A recente atualização sobre a cobrança de sobreestadia de contêineres redefine responsabilidades e busca maior equilíbrio entre armadores, importadores e terminais portuários. Também promete fortalecer a eficiência logística no comércio marítimo brasileiro.
A movimentação de contêineres nos portos brasileiros cresceu 20% em 2024, conforme a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Para criar um ambiente operacional mais equilibrado, o órgão federal publicou, em 06 de agosto último, o Acórdão nº 521/2025, que revisa a forma como é feita a cobrança de sobreestadia de contêineres, conhecida no setor como demurrage.
O objetivo da ação é corrigir cobranças abusivas, reduzir a judicialização e incentivar a eficiência logística ao determinar que a taxa seja legítima quando houver, de fato, condições adequadas para que o importador devolva o contêiner dentro do prazo.

Mudanças
“A sobreestadia é uma indenização devida ao armador pelo uso do contêiner além do prazo livre (free time), compensando o custo de imobilização do equipamento e incentivando a eficiência logística. Em outras palavras, trata-se de um mecanismo essencial para garantir o giro dos equipamentos e o equilíbrio operacional da cadeia de contêineres.”
Ainda segundo Vivian Pedra, diretora Jurídica da Norcoast, sem essa compensação, o sistema se tornaria insustentável, pois não haveria incentivo econômico para a devolução tempestiva, comprometendo toda a dinâmica de circulação dos equipamentos.
Tradicionalmente, a sobreestadia era cobrada pelo simples atraso na devolução, independentemente de culpa, conforme reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e por entendimentos anteriores da própria ANTAQ. Essa prática refletia o entendimento de que a sobreestadia possui natureza indenizatória contratual, e não punitiva, voltada à previsibilidade das relações comerciais e à funcionalidade do sistema marítimo.
“Vale ressaltar que tais valores não representam receita para o armador, mas sim indenização pelos custos decorrentes da retenção indevida do equipamento.”
Vivian destaca que o Acórdão nº 521/2025 introduz uma nova abordagem em relação a esse entendimento consolidado. A partir de agora, a cobrança somente será válida se o atraso decorrer de culpa, interesse ou opção do usuário, e não quando houver falhas logísticas, omissões de navio ou indisponibilidade de depósitos atribuíveis ao transportador ou terminal. “Todavia, é importante reconhecer que a identificação da origem dessas falhas e a correta atribuição de responsabilidade são desafios complexos, especialmente em um setor que envolve múltiplos agentes e variáveis operacionais.”
Também se referindo às mudanças trazidas pelo novo Acórdão, João Paulo Braun, advogado e sócio da Reis, Braun e Regueira Advogados Associados, explica que, por meio deste, a ANTAQ aprovou o que denominou de entendimentos regulatórios. “Em síntese, o entendimento regulatório consiste na explicitação da interpretação da Agência sobre determinadas situações concretas. Nesse caso específico, a ANTAQ reuniu, em uma única decisão, posições que já vinha adotando ao examinar processos individuais.”
Embora a decisão tenha abordado diversos temas – foram nove deliberações ao todo –, os dois pontos mais relevantes foram os seguintes:
Primeiro: se o excesso de prazo na utilização do contêiner decorrer de ato, omissão ou falhas logísticas imputáveis ao transportador, ao terminal portuário indicado ou ao depot, não deve incidir a cobrança de sobreestadia (demurrage).
Segundo: a sobreestadia somente pode ser cobrada quando o atraso na devolução do equipamento decorrer de interesse, opção, culpa ou risco do negócio do usuário.
O que isso muda na prática? “Ainda será necessário algum tempo para sentir os efeitos concretos, mas talvez a decisão não produza a transformação ampla que parte do mercado enxergou. Embora a ANTAQ tenha expressamente alocado como risco do negócio do armador eventual falha logística do terminal portuário – o que, de fato, é a principal novidade – isso não significa, automaticamente, que a sobreestadia deixará de ser devida nesses casos.”
Ainda segundo Braun, é essencial compreender o contexto em que o acórdão foi proferido. Ele decorreu de uma série de denúncias e representações apresentadas por usuários que questionavam cobranças de sobreestadia em situações de alegada indisponibilidade de janelas para entrega de contêineres em terminais portuários.
