Por meio de um estudo de caso, veja como as atividades de gerenciamento logístico podem garantir o sucesso de uma operação de importação
Leandro Callegari Coelho
Editor do site Logística Descomplicada (http://www.logisticadescomplicada.com). Cursa PhD em Gestão de Operações e Logística no HEC Montreal, no Canadá, sendo membro do CIRRELT – Centro Inter-universitário de Pesquisa em Redes de Empresa, Logística e Transportes (www.cirrelt.ca). É mestre em Engenharia de Produção com foco em Logística e Transportes, possui especialização em Administração e é graduado em Engenharia de Produção Elétrica. Atua na área de estratégia logística e estatística aplicada, especialmente modelos de previsão e redução de estoques.
Carlos Araújo
Editor do site Comexblog (http://www.comexblog.com.br). Cursa mestrado em Contabilidade na Fucape/ES, pós-graduado em Logística e Comércio Internacional. É despachante aduaneiro especializado em produtos perecíveis e atua na área de logística internacional, envolvendo decisões da escolha de transporte, suas características técnicas e procedimentos alfandegários de alimentos como: frutas frescas, secas, pescados, especiarias, congelados, azeites e azeitona.
A logística aduaneira envolve decisões como escolha dos tipos de transporte, suas características técnicas, cumprimento de exigências sanitárias e desembaraço alfandegário.
O mundo econômico atual obriga a sociedade a ser cada vez mais interativa, dinâmica e evolutiva, o que exige das empresas a busca pela fidelização dos seus clientes. E de nada adianta entregar o bem se o consumidor final não ficou encantado. Nas operações logísticas devemos ter isso em mente: não basta fazer o transporte, a armazenagem e entrega – é preciso fazer algo a mais.
E como o ciclo dos produtos ficou mais curto (o tempo decorrido entre o pedido, fabricação, transporte e entrega é cada vez menor, mesmo para produtos vindos do outro lado do mundo), as empresas se veem obrigadas a inovar rapidamente e não deixar seus produtos se tornarem commodities, o que reduz as margens e dissipa a vantagem competitiva criada pela empresa. E essa inovação precisa passar pela otimização dos serviços, de forma que as necessidades e expectativas do cliente sejam superadas.
Sabe-se que a cada dia mais o consumidor quer mais qualidade pelo menor preço, quer mais valor agregado e a logística é a chave para esse processo de encantamento do cliente. É ela quem proverá recursos, informações, tecnologia adequada e equipamentos para as diversas atividades de uma empresa.
As atividades logísticas possuem diversos segmentos, que incluem o transporte, o armazenagem, a separação, a preparação e a movimentação de insumos e produtos. Algumas possuem baixo grau de sofisticação, mas outras são altamente tecnológicas. Embora essas atividades venham sendo feitas há décadas, mesmo antes dos computadores e da tecnolgia de informação estarem presentes no nosso dia a dia, é fato que para operações de grande porte e complexidade é impossível obter sucesso sem um certo avanço tecnológico.
Por falhas em processos na logística internacional, muitas empresas oferecem produtos e serviços caros e de má qualidade. Veja quais os principais problemas e pontos para ter mais atenção.
Nas operações internacionais há uma atividade extremamente sofisticada, que é o planejamento logístisco aduaneiro, ou logística aduaneira. Ao longo deste artigo destacaremos as principais atividades da logística aduaneira, com atenção a pontos nos quais muitas empresas pecam e perdem dinheiro e clientes, por oferecerem produtos e serviços caros e de baixa qualidade.
A logística aduaneira
Na logística aduaneira todas as etapas de uma compra ou venda internacional (importação ou exportação) são analisadas em seus pequenos detalhes, de forma que a estruturação e administração desse processo estejam conectadas com o core business dos clientes. A logística aduaneira envolve decisões como escolha dos tipos de transporte, suas características técnicas, cumprimento de exigências sanitárias e desembaraço alfandegário, entre outras que veremos a seguir.
Existem estudos apontando que os custos logísticos representam 13% do PIB no Brasil, enquanto nos países desenvolvidos esse valor está entre 8% e 10%. Além de uma infraestrutura inadequada e deficiente, um dos principais motivos para essa diferença é a falta de planejamento no início do processo logístico, antes mesmo da movimentação de qualquer produto. Você verá por que isso é tão importante.
