As vitórias e os desafios das soluções multimodais no Brasil

05/02/2018

Duas grandes empresas contam suas experiências e os entraves encontrados na tentativa de usar diferentes modais para melhorar suas atividades e reduzir custos em toda a cadeia.

Não é novidade que burocracia, gargalos, falta de políticas públicas e conflitos de interesses entre operadoras e governos prejudicam a adoção de soluções multimodais no Brasil. Mas nem por isso as empresas desistem, fazendo o que podem com os recursos que possuem.
Uma delas é a Monsanto, multinacional de agricultura e biotecnologia, especializada na produção de herbicidas e sementes. No Brasil desde 1963, conta com a colaboração de mais de 2.700 pessoas, em 40 unidades e 12 estados, além do Distrito Federal.
A empresa possui quatro CDs crop protection (proteção ao cultivo), sete CDs de sementes, seis plantas de sementes e duas fábricas de crop protection. Há três anos, decidiu iniciar um processo de transformação logística, com foco no desenvolvimento de três pilares: processos, pessoas e sistemas. Com esta reformulação, a área de logística passou a participar do planejamento estratégico e das tomadas de decisões. Foi nesta época que a companhia revisitou suas operações, identificou gargalos, estabeleceu um plano de ação e promoveu alterações nos processos logísticos, envolvendo a movimentação de sementes e produtos químicos.
Antes do projeto, o foco da área de logística e transportes de cargas era a malha rodoviária. “Tínhamos uma baixa confiabilidade de transportes, dificuldade em rastrear os veículos, algumas avarias e sinistros com as cargas, além de falta de produtos na fábrica e no cliente e um SLA (acordo de nível de serviço) específico para cada fornecedor”, conta Carlos Andrade, líder de Logística e Serviços ao Cliente da Monsanto para a América do Sul.
Em relação a sistemas, a implementação do TMS (Transportation Management System) representou uma grande inovação para otimizar os processos ao longo da cadeia, pois a ferramenta possui módulos de compra, planejamento, execução, pagamento e inteligência, que permite direcionar as estratégias operacionais com o menor custo e níveis de serviço. “O Brasil foi o primeiro país a utilizar o TMS dentro da Monsanto, nossa meta é reforçar a integração entre toda a cadeia, dar visibilidade e fomentar a automação dos processos para melhorar ainda mais os níveis de serviço”, comenta Johnny Ivanyi, gerente de Logística da Monsanto.
Para promover as mudanças com sucesso na operação dos insumos químicos entre as plantas de Camaçari, BA, e São José dos Campos, SP, a Monsanto encontrou na Aliança Navegação e Logística, líder em cabotagem no Brasil, um parceiro estratégico de negócios. Juntas, as empresas desenvolveram uma solução logística baseada na multimodalidade colaborativa. O projeto teve foco no desenvolvimento de um modelo logístico “porta a porta” para a gestão da movimentação dos cerca de 4.500 contêineres anuais, por meio da união dos fornecedores Aliança Navegação e Logística, MRS, terminal de contêineres Cragea e transportadora Salvador Logística. Em conjunto, as quatro empresas fazem a coordenação da operação de maneira otimizada, com mais qualidade, redução de custos e de impacto ambiental. A gestão da operação é realizada pela Aliança, que disponibilizou uma escala semanal para que o navio atraque nos portos de Salvador, BA, e Santos, SP.
Neste projeto de parceria multimodal, a Salvador Logística ficou responsável pelo transporte rodoviário na origem – entre Camaçari e o Porto de Salvador – e no destino, que inclui o trecho de São José dos Campos à fabrica do cliente e também do porto de Santos à fábrica (transporte esporádico). A MRS Logística realiza o transporte ferroviário entre o porto de Santos e o terminal ferroviário em São José dos Campos. Já o terminal Cragea representa o pulmão de contêineres na cidade do interior de São Paulo para atender os agendamentos de entregas na Monsanto. A armazenagem está dividida em dois locais: parte fica no Cragea (SJC) e parte na Salvador Logística (Guararema), como contingência em caso de não operacionalidade do primeiro terminal. Embora o projeto envolva quatro empresas de grande estrutura, a realocação de recursos foi pequena, já que a Aliança operava na ferrovia entre o porto de Santos e o terminal ferroviário em São José dos Campos, alterando de duas para três programações semanais.
“A inclusão do modal ferroviário no fluxo das cargas vindas de Camaçari e desembarcadas no Porto de Santos, com destino à planta de São José dos Campos, representou uma quebra de paradigma e um grande avanço em relação ao modelo logístico anterior”, enfatiza Marina Mamberti, supervisora de Logística da Monsanto. O transporte no trecho entre Santos e a cidade do interior paulista, antes realizado somente por rodovia, passou a ser feito majoritariamente pelo modal ferroviário.
Para Jaime Batista, gerente nacional de vendas da Aliança, o projeto “Multimodalidade colaborativa como solução logística” mostra a possibilidade de desenvolver uma logística porta a porta bem-sucedida com o uso da multimodalidade, para uma demanda bastante complexa e delicada. “Conseguimos atender a normas rígidas de segurança exigidas pela Monsanto, além de propiciar redução de custo logístico, menor impacto ambiental em toda cadeia logística, valorizando a sustentabilidade”, destaca o executivo.
Entre os benefícios do trabalho em conjunto é possível citar:
• Aumento da capacidade operacional no modal marítimo e na parte intermodal (combinação do rodoviário com o ferroviário)