Os usuários alegavam que, diante da falta de espaço nos terminais para recebimento das unidades em exportação, eram compelidos a permanecer com o contêiner sob sua guarda, não podendo, por isso, responder pela detention.
“Contudo, após a decisão – que gerou grande repercussão na mídia e nas redes sociais – o mercado passou a observar com mais atenção as tentativas de entrega dos equipamentos.”
Verificou-se, em diversos casos, ainda segundo o advogado, que as tentativas de agendamento ocorriam apenas nos horários de maior demanda, enquanto havia ociosidade em outros períodos.
No recente congresso da Associação Brasileira de Direito Marítimo (ABDM), realizado em agosto, em Santos, SP, a representante de um dos maiores terminais do país mencionou um desperdício médio de cerca de 40% das janelas disponíveis. No mesmo painel, uma representante de grande armador estrangeiro observou que a esmagadora maioria dos usuários busca agendar apenas no que ela chamou de “horário nobre”, o que contribui para o desequilíbrio na ocupação das janelas e reforça a percepção equivocada de indisponibilidade.
“Assim, enquanto persistir esse cenário desafiador na logística brasileira, a discussão continuará viva – mas agora com maior ênfase na exigência de que o usuário comprove, de maneira cabal, que esgotou todas as alternativas razoáveis para entregar o equipamento dentro do prazo.”
Outro ponto que certamente seguirá em debate, de acordo com Braun, é a delimitação entre o que é risco do negócio do usuário e o que compõe o risco do transportador, tema que tende a ser central nas futuras discussões perante a ANTAQ.
“Por fim, é importante ter clareza de que o acórdão expressa o entendimento do órgão regulador, o qual não vincula o Poder Judiciário. Este, ao examinar a questão central – indisponibilidade de janelas –, já decidiu em ambos os sentidos e ainda não consolidou uma posição definitiva.”
Mais detalhista, Rogério Marin, especialista em comércio exterior e CEO da Tek Trade, explica que, em casos de falhas logísticas atribuíveis ao transportador, terminal portuário, depósito de vazios ou autoridades públicas — como congestionamentos portuários ou inspeções alfandegárias prolongadas —, a contagem do prazo de sobreestadia é suspensa automaticamente a partir da primeira tentativa frustrada de devolução. Além disso, os armadores devem notificar o usuário com 48 horas de antecedência sobre o término do free time e detalhar valores e identificação do equipamento, com um prazo máximo de 90 dias para efetuar a cobrança. A retenção de mercadorias como meio de coerção para pagamento também foi expressamente vedada, salvo em casos de débitos específicos, como frete ou avaria grossa. De fato, como conclui José Antonio Martho, sócio e head da área tributária do CGM Advogados, a principal alteração promovida pela ANTAQ refere-se à delimitação mais clara dos critérios para a cobrança da demurrage de contêineres, buscando uniformizar práticas antes heterogêneas entre os diferentes agentes do setor marítimo. O novo entendimento reforça a necessidade de transparência, previsibilidade e razoabilidade nos contratos, exigindo que as condições e valores de demurrage estejam expressos de modo claro e acessível aos contratantes.
“A ANTAQ fundamenta sua posição na defesa do equilíbrio contratual, no respeito ao Código Civil Brasileiro, especialmente nas disposições sobre boa-fé objetiva e função social do contrato, além da observância à legislação específica de transporte aquaviário e normas internacionais de comércio. A agência também ressalta a importância do devido processo administrativo para resolução de conflitos, conferindo maior legitimidade às suas decisões”, completa Martho.
Equilíbrio de interesse
À pergunta “como essa nova interpretação busca equilibrar os interesses entre armadores, importadores e terminais portuários?”, Vivian, da Norcoast, diz que o objetivo declarado da ANTAQ é proteger o usuário de cobranças consideradas abusivas e evitar a transferência de custos decorrentes de falhas alheias à sua vontade, como indisponibilidade de janelas, limitações operacionais em terminais ou problemas em depósitos de vazios. “A intenção é legítima e reflete o esforço da Agência em promover maior equilíbrio e transparência nas relações contratuais.”
No entanto, prossegue a diretora Jurídica, é importante ponderar que determinadas situações operacionais, como a falta de janelas ou limitações de infraestrutura portuária, refletem desafios estruturais que vão além das relações contratuais entre armador e usuário. Nesse contexto, a ausência de capacidade portuária pode desestimular armadores a escalar determinados portos nacionais, o que, em médio prazo, reduz a competitividade e a atratividade do sistema portuário brasileiro.