Parte da razão de os custos logísticos no Brasil serem tão altos está na infraestrutura deficiente; outra parte, na falta de planejamento para fazer as coisas da melhor maneira possível, com todos os procedimentos realizados da forma adequada.
Para ilustrar a importância desse processo decisório e de planejarmos as tomadas de decisões, utilizaremos um estudo de caso de compra internacional do bacalhau, produto mundialmente apreciado e que, segundo relatos, foram os Vikings os pioneiros na descoberta desta iguaria gastronômica.
Processo de compra do bacalhau norueguês
Neste estudo de caso, analisaremos todas as etapas para a importação de bacalhau da Noruega e enfatizaremos a complexidade logística do processo e a importância do planejamento antes mesmo da mercadoria ser importada.
Aalesund, uma pequena cidade da Noruega, de apenas 40.000 habitantes, é a capital mundial do bacalhau, pois contém diversas indústrias de beneficiamento e preparação deste peixe.
Bacalhau é o nome comum dos peixes geralmente do gênero Gadus, COD, Saithe, Ling e Zarbo, que habitam as águas frias do oceano atlântico nas regiões do Canadá, mar da Noruega e o oceano Pacífico na região do Alaska, portanto muito longe do Brasil. Ainda assim, faz bastante sucesso por aqui e, para garantir que o peixe consumido na mesa do consumidor seja fresco e de qualidade, não só os produtores noruegueses precisam fazer um bom trabalho, como também os importadores brasileiros.
E o planejamento logístico, ou a logística aduaneira desse processo, inicia na hora do pedido de compra do importador brasileiro.
Antes de decidir por qual exportadora ou por qual tipo de bacalhau ele irá comprar, é preciso analisar as exgiências sanitárias e aduaneiras existentes no Brasil. Chamamos isso de tratamento administrativo, e se configura uma importante etapa a ser vista por aqueles que desejam importar e revender esse alimento amplamente consumido principalmente durante a sexta-feira santa.
No Brasil, os órgãos intervenientes no processo de liberação aduaneira são a Receita Federal do Brasil (no controle aduaneiro) e o Ministério da Agricultura (no controle sanitário).
Esse produto necessita de autorização prévia ao embarque, e o importador precisa estar cadastrado no RADAR (Ambiente de Registro e Rastreamento da Atuação dos Intervenientes Aduaneiros) da Receita Federal, no Ministério da Agricultura e ter o rótulo do produto aprovado por este órgão.
A autorização prévia consiste na obtenção da Licença de Importação não-automática, emitida pelo importador no Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior) e deferida (autorizada) pelo Ministério da Agricultura. A autoridade sanitária procederá com a análise cadastral do importador, análise documental (fatura proforma) e análise do rótulo do produto, de responsabilidade do DIPOA – Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal, ligado ao Ministério da Agricultura.
Esse acompanhamento é feito pelo interessado por meio do sistema eletrônico da Receita Federal e somente após o deferimento é possível iniciar os trâmites de transporte da carga. No Brasil, a autorização para que a carga seja embarcada é de 60 dias após a concessão da autorização.
Não cumprir qualquer das etapas acima poderá acarretar em sanções administrativas, multas ou até perda da carga do importador. Mas se tudo estiver quite, o próximo passo é pensar no transporte. Repare quanto trabalho administrativo já foi feito antes mesmo de a carga estar disponível no país de origem. Só a partir desse momento se pode passar à primeira atividade de transporte.
O transporte internacional
De Aalessund (Noruega) até o porto de Santos, a carga pode viajar por até 3 semanas. Para maximizar o custo/benefício da operação é preciso utilizar um contêiner adquado ao tamanho e tipo de mercadoria. Em muitos casos um contêiner simples é suficiente, mas para produtos que sofrem corrosão no ambiente salino do mar é preciso utilizar contêineres especiais, assim como para produtos congelados/resfriados é preciso um contêiner com refrigeração.
Transportar bacalhau exige um equipamento refrigerado de 40’ para que a qualidade e o sabor da mercadoria não sejam comprometidos. É possível carregar 1.000 caixas de 25 kg cada, totalizando 25 toneladas de carga, ajustado na temperatura ideal, entre 2 e 4 graus centígrados. Assim, nas condições ideais e com um produto de primeira linha, um único contêiner pode carregar até 300 mil dólares de um dos melhores peixes do mundo.