• Melhora nos processos de entrega e redução de riscos de parada da planta na Monsanto, a partir do desenvolvimento do plano de contingência
• Diminuição das emissões de CO2
• Melhora na gestão do estoque em trânsito
• Redução de riscos de avarias das mercadorias
• Simplificação do processo de pagamento da Monsanto, por meio da emissão de um único documento do percurso multimodal pela Aliança e utilização do TMS
• Otimização de recursos que geraram mais sinergia no processo
Para que a operação seja mais benéfica, alguns fatores ainda podem ser melhorados, segundo Andrade, da Monsanto, mas não dependem apenas das empresas. Por exemplo, a falta de players prejudica a competitividade. A burocracia e o risco de greve portuária, bem como a malha ferroviária insatisfatória desfavorecem os investimentos.
Não por falta de tentativa
Mas nem sempre a busca pela integração de modais traz os resultados esperados, pois o processo pode esbarrar em uma série de entraves que inviabiliza qualquer mudança. É o caso da Buritirama, que realiza atividades de mineração, processamento e comercialização de uma das melhores reservas de minério de manganês do mundo, localizada na Serra de Buritirama, na cidade de Marabá, PA. A empresa possui um amplo sistema de logística, e a partir do Centro de Distribuição (CILT), em Marabá, transporta o minério através de balsas, via Rio Tocantins, até o porto de Vila do Conde, Pará, ou utiliza ferrovia até o porto de Itaqui, Maranhão.
José Eduardo Lamaneres Wendler, diretor comercial e de logística, conta que a empresa tem alguns clientes de mercado interno, alguns deles, inclusive, exportadores de contêineres, que buscavam enxergar sinergias que pudessem reduzir os custos, bem como capturar oportunidades. Como a ideia era transferir maiores volumes a custos mais adequados, fazia todo o sentido trabalhar alternativas de cabotagem. “Existe uma mística de que, com maiores volumes envolvidos em uma única operação, aliados a fretes oceânicos competitivos, a cabotagem seria uma opção convidativa e segura, especialmente comparando com as continentais distâncias que devem ser percorridas de caminhão”, relata.
Ele explica que a ênfase é na palavra mística, já que a operação marítima (tanto em bulk quanto em contêineres) sofre de uma gama de obstáculos e custos que – no caso da cabotagem – tendem a desequilibrar, ou inviabilizar, as margens pretendidas com seu uso. No caso do embarque em bulk, a operação foi afetada pela falta de navios do tipo, caracterizados como utilizáveis pelas regras de proteção de bandeira, bem como as dificuldades apresentadas na falta de um porto público qualificado no Sudeste ou TUP interessado para a descarga e a operacionalização da transferência de minério para o cliente final.
“Quando buscamos operação em contêineres, identificamos não haver conexões entre os modais. Basicamente as cargas que poderiam ir no modal ferroviário para o Itaqui se rendiam inúteis, dado o fato de não haver escalas de navios de contêineres em cabotagem naquele porto. E no porto de Vila do Conde, para onde existem escalas de navios de contêineres para a cabotagem, não existe acesso de ferrovia. Desta forma, onde tem ferrovia não tem contêiner e onde tem contêiner não tem ferrovia. Nossas premissas de projeto eram de 20.000/25.000 toneladas por mês, para clientes específicos no interior de Minas e de São Paulo”, relata Wendler.
Basicamente, a Buritirama utilizou todas as alternativas apropriadas à operação: transporte marítimo em cargas bulk, transporte marítimo em contêineres, transporte ferroviário na malha Norte-Sul, em vagões simples e/ou contêineres. “Encontramos entraves burocráticos e estruturais das empresas de navegação e certa miopia de ferrovia e operadores. O projeto certamente traria o principal benefício de atender uma demanda de maiores volumes por parte de nossos clientes, além de retirar das estradas mais de 27.000 caminhões por ano”, expõe.
A empresa acredita que, dado o comportamento atual da logística e da forma de se operar, a única forma de melhorar esse processo seria o fim da proteção de bandeira na cabotagem ou a apresentação de um conjunto de regras que adaptasse uma concorrência mais justa e saudável ao monopólio que existe.
“Os projetos logísticos mais complexos, e que buscariam apenas capturar as vantagens da infraestrutura existente, quando confrontados com um pensamento direcionado ao tratamento das questões de hoje com as soluções de ontem está fadado a não prosperar, não obstante os esforços e as vantagens gerais que tal sucesso viesse trazer, nem quão simples seriam as soluções regulatórias e institucionais para seu sucesso”, finaliza Wendler.

Ajuda
Para auxiliar nos trâmites relacionados ao transporte aquaviário, a Antaq publicou no dia 26 de dezembro de 2017 a Resolução Normativa nº 18, que dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários, dos agentes intermediários e das empresas que operam nas navegações de apoio marítimo, apoio portuário, cabotagem e longo curso.
Após três anos de estudos e recebimento de mais de mil contribuições nas duas audiências públicas, a Antaq editou norma para punir os abusos de prestadores de serviços. Até então, não havia norma para proteger o usuário, o que causava insegurança jurídica e condutas abusivas, especialmente de demurrage de contêiner, omissão de porto, carga deixada em outro porto e fora do prazo, retenção de carga, despesas portuárias, pelos armadores e seus agentes intermediários. A entidade deixa claro que se coloca à disposição dos usuários para ajudar a sanar qualquer problema relacionado ao assunto. Mais informações no site portal.antaq.gov.br.

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