“Trata-se, portanto, de uma discussão que transcende a questão tarifária e impacta diretamente a eficiência logística e o comércio exterior do país. O verdadeiro equilíbrio precisa abranger todos os elos da cadeia logística. Ao afastar a cobrança sempre que houver falhas logísticas, o novo entendimento acaba protegendo apenas uma das partes, desconsiderando o impacto direto sobre os armadores, que ficam privados de seus contêineres, sem indenização e sem controle sobre a causa do atraso.”
Vivian faz questão de destacar que a sobreestadia não é uma penalidade, mas um instrumento de equilíbrio operacional, que assegura previsibilidade, disponibilidade de equipamentos e eficiência sistêmica. “Seu enfraquecimento, ainda que involuntário, pode comprometer a sustentabilidade econômica da navegação e gerar efeitos colaterais para os próprios terminais e usuários, como escassez de contêineres e aumento dos custos logísticos no médio prazo.”
Braun, da Reis, Braun e Regueira Advogados Associados, também pondera que a decisão da ANTAQ, na prática, não promoveu um verdadeiro equilíbrio entre os interesses das partes envolvidas.
“O racional da decisão é o de que o armador seria o responsável pela escolha do terminal portuário e, por isso, deveria suportar eventuais falhas decorrentes dessa escolha. Ocorre que essa lógica desconsidera aspectos relevantes da realidade operacional.”
Primeiro, a alegada indisponibilidade de janelas nos terminais nem sempre decorre de falha imputável ao próprio terminal, mas muitas vezes resulta de fatores externos, como limitações estruturais, congestionamentos em zonas portuárias ou deficiências da infraestrutura nacional – elementos que extrapolam a esfera de controle tanto do terminal quanto do armador.
Segundo, há portos em que existe apenas um terminal capacitado para operar navios porta-contêineres, o que esvazia o argumento da “má escolha” do armador.
“Nesse contexto, impõe-se a reflexão: o navio vai onde está a carga, ou a carga vai onde está o navio? É o usuário quem define o porto que melhor atende às suas necessidades logísticas e comerciais. Assim, ao optar por embarcar por um porto servido por terminal único, não seria o próprio usuário quem, em última instância, escolheu o terminal?”
Ao mesmo tempo, continua o sócio da Reis, Braun e Regueira Advogados Associados, a decisão deixa o usuário em posição bastante confortável ao prever que “a sobreestadia fica suspensa, mesmo que já iniciada, a partir da data em que o usuário comprovar a primeira tentativa frustrada de entrega ou devolução do contêiner, permanecendo suspensa até que o transportador disponibilize condição efetiva para o seu recebimento”.
Na prática, trata-se de uma espécie de salvo-conduto, destaca o advogado, que pode vir a ser invocado de forma ampla, inclusive em situações de tentativa única e isolada de agendamento.
“Curiosamente, a ANTAQ costuma invocar o Incentive Principle da Federal Maritime Commission (FMC), segundo o qual o objetivo da cobrança de sobreestadia é incentivar a rápida devolução do contêiner. Contudo, ao estabelecer a suspensão automática da cobrança diante de uma única tentativa frustrada, a ANTAQ inverteu a lógica do princípio que pretendeu adotar, esvaziando o seu caráter indutor.”
Antes de admitir tal suspensão, diz Braun, seria razoável que a Agência exigisse do usuário a adoção de providências adicionais, como: comunicação imediata ao transportador acerca da dificuldade de devolução, comprovação de tentativas constantes e sucessivas de agendamento, demonstração de tentativas fora dos horários de pico e, eventualmente, o registro formal da recusa ou indisponibilidade por parte do terminal.
Sem essas cautelas, a decisão resulta em evidente desequilíbrio. “A balança, ao menos neste ponto, pendeu nitidamente em favor do usuário.”
Por outro lado, o especialista em comércio exterior da Tek Trade acredita que a interpretação da ANTAQ promove um equilíbrio entre os interesses das partes ao estabelecer uma distribuição equitativa de responsabilidades.
Para os importadores e exportadores, oferece proteção contra cobranças indevidas, suspendendo a contagem de demurrage em casos de falhas logísticas alheias, como indisponibilidade de depósitos ou congestionamentos portuários, além de proibir a retenção de carga como coerção, exceto em débitos específicos.
