Ao completar 50 anos de formado em engenharia, Vantine faz uma ampla avaliação da logística no Brasil

12/12/2022

Vantine – Logística é uma ciência híbrida que incorpora teoria e conceitos de outras quatro ciências: Administração de Empresas, Administração de Marketing, Economia e Finanças e Engenharia de Produção.

José Geraldo Vantine é um dos nomes mais respeitados no mercado quando se fala em Logística e Supply Chain. Ele é engenheiro de produção com formação complementar em Logística e Supply Chain Management na The Ohio State University e na Cranfield School of Management. Ele foi superintendente de Logística Industrial na General Motors do Brasil, além de CEO da Vantine Consulting, pioneira na especialização, tendo gerenciado mais de 800 projetos em mais de 300 empresas, como Petrobras, Gerdau, Electrolux, J&J, Bosch, Ambev, Nestlé, Embraer, Fnac, Nike, Asics, Hering, LG, MRS e Pão de Açúcar.

Vantine ministrou dezenas de palestras no Brasil e exterior, escreveu centenas de artigos para revistas e jornais e foi apresentador do editorial televisivo “Logística com Vantine”, no programa “Brasil Logística e Transportes” na TV Record News.

Ele também é autor de vários vídeos e dos livros “Administração Estratégica da Logística” e “Nos Caminhos da Logística”.

Em 2016, em reconhecimento aos serviços voluntários prestados aos setores de Transporte e Abastecimento, Vantine foi laureado com Medalhas de Mérito do Transporte pela NTC – Associação Nacional de Logística e Transportes, e de Reconhecimento pela ABRAS – Associação Brasileira de Supermercados.

Nesta entrevista a Logweb, quando comemora os seus 50 anos de formação em engenharia, Vantine fala da logística no Brasil, dos grandes momentos do setor e da sua vida profissional e, ainda, dá conselhos aos que atuam ou estão começando a atuar na Logística. Veja a seguir.

Qual o motivo que o levou a cursar engenharia?

Na época, há 50 anos, as alternativas de formação acadêmica não eram tantas quanto hoje, existia ciências exatas, ciências biológicas, ciências sociais. A engenharia também não oferecia tantas variações quanto hoje, no máximo quatro ou cinco especializações. Eu sabia o que eu não queria: pelo meu perfil muito racional, não me daria bem com ciência que não fosse na área de exatas. Estudei a especialização da engenharia mecânica industrial, tendo me formado no dia 27 de novembro de 1972. Na época, grandes transformações aconteciam no mundo, tanto na política quanto na ciência, mas nos oferecendo oportunidades de ser protagonista da evolução e do desenvolvimento, talvez, da mais complexa etapa da humanidade. Isso forjou a que seria a minha estrada na logística durante os 50 anos seguintes.

Eram os engenheiros que cuidavam da logística há 50 anos? Como foi o crescimento do pessoal para atuar no setor?

Na verdade, não! No meu primeiro emprego, já em novembro de 1972 na General Motors do Brasil, eu fui o primeiro engenheiro no departamento de Supply que tinha como missão apenas a área de Suprimentos (Compras, Follow up, Armazenagem, Movimentação e Abastecimento da Produção). Me lembro que a totalidade de gerentes e diretores era focada na grande experiência e menos na competência acadêmica, com exceção de nas áreas de manufatura, qualidade e desenvolvimento de produtos, onde todos eram engenheiros. Na área de Supply eu encontrei um caminho aberto que coincidiu com os talentos que eu entendia possuir, como: visão racional, facilidade de visão tridimensional, raciocínio lógico e um bom conteúdo de liderança. Eu sempre entendi que não é a gente que escolhe a vida, mas é a vida que escolhe a gente. E assim foi no meu primeiro passo, ou seja, por que eu fui contratado para a área de suprimentos? Porque, ao encerrar o período de estágio no 5º ano da faculdade, nós estagiados fomos chamados para uma sala de reunião, na qual o Gerente de Treinamento apresentou as vagas disponíveis para contratação e, naquela oportunidade, todo engenheiro sonhava em trabalhar na produção ou no controle de qualidade. Ocorre que nenhuma das duas vagas me interessara, foi quando ele apresentou uma vaga de “Engenheiro de Desenvolvimento de Fornecedores” na área de Suprimentos. Pedi explicações, me interessei e pedi para conhecer mais detalhes, o que aconteceu no dia posterior. Acompanhado por um projetista, andei por todas as áreas que já havia caminhado durante um ano, e nunca tinha observado o grau de importância do fluxo dos materiais desde a entrada das matérias primas até a finalização de motores e automóveis.

