A vida na crise mundial

19/09/2008

Agora já aconteceu. Parabéns aos que ganharam. Aos que perderam, recomendo que deixem de ser bebês chorões. Afinal de contas, participaram de um jogo com resultado mais do que previsível.

Cá entre nós, será possível que as empresas da bolsa de valores poderiam continuar crescendo a uma média de 42,5% ao ano – como aconteceu entre 2003 e 2007 – enquanto a produção não chegava a 10% disso? Só bobo para acreditar! Por isso não tenho nenhuma pena dos que perderam dinheiro no mercado de ações no decorrer da atual crise financeira. Isso era previsto pelas regras do jogo; e ganhos altos sempre combinam com riscos elevados e ponto final.

Mas e agora? Onde vamos parar? Como vários economistas responsáveis anteciparam, a crise da sub-prime (empréstimos de liquidação duvidosa no mercado imobiliário dos EUA) não deixaria de provocar outras ondas sísmicas no mercado financeiro, podendo quebrar diversas instituições de crédito. É o que está acontecendo. Por conta disso, há estimativas de que o governo norte-americano já injetou US$ 1,5 trilhão nos bancos e seguradoras em dificuldades, para que todo o sistema monetário não desabe. Então, só lá o preço da encrenca já chegou a mais ou menos dois Brasis.

Até o momento, a posição das autoridades econômicas  brasileiras é a politicamente correta nessas circunstâncias: tranqüilizar o mercado, mostrando que o país está bem protegido. Claro, eles têm a obrigação de falar isso. Mas é tudo mentira.

Em agosto, as reservas internacionais do Brasil estavam em US$ 205 bilhões, o que, em tese, asseguraria o lastro das relações internacionais. Mas esse dinheiro pode ir embora rapidinho. Em junho e julho, o saldo das transações correntes do Brasil superou os US$ 2 bilhões no vermelho, segundo o Banco Central. Outro dado: entre abril e o mês passado, o volume negociado na Bolsa de São Paulo caiu de R$ 140,7 bi para R$ 101 bi, já por conta da saída do capital estrangeiro das ações (R$ 17 bi entre junho e agosto)

Agora, em setembro, dificilmente o montante negociado irá passar de R$ 80 bilhões, com a intensificação da saída dos investidores externos, que também devem estar resgatando seus títulos da dívida brasileira para cobrir prejuízos nos EUA, Europa, etc.; e também por medo de que a instabilidade ameace a liquidez do dinheiro.

Números demais complicam! Então, vamos colocar só mais um dado para esclarecer a situação. Entre os últimos dias 15 e 17 a cotação do ouro subiu 10%. Esse é o movimento típico daqueles que buscam se proteger dos tempos turbulentos, retornando ao hábito humano de mais de 4000 anos de entesourar a riqueza.

Em resumo, o dinheiro fácil virou coisa do passado com o enxugamento de liquidez, que deve aumentar ainda mais nas próximas semanas. E o dinheiro difícil deve ficar mais difícil ainda, já que quem o tem, tenderá a preferir correr menos riscos.

E só um milagre reverterá tal contexto no curto e médio prazo. O ajuste da economia brasileira e mundial, cedo ou tarde, iria mesmo  acontecer. Com menos moeda em circulação, os juros efetivos tenderão a subir no mundo. Dificilmente do escaparemos de uma recessão global.

No dia-a-dia do brasileiro, a nova realidade só será claramente percebida ao cabo de uns três ou quatro meses. Ou seja, a economia entrará em 2008 com o pé esquerdo. Algum tipo consistente de recuperação ficará para o ano seguinte ou 2010.

Nada de entrar em pânico, pois isso só piora a situação.

Para as empresas momento é de redimensionar estoques para baixo; criar sistemas de reavaliação da carteira de pedidos de médio e longo prazo; e buscar uma posição de maior liquidez possível; não esquecendo que a desvalorização do real pode gerar oportunidades exportadoras, mesmo em um mundo bem menos disposto a comprar. Mas o ganho de competitividade da moeda pode ser um artifício importante para sustentar posições de internacionalização.

Para as pessoas físicas, o melhor é reduzir o endividamento (não contratar novos créditos) e tentar ficar o mais capitalizado possível. Em momentos como o qual estamos nos preparando para atravessar, tradicionalmente o preço de imóveis, empresas e outros ativos de pouca liquidez tendem a cair. E nesse ambiente, quem tem dinheiro em caixa, possui maior poder de compra.

No mais, o negócio é respirar fundo e olhar para frente, encarando os fatos. Um lembrete: mesmo os momentos de crise são cheios de oportunidades. O negócio é saber enxergá-las e dimensionar as ações levando sempre em consideração o contexto histórico no qual está se vivendo.

 
 

Eduardo Starosta é economista: eduardostarosta@uol.com.br

 

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