Para os armadores, assegura o direito à indenização legítima quando o atraso é imputável ao usuário, mas exige maior transparência, com notificações detalhadas e tarifas públicas.
Já os terminais portuários são incentivados a aprimorar a eficiência operacional, uma vez que suas falhas suspendem a contagem e podem acarretar sanções administrativas.
A priorização de resoluções consensuais, com sobrestamento de análises por até 120 dias, e a introdução de ritos sumários para disputas reforçam a busca por equilíbrio, reduzindo a judicialização e promovendo a fluidez na cadeia logística, que representa 95% do comércio exterior brasileiro. Esse modelo beneficia todas as partes ao mitigar abusos e fomentar um ambiente operacional mais eficiente e justo, completa Marin.
“Ao impor maior clareza e limites à cobrança de demurrage, a agência tenta evitar abusos e assimetrias de poder, protegendo importadores de custos excessivos e, ao mesmo tempo, assegurando aos armadores mecanismos para compensar a retenção indevida de seus equipamentos. O objetivo central é garantir que a demurrage cumpra sua função original: servir como incentivo para a devolução tempestiva dos contêineres, sem se transformar em penalidade desproporcional ou fonte de enriquecimento sem causa”, completa Martho, do CGM Advogados.
Previsibilidade e segurança jurídica
Ainda na visão do CEO da Tek Trade, a decisão da ANTAQ fortalece a previsibilidade e a segurança jurídica ao estabelecer critérios objetivos e transparentes para a cobrança de demurrage, eliminando ambiguidades contratuais.
A exigência de que a sobreestadia seja aplicada apenas em casos de culpa do usuário, aliada à suspensão automática de prazos em eventos de força maior ou falhas logísticas, permite que as partes antecipem responsabilidades e custos com maior clareza. A obrigatoriedade de notificações detalhadas e a limitação de práticas coercitivas, como a retenção de mercadorias, reforçam a estabilidade contratual.
Além disso, a introdução de mecanismos ágeis de resolução de conflitos, como ritos sumários e mediação em até 120 dias, complementada por relatórios trimestrais sobre denúncias, reduz a judicialização e promove a aplicação uniforme das normas. “Essas medidas alinham-se ao crescimento de 20% na movimentação de contêineres em 2024, consolidando um ambiente regulatório seguro e confiável, que favorece a competitividade do setor marítimo brasileiro”, completa Marin.
Martho, do CGM Advogados, também assegura que a uniformização dos critérios e a exigência de transparência nos contratos claramente trazem maior previsibilidade às operações. Importadores e armadores passam a operar sob regras mais claras, o que reduz a incerteza quanto aos custos envolvidos e ao tempo de permanência dos contêineres fora dos terminais. Isso fortalece a segurança jurídica nas relações contratuais, favorecendo a resolução consensual de eventuais divergências e a diminuição de interpretações arbitrárias.
Já a diretora Jurídica da Norcoast tem uma visão diferenciada. Segundo ela, a previsibilidade é um fator essencial para a sustentação da cabotagem brasileira, cuja eficiência depende da regularidade das viagens, do planejamento logístico, da confiança nas regras contratuais e, inclusive, da disponibilidade de contêineres aos usuários.
“Quando as condições de cobrança da sobreestadia passam a depender da comprovação de culpa do usuário, introduz-se um grau de incerteza que impacta diretamente a gestão operacional e financeira dos armadores. Na prática, essa mudança pode dificultar a aplicação uniforme dos contratos e aumentar o risco de interpretações divergentes sobre quem deu causa ao atraso, especialmente em operações que envolvem múltiplos agentes, terminais, transportadoras, depósitos e clientes, todos dentro do território nacional.”
A ausência de critérios objetivos para caracterizar “culpa” ou “risco do negócio” tende a ampliar disputas, fragilizar a segurança jurídica e comprometer a previsibilidade das rotas e a disponibilidade de equipamentos.
Vivian ressalta que a previsibilidade regulatória é condição fundamental para a competitividade da cabotagem, e mudanças dessa natureza devem ser acompanhadas de critérios claros e uniformes, capazes de assegurar o equilíbrio econômico dos contratos e a continuidade dos serviços essenciais à logística nacional.