Olhei a ocupação espacial, as áreas de armazenagens, as empilhadeiras, as pontas rolantes, e foi paixão à primeira vista. De imediato, procurei o Gerente de Treinamento e me candidatei à vaga, tendo sido contratado de imediato.

O termo Logística não era utilizado nem no Brasil, nem nos Estados Unidos, só fui encontrá-lo bem mais à frente. Tal qual uma floresta virgem, e um jovem engenheiro apaixonado pelo que fazia, meu primeiro trabalho foi Estudo de Tempos e Métodos para dimensionamento de mão de obra para atividades não produtivas (recebimento, movimentação, almoxarifado etc.). Logo em seguida, um outro trabalho de engenharia que nunca havia sido feito na GM: Estudo Técnico Qualitativo e Quantitativo dos Equipamentos de Movimentação de Materiais (na época, chamado de Manuseio de Materiais, hoje, de Intralogística).

Esses dois trabalhos jogaram um facho de luz sobre mim e acabei ficando em posição de destaque, não apenas por mérito, mas, principalmente, pelo esforço, dedicação e o poder de criatividade de transformar gestão empírica em gestão técnica. Vieram as promoções e pouco mais de quatro anos depois eu já tinha atingido o “Código 9 – Superintendente de Engenharia de Movimentação de Materiais” – atualmente, Logística Industrial.

Como era a logística na época em que você iniciou na área? Quais as diferenças para hoje?

Como disse, o termo Logística só veio ao meu encontro em 1975 em Detroit/USA, durante período de projeto de lançamento de um novo veículo e construção da nova planta da GM em São Jose dos Campos, SP. Meus colegas americanos me introduziram no “Institute of Logistics Engeneering”, e, pelo próprio nome, está claro que no berço da industrialização, a Logística nasceu como Engenharia Industrial e só bem mais tarde foi criando competências. Essa Logística dos anos 1970, até meados dos anos 1980, tinha como responsabilidade tudo o que se chama hoje de Intralogística, incluindo, ainda, Estudos de Layout, Estudos de Tempos e Métodos, Cálculo de Produtividade, Sincronização de Abastecimento de Linhas de Produção, Armazenagem de Peças e Componentes, bem como de Produtos Acabados.

A área de Transporte não pertencia ao Setor de Logística, era uma área paralela e ambas respondendo à Diretoria de Administração de Materiais. Como fui sempre um estudioso e protagonista na evolução da Logística em reuniões e congressos internacionais e sempre “trocando figurinhas” com colegas americanos e alemães, pude testemunhar e vivenciar o crescimento da Logística para fora das quatro paredes das fábricas. Eu participava também como membro da NCPDM – National Council of Physical Distribution Management, que já reunia colegas profissionais da área de Distribuição Física de produtos acabados para o varejo, e eis que em 1986 (por coincidência, ano de fundação da Vantine Consulting), Administração de Materiais e Distribuição Física se casaram e aí nasceu o Council of Logistics Management. E aí surgiu a Logística que conhecemos até hoje.

Como toda ciência, a Logística permaneceu com a definição original, porém com o avanço de todas as tecnologias, da globalização e dos modos de transportes, a Logística passou a ter papel fundamental para o tempo presente, principalmente dos últimos cinco anos, em que fluxos físicos e fluxos de informações passaram a se desentender, principalmente devido ao modelo de negócio baseado no e-commerce. Outro ponto a registrar para os dias de hoje é que Logística, originalmente um substantivo, passou a denominar como adjetivo tudo o que se movimenta de qualquer lugar, o que inclui: ferrovia, rodovia, porto, aeroporto, o que gera a grande confusão entre “Logística – Infraestrutura – Transporte”.

Quais seriam os principais “saltos” que você aponta na logística nestes 50 anos? Quais momentos mais impactaram o setor?

Na verdade, Logística não tem sido uma ciência de grandes saltos, mas de uma evolução contínua, e destaco alguns pontos que mudaram sua rota:

• A introdução do sistema de