A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu recentemente, no julgamento do Recurso Especial nº 1.577.138/SP, que a cobrança de sobre-estadia de contêiner, conhecida como demurrage, tem natureza de cláusula penal. A decisão estabelece um novo parâmetro jurídico para os contratos de transporte marítimo no Brasil, impactando diretamente importadores, agentes de carga e armadores.
A demurrage sempre foi um tema controverso no setor portuário brasileiro. De acordo com estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) realizado em 2021, a ineficiência portuária e os altos custos da demurrage poderiam representar um aumento de até 20% nos custos logísticos das empresas. Apenas o complexo portuário de Santos (SP) movimentou 5,4 milhões de TEU em 2024, um crescimento de 15% em relação ao ano anterior — o que reforça a relevância do tema para o comércio exterior e a cadeia logística nacional.

Na prática, a decisão do STJ determina que o valor cobrado pelos armadores em casos de atraso na devolução de contêineres deve ser limitado ao valor equivalente ao próprio equipamento, salvo se houver prova de danos materiais adicionais. O tribunal entendeu que cobranças superiores podem gerar onerosidade excessiva e desequilíbrio contratual, princípios vedados pelo Código Civil.
Para o advogado Luiz Henrique P. Oliveira, especialista em Direito Marítimo e Portuário, a decisão reacende o debate sobre os limites da cobrança da demurrage no Brasil, embora não elimine a obrigação de pagamento por parte do usuário — seja importador ou agente de carga. Segundo ele, “a demurrage tradicionalmente é vista como indenização contratual pré-fixada e não cláusula penal, mas essa decisão certamente reabre o debate e traz uma nova discussão sobre o tema, uma vez que a Terceira Turma do mesmo STJ já havia decidido que sobre o valor da demurrage não caberia limitação”.
A recente interpretação da 4ª Turma altera essa visão ao classificar a demurrage como cláusula penal, sujeita aos artigos 412 e 413 do Código Civil, o que permite ao juiz reduzir valores considerados abusivos. Com isso, a cobrança pode ser ajustada, respeitando o princípio do equilíbrio contratual entre as partes.
O advogado também lembrou que o STJ já se manifestou sobre a prescrição da cobrança da demurrage em recurso repetitivo — mecanismo com efeito vinculante que padroniza a jurisprudência nacional. “O prazo prescricional para a cobrança de demurrage ficou pacificado, acabando com a divergência entre as turmas. Pode ser um caminho que o STJ venha a uniformizar através de um recurso repetitivo, como no caso da prescrição”, afirmou Oliveira.
A decisão marca um ponto importante na interpretação jurídica da demurrage e tende a influenciar futuros litígios sobre contratos marítimos e direito portuário no país.









