida e também aumento de consumo de peças de reposição e de veículos novos, dado ao crescimento esperado de mercado”, analisa.
Segundo as expectativas de regularização do fluxo logístico mundial em 2022, Cardoso, da Maxton Logística, acredita que deveremos ter um cenário bem parecido com o do final de 2021.
Para a Terra Nova, a perspectiva é otimista, porém, conservadora. “Entendermos que a economia ainda se encontra em um período de retração e atenção, decorrente do surgimento de novas variantes da Covid-19. Buscamos recuperar nossos resultados e retomar nosso plano diretor, estimulando o desenvolvimento do business e a geração de novos postos de trabalho”, explica Frige.
De acordo com ele, não existem grandes investimentos para 2022. O foco da empresa é consolidar as margens de negócios e desenhar estratégias comerciais, operacionais, ambientais e financeiras para conter a inflação que pressiona o segmento, destacando o setor de combustíveis (óleo diesel) e os insumos operacionais (pneus e lubrificantes em geral).
As perspectivas de recuperação do setor apontam para o segundo semestre de 2022 e nem todos os tipos de peças irão se recuperar de forma igualitária, na opinião de Klock, da TW Transportes e Logística. “Nosso setor de transportes e logística precisa estar preparado para as retomadas de crescimento planejadas para os diversos setores com os quais trabalhamos.”
Tendências
Sobre as tendências deste segmento, Lumare Júnior, da Braspress, diz que quanto ao uso de veículos de carga, as transportadoras mais capitalizadas devem manter seus planos de renovação de frota, mesmo porque esse procedimento costuma reduzir os custos de manutenção.
“Quanto ao mercado, seja em relação aos transportes de autopeças em garantia, seja com relação aos de veículos usados, a tendência é de, no mínimo, os fluxos de carga se manterem estáveis”, acrescenta o diretor comercial da Braspress.
Para Cardoso, da Maxton Logística, a tendência no segmento com o aumento de volume tende a se refletir em compra de novos equipamentos para suportar a demanda reprimida.
Já Frige, da Terra Nova, cita as tecnologias que tratam da direção autônoma de veículos leves (na distribuição urbana) e a alavancagem do segmento automotivo na produção de veículos que utilizam combustível não fóssil (elétricos).
“No transporte de cargas pesadas (contêineres), oriundas do Porto de Santos, enxergamos uma tendência inflacionária nos custos dos serviços ofertados. Os motoristas autônomos, juntamente com as transportadoras, sofrem com a inflação e possuem pouco subsídio fiscal do governo, forçando o repasse integral dos constantes aumentos nos insumos ligados diretamente à prestação de serviços de transportes”, declara Frige.
De forma mais geral, Klock, da TW Transportes e Logística, cita que é preciso estar atento às novas soluções de mobilidade, principalmente nos grandes centros urbanos. O crescimento das cidades vem representando um desafio crescente para coletas e entregas.
Além disso, aponta que a sociedade vem exigindo, cada vez mais, ações práticas quanto às taxas de emissão de carbono. Uma clara e atuante política de SGA se tornará um diferencial competitivo.
A diversidade de gênero será outra forte tendência, segundo Klock, pois o setor de transporte ainda é amplamente masculinizado e é preciso criar políticas para aumentar a proporcionalidade das mulheres, não basta mais apenas a representatividade.
“Quanto ao comportamento do consumidor, vemos um aumento no tempo de pesquisa dos canais on-line e uma rotina de compra nos canais físicos (off-line), logo, as empresas precisam estar preparadas com iniciativas omnichannel”, finaliza Klock.