Desde o carregamento, passando pelo transporte interno até a chegada ao porto e o seu carregamento para o navio, o contêiner precisar estar ligado na energia para não haver oscilação de temperatura. Isto requer caminhões capacitados para fazer esses percursos e é mais uma etapa em que um detalhe logístico pode afetar a qualidade e a integridade de todo um processo de classe mundial.
Durante o envio da carga para o Brasil
A partir do momento que a carga for despachada nos portos de origem e tem-se que aguardar sua chegada ao Brasil, ainda há algumas operações a serem realizadas. Detalharemos alogística aduaneira da importação de bacalhau da Noruega para o Brasil e alguns procedimentos após o embarque da carga na origem e as atividades para a liberação após a chegada ao Brasil.
Por conseguinte aos procedimentos aduaneiros no porto de origem, a carga é embarcada em um navio de contêineres e segue viagem para o Brasil. Como Aalesund é considerada um porto alimentador, a carga segue para Hamburgo, na Alemanha. Portos alimentadores são aqueles de pequeno e médio porte que normalmente recebem navios com capacidades entre 300 e 500 TEU. Esses navios servem como intermediários entre esses portos e os terminais de contêineres, grandes portos que recebem os grandes navios porta-contêiner (Panamax, Suezmax e Capesize). Lá, acontece o transbordo para um navio maior, mantendo as mesmas características técnicas iniciais. Nesses grandes portos, além de capacidades técnicas maiores, esses grandes navios ganham em eficiência, pois muita carga vinda dos portos alimentadores é consolidada para fazer o transporte transoceânico.
Nas três semanas de viagem da carga, é importante que o exportador prepare toda a documentação necessária e a remeta ao importador. É preciso emitir a fatura comercial, o packing list; o conhecimento de embarque; uma declaração do exportador indicando o lote do produto; o certificado de origem na câmara de comércio local e o certificado sanitário, emitido pela autoridade sanitária noruegesa.
Dependendo da forma de pagamento, essa documentação poderá ser remetida diretamente ao exportador por correio expresso (courrier) ou por meio de cobrança documentária, nesse caso entregue ao banco do exportador e remetido para o do importador.
Todo este trâmite de documentos não deve demorar mais que uma semana, pois o importador precisa conferir a documentação, principalmente se ela atende às exigências da legislação brasileira. Se algo precisar ser alterado, ainda há tempo sufienciente para o processo. Enquanto isso, a carga atravessa o Atlântico a uma velocidade de aproximadamente 40 km/h.
Todas as etapas precisam ser cumpridas no menor tempo possível. Qualquer deslize ou atraso pode gerar custos adicionais que não foram previstos no planejamento inicial, além de diminuição da qualidade do produto.
Com tudo conferido e nada por alterar na documentação, agora é acompanhar a chegada da carga por meio de comunicação com a companhia marítima. Assim que se tiver a confirmação da chegada da carga, o importador precisa solicitar à autoridade aduaneira a autorização de remoção do contêiner do porto para uma zona secundária, por meio de um trânsito aduaneiro. Isso minimiza o risco da carga ficar no porto sem qualquer tipo de controle da temperatura.
Nesse ínterim, o importador precisa fazer uma previsão financeira das despesas para liberação da mercadoria. Será preciso pagar os Impostos incidentes, as despesas aduaneiras e outros custos do processo, que dependendo do valor da carga pode alcançar centenas de milhares de reais. Neste nosso estudo de caso, um contêiner com bacalhau gera despesas de aproximadamente R$ 120.000,00 depois de sua chegada ao Brasil. Assim, é hora de vermos como é feito o pagamento neste tipo de operação internacional.
Pagamento ao exterior – Para qualquer importação no Brasil, e com o bacalhau não é diferente, o pagamento ao fornecedor é feito em uma moeda de livre conversibilidade e aceitabilidade. Na ampla maioria dos casos é usado o dólar americano, apesar do crescimento das operações em euros, especialmente para importações da Europa. Para isto, o comerciante estabelecido no Brasil precisa, obrigatoriamente, efetuar uma operação de câmbio – o envio dos recursos para pagamento pela mercadoria, entre empresas que se encontram em países diferentes.