Análise semelhante faz Braun, da Reis, Braun e Regueira Advogados Associados. Segundo ele, ao contrário do que o senso comum poderia sugerir, a decisão da ANTAQ tende a reduzir a previsibilidade e a segurança jurídica nas relações contratuais.
Isso porque o acórdão introduz conceitos excessivamente abertos, como “interesse, opção, culpa ou risco de negócio do usuário”, sem definir parâmetros objetivos para sua aplicação.
“Essas expressões são de natureza subjetiva e deixam amplo espaço para interpretações divergentes, tanto na esfera administrativa quanto no Judiciário. Na prática, cada controvérsia exigirá a apuração detalhada de fatos específicos, tornando o exame casuístico e imprevisível.”
Além disso, prossegue o advogado, a ausência de critérios uniformes para identificar o que efetivamente constitui “risco do negócio” de cada parte tende a ampliar o número de disputas administrativas e judiciais, já que transportadores marítimos, agentes intermediários e usuários passam a operar em um ambiente no qual as consequências econômicas de um mesmo fato podem variar conforme a interpretação adotada.
“Em um setor que depende fortemente de previsibilidade e estabilidade regulatória, essa indefinição representa um retrocesso sob a ótica da segurança jurídica”, completa.
Disputas judiciais
Pelo comentado pelos participantes desta matéria especial, há risco de aumento de disputas judiciais ou administrativas a partir dessa mudança, pelo menos no curto prazo, segundo Vivian, da Norcoast. Ela acredita em um aumento expressivo de controvérsias, tanto administrativas quanto judiciais, em razão da ausência de critérios objetivos para definir a culpa do usuário ou o que se enquadra como caso fortuito. Essa indefinição abre margem para interpretações divergentes e pode gerar conflitos sobre a responsabilidade pelos atrasos, especialmente em operações complexas, que envolvem múltiplos agentes da cadeia logística nacional.
Para os armadores e operadores de cabotagem, o cenário exigirá revisão das Condições Gerais de Transporte, ajuste de cláusulas contratuais e aperfeiçoamento dos processos de registro operacional, como evidências de tentativas de devolução, recusas de recebimento e indisponibilidades de janelas em terminais.
“Essas medidas são essenciais para mitigar riscos de autuação e garantir transparência nas cobranças. A própria ANTAQ reconheceu a complexidade da aplicação prática do novo entendimento ao prever um rito sumário de composição, com suspensão de processos por 120 dias para tentativa de acordo entre as partes. Essa solução transitória é positiva, mas reforça a necessidade de que o setor avance para regras mais claras e uniformes, capazes de assegurar segurança jurídica e eficiência operacional ao transporte marítimo de cabotagem”, comenta a diretora Jurídica.
Marin, da Tek Trade, também pondera que há um risco moderado de aumento temporário de disputas judiciais e administrativas no curto prazo, devido à maior rigidez dos critérios para cobrança de demurrage. Usuários podem contestar cobranças com mais frequência, especialmente em casos de atribuição de culpa ou comprovação de tentativas frustradas de devolução. “Contudo, em longo prazo, a priorização de composições amigáveis e ritos sumários pela ANTAQ tende a mitigar litígios, promovendo resoluções rápidas e eficazes.”
Para se preparar, afirma o especialista em comércio exterior, os operadores devem revisar contratos para garantir conformidade com a Resolução nº 62/2021, explicitando prazos, tarifas e responsabilidades. Investir em sistemas de monitoramento em tempo real e documentação robusta, como registros de notificações e tentativas de devolução, é essencial para respaldar cobranças legítimas. Além disso, a capacitação de equipes em compliance regulatório e a priorização de negociações consensuais ajudarão a reduzir a escalada de conflitos, alinhando as operações às novas exigências e minimizando riscos jurídicos.
Também na ótica de Martho, do CGM Advogados, mudanças dessa relevância, ainda que benéficas para o mercado, tendem a gerar, pelo menos inicialmente, um aumento no número de disputas administrativas e judiciais. Tal consequência é esperada, dado que o mercado ainda está se adaptando às novas diretrizes, embora as primeiras semanas de aplicação das novas diretrizes sobre o demurrage tenham revelado uma boa eficiência na resolução dos conflitos, o que acentua o acerto da medida.
Com o passar do tempo, as regras de mediação e da negociação direta entre partes começam a ganhar corpo e confiança. A tendência ao longo do tempo é de redução relevante dos conflitos e de maior segurança para o mercado.
Assim, recomenda-se aos operadores logísticos, armadores e importadores a revisão de seus contratos, a adequação de procedimentos internos e investimento em capacitação jurídica e operacional para mitigar riscos.
“Além dessas recomendações, é essencial que as empresas produzam e arquivem toda documentação detalhada das etapas da operação, bem como façam o registro de comunicações e atualização dos sistemas de compliance interno, garantindo conformidade com o entendimento da ANTAQ”, completa o sócio do CGM Advogados.
Devolução de contêineres
Marin também adverte que o novo posicionamento impacta imediatamente a dinâmica de devolução de contêineres ao condicionar a demurrage à culpa do usuário e suspender a contagem de prazos em falhas logísticas ou eventos de força maior, a partir da primeira tentativa frustrada de devolução. Isso incentiva devoluções mais rápidas, reduzindo retenções indevidas, e exige notificações transparentes, com identificação do equipamento e valores diários. “Embora possam surgir disputas iniciais sobre comprovações de falha, a medida beneficia os usuários ao evitar custos injustos.”
Na eficiência logística, continua o CEO da Tek Trade, a decisão promove maior fluidez nos portos ao responsabilizar armadores e terminais por omissões, incentivando investimentos em infraestrutura e tecnologia, como sistemas de rastreamento em tempo real. A proibição de retenção de carga e a mediação ágil (120 dias) minimizam congestionamentos, contribuindo para a redução do Custo Brasil na logística portuária, essencial para um setor que movimenta 95% do comércio exterior nacional.
Por sua vez, Vivian, da Norcoast, destaca que a decisão da ANTAQ pode ter impacto relevante na dinâmica de devolução de contêineres e no fluxo operacional da cabotagem. Sem a cobrança automática da sobreestadia, reduz-se o incentivo à devolução tempestiva dos equipamentos, o que pode resultar em acúmulo de contêineres em clientes e terminais, gargalos em depósitos e aumento do custo logístico para reposição e reposicionamento de frota.
Paralelamente, armadores e terminais precisarão investir em controles mais robustos e sistemas de rastreabilidade para comprovar tentativas de devolução, recusas e indisponibilidades, medidas que, embora necessárias, aumentam a complexidade operacional e os custos administrativos.
“Em um contexto em que a infraestrutura portuária brasileira opera próxima da saturação, qualquer distorção no fluxo de devoluções pode afetar a eficiência da cadeia logística nacional como um todo, comprometendo a rotatividade dos equipamentos e, paradoxalmente, prejudicando o próprio usuário que a decisão busca proteger.”
A eficiência operacional e a previsibilidade regulatória são condições indispensáveis à continuidade e sustentabilidade da cabotagem, destaca a diretora Jurídica. Para ela, é fundamental que a aplicação do novo entendimento venha acompanhada de coordenação entre os agentes logísticos, melhoria da infraestrutura e critérios objetivos de responsabilidade, garantindo que o equilíbrio regulatório não resulte em perda de eficiência para o setor.
“O principal impacto imediato deste novo posicionamento é a maior cautela e burocratização do processo de entrega e devolução”, diz, agora, Braun, da Reis, Braun e Regueira Advogados Associados.
Ele lembra, como já foi citado, que os usuários tenderão a formalizar todas as tentativas de entrega, enquanto os transportadores marítimos passarão a exigir evidências concretas e exaustivas dos usuários, além de passar a manter uma comunicação mais próxima com terminais para fins de verificação de disponibilidade de janelas, como forma de prevenção a disputas.
Essa dinâmica pode reduzir a eficiência logística, pois acrescenta camadas documentais e incentiva comportamentos defensivos.
Por outro lado, diz Braun, pode gerar um efeito pedagógico positivo, estimulando melhores práticas de registro, comunicação e gestão entre usuários, transportadores e terminais.
“A expectativa é que a clareza trazida pela nova regulação incentive a devolução mais rápida dos contêineres, reduzindo o tempo de permanência nos terminais e, consequentemente, os custos logísticos totais. Essa eficiência operacional contribui para maior rotatividade dos equipamentos, melhor planejamento de estoques e redução de gargalos nos portos brasileiros. Contudo, a adaptação pode demandar investimentos em sistemas de gestão, comunicação e integração entre os elos da cadeia logística”, acentua Martho, do CGM Advogados.