No Brasil, a intervenção bancária nas operações de câmbio é obrigatória, não havendo exceção para o pagamento de recursos oriundos de uma transação comercial, sem que um banco esteja trabalhando como intermediário.
As modalidades de pagamento no comércio exterior são divididas em quatro:
a. Pagamento antecipado, quando o pagamento é feito antes da carga ser embarcada pelo exportador;
b. Remessa direta (a vista e a prazo), quando a documentação da carga é remetida diretamente ao importador, sem a intervenção de nenhum banco, e o pagamento é feito na data combinada comercialmente. Esta modalidade é muito arriscada, uma vez que não existe o reconhecimento documental da dívida por parte do importador;
c. Cobrança (a vista e a prazo), quando o envio da documentação da carga e a cobrança são gerenciados por meio de um banco indicado pelo exportador que tenha correspondente no domicílio do importador.
d. Carta de Crédito (à vista e a prazo), quando a operação comercial é lastreada por um crédito documentário, emitido por um banco no país do importador, em que garante o pagamento ao exportador, desde que se cumpram os termos pactuados entre o vendedor e o importador.
Em uma operação de importação de bacalhau, o termo mais utilizado é a carta de crédito, por conta dos riscos comerciais envolvidos e pelo valor da transação. Entretanto, nada impede que outras modalidades sejam utilizadas, de menor ou de maior risco comercial. Tudo vai depender do relacionamento comercial entre as partes.
Liberação da carga no Brasil
Após os recursos provisionados, a operação cambial concluída e a transferência da carga para o armazém especializado finalizada, é preciso iniciar o processo de liberação junto à autoridade sanitária no local do desembaraço.
Antes de a carga ser liberada pela Receita Federal, é preciso que o Ministério da Agricultura faça a inspeção e verifique se o rótulo do produto está de acordo com as normas exigidas no Brasil. Após essa etapa, o importador já pode iniciar o despacho aduaneiro, com o registro da Declaração de Importação.
O processo aduaneiro depende de diversos fatores, mas sempre tem o mesmo cronograma:
. Lançamento das Informações no Siscomex e Débito dos impostos em conta corrente;
. Seleção parametrizada do canal, onde o Verde tem o desembaraço automático, o Amarelo terá apenas a conferência documental, o Vermelho terá a conferência documental e física da mercadoria e o Cinza terá a conferência do valor aduaneiro da carga (Verde, Amarelo, Vermelho ou Cinza).
. Apresentação da documentação na alfândega de desembaraço, nos casos previstos na legislação;
. Nos casos selecionados, a carga passará pela análise documental e conferência física;
. Após todas as exigências sanadas, a carga é liberada e o importador poderá retirar a carga.
Com a mercadoria retirada, a próxima etapa é a transferência do bacalhau para um armazém refrigerado, autorizado pelo ministério da Agricultura, para ser inspecionado pelo SIF (Serviço de Inspeção Federal do Ministério da Agricultura).
O SIF é um sistema do Ministério da Agricultura que avalia a qualidade do produto de origem animal, na qual o bacalhau está inserido, que verifica se os requisitos mínimos de qualidade para o consumo foram atendidos e se a mercadoria está própria para o consumo humano. Os produtos aprovados recebem um selo de aprovação do SIF.
Somente após essa nova inspeção é que a mercadoria estará pronta para ser comercializada.
Conclusão
Todas as etapas precisam ser cumpridas no menor tempo possível. Qualquer deslize ou atraso pode gerar custos adicionais que não foram previstos no planejamento inicial, além de diminuição da qualidade do produto, visto que muitos têm prazos para consumo.
Muitos problemas podem ocorrer ao longo desse processo e poderão gerar gastos não previstos: multa por sobre-estadia de contêiner, adicionais de armazenagem, aumento repentino da taxa do dólar ou não cumprimento de alguma exigência aduaneira ou sanitária são exemplos de problemas que podem inviabilizar a operação ou tornar o produto mais caro. No entanto, com planejamento e competência um bom profissional pode mitigar muitos desses riscos.
É preciso estar vigilante sempre e planejar a operação nos mínimos detalhes. Para isso, é necessário pesquisar e conhecer todas as etapas do processo. Ou então, o bacalhau da sexta-feira santa só estará pronto para a venda no dia das mães.