Responsabilidade contratual
Como bem relatado, o entendimento da ANTAQ prioriza a responsabilidade contratual ao exigir contratos claros, com prazos, tarifas e responsabilidades bem definidos, além de notificações transparentes desde o primeiro dia de sobreestadia.
Segundo Marin, isso reforça a boa-fé contratual (Código Civil, art. 422) e promove a previsibilidade entre as partes. Contudo, pode ser percebido como transferindo custos de forma desigual no curto prazo, uma vez que armadores e terminais arcam com perdas em suspensões de contagem (ex.: falhas logísticas) e precisam investir em compliance e infraestrutura, enquanto usuários são protegidos contra cobranças indevidas, como os R$ 17 milhões bloqueados.
Em longo prazo, continua o CEO da Tek Trade, o equilíbrio prevalece, pois a redução de custos logísticos e litígios beneficia toda a cadeia, incentivando eficiência operacional e competitividade, em linha com padrões internacionais como os da FMC.
O sócio e head da área tributária do CGM Advogados também concorda que a correta alocação de responsabilidades nos contratos se impõe, evitando que riscos e custos sejam transferidos de forma excessiva a uma das partes.
A transparência contratual, agora um requisito exigido pela ANTAQ, incentiva a negociação equilibrada e o compartilhamento de riscos, promovendo relações comerciais mais estáveis.
Por outro lado, diz Martho, operadores menos preparados podem enfrentar custos adicionais para adequação, o que destaca a importância de planejamento e atualização constante dos contratos e políticas internas.
“Embora o novo entendimento da ANTAQ tenha como propósito estimular uma relação mais equilibrada e pautada na responsabilidade compartilhada, na prática ele tende a transferir custos de forma assimétrica entre as partes envolvidas”, aponta Vivian, da Norcoast.
Os armadores e operadores de cabotagem passam a assumir o risco integral de atrasos que fogem completamente ao seu controle, como greves, inspeções aduaneiras, falhas de terminais, congestionamentos e indisponibilidade de depósitos de vazios, eventos que não podem ser geridos nem previstos por quem opera o transporte marítimo.
Em vez de promover a corresponsabilidade entre os agentes da cadeia logística, o acórdão acaba por deslocar o risco econômico para um único elo, o que desestimula investimentos, reduz a atratividade do setor e pode repercutir no aumento dos custos logísticos nacionais, diz Vivian.
“O verdadeiro equilíbrio regulatório depende de uma matriz de risco clara e objetiva, na qual cada parte responde pelos eventos sob sua esfera de controle, preservando tanto a eficiência operacional quanto a sustentabilidade econômica da navegação costeira”, explana a diretora Jurídica.
Compliance regulatório
Finalizando, os participantes desta matéria especial analisam qual o papel que o compliance regulatório e a transparência contratual passam a desempenhar após essa mudança da ANTAQ.
“O compliance terá um papel central na adaptação das empresas ao novo entendimento da ANTAQ, já que será indispensável reforçar a rastreabilidade documental, com logs de gate, registros de devolução, relatórios de disponibilidade e evidências de comunicação, e assegurar o alinhamento contratual às novas exigências, de modo a prevenir questionamentos e garantir integridade nas cobranças.”
Mais do que adequação formal, continua Vivian, da Norcoast, o cenário exige atuação preventiva e colaborativa junto à Agência, com transparência nas práticas comerciais e participação técnica ativa em futuras revisões normativas.
“O caminho para a estabilidade regulatória e a segurança jurídica passa pelo diálogo setorial construtivo e pela formalização das diretrizes em norma clara e equilibrada, precedida de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) robusta, etapa essencial para evitar distorções econômicas e preservar a previsibilidade contratual que sustenta o transporte marítimo de cabotagem”, completa a diretora Jurídica.
Braun, da Reis, Braun e Regueira Advogados Associados, também considera que o compliance regulatório assume papel ainda mais central nesse novo cenário.
Com a introdução de conceitos abertos e a maior subjetividade na apuração de responsabilidades, as empresas precisarão reforçar suas práticas de governança documental e rastreabilidade das decisões operacionais, garantindo que todas as etapas do processo de entrega e devolução de contêineres sejam plenamente auditáveis.
Isso inclui o registro sistemático de comunicações com terminais e transportadores, a formalização das tentativas de agendamento e a guarda organizada de comprovantes de indisponibilidade de janelas, notificações e trocas de mensagens.
“Como se espera que a ANTAQ exija demonstrações concretas de diligência, a ausência de documentação clara e contemporânea enfraquece a posição do usuário e amplia o risco de imputação de responsabilidade pelo pagamento de sobreestadia.”
Da mesma forma, continua o advogado, a transparência contratual passa a desempenhar papel decisivo. O ideal é que procedimentos de devolução, critérios de comprovação das tentativas de entrega, prazos de comunicação, responsabilidades de cada parte e formas de resolução de impasses estejam claramente previstos nos documentos firmados entre transportadores e usuários.
A clareza dessas disposições contratuais reduz a margem de interpretação e confere maior segurança jurídica e previsibilidade.
“Em síntese, a decisão da ANTAQ impõe um novo padrão de documentação, rastreabilidade e transparência, convertendo o compliance em elemento indispensável de defesa e gestão de risco nas relações contratuais do transporte marítimo”, diz Braun.
Também para Martho, do CGM Advogados, compliance regulatório e transparência contratual assumem papel central nas operações. As empresas devem implementar controles internos que garantam a observância das normas da ANTAQ, incluindo auditorias periódicas, treinamentos, revisão de contratos e comunicação transparente com todos os envolvidos na cadeia logística.
A transparência contratual, por sua vez, torna-se não apenas uma exigência regulatória, mas também um diferencial competitivo, reduzindo conflitos e fortalecendo a reputação dos operadores no mercado.
Já para Marin, da Tek Trade, o compliance regulatório assume um papel crucial, exigindo que operadores implementem auditorias internas, sistemas de monitoramento em tempo real e relatórios trimestrais à ANTAQ para garantir conformidade com a Resolução nº 62/2021, evitando sanções por cobranças indevidas ou falhas logísticas. A transparência contratual torna-se igualmente essencial, com a obrigatoriedade de contratos claros que detalhem prazos, tarifas e condições de suspensão, além de notificações detalhadas e divulgação pública de políticas tarifárias. Isso reduz assimetrias informacionais e fortalece a boa-fé contratual, em conformidade com o Código Civil (art. 422).
“Ambos os elementos promovem segurança jurídica, facilitam resoluções ágeis de conflitos (ex.: mediação em 120 dias) e otimizam a eficiência logística, alinhando o setor marítimo brasileiro a padrões globais e contribuindo para a competitividade do comércio exterior”, comenta o especialista em comércio exterior.
Participantes desta matéria
CGM Advogados: É um escritório de advocacia full service que atende grandes empresas do Brasil e do exterior em mais de 30 áreas do Direito Empresarial. Com mais de 1.000 clientes atualmente, sendo 60% deles internacionais, representa companhias como Valentino, Syngenta Seeds, Maersk, Idea Zarvos, CVC Corp, Citibank, Cielo, Banco Luso, Levi Strauss, Lindt Sprüngli e Grupo Volkswagen.
Norcoast: É uma empresa brasileira de navegação costeira que opera de Norte a Sul do país. Atuando com um serviço que cobre seis portos – Paranaguá (PR), Itajaí (SC), Santos (SP), Suape (PE), Pecém (CE) e Manaus (AM) – aposta na logística integrada e, sobretudo, em um serviço de porta-a-porta. Tem uma frota de quatro navios, com capacidade para 3,5 mil TEUs cada.
Reis, Braun e Regueira Advogados: Com raízes no Direito Marítimo, sua principal área de atuação, expandiu suas atividades para outras áreas relacionadas, atendendo clientes de todo o espectro da cadeia logística. A sua carteira de clientes é composta por empresas nacionais e estrangeiras atuantes nos segmentos de transportes, logística e comércio exterior, atendidos nas áreas do Direito Marítimo, Direito Aduaneiro, Direito Aeronáutico, Transportes e Logística, Comércio Exterior, Direito Regulatório e Direito Empresarial.
Tek Trade: É uma empresa catarinense especializada em comércio exterior, e uma das fundadoras do Sinditrade – Sindicato das Empresas de Comércio Exterior do Estado de Santa Catarina. Com vasta experiência em operações de importação e exportação, oferece suporte a negócios internacionais de todos os tamanhos.
Participe da próxima edição! Mande sua sugestão de pauta para jornalismo@logweb.com.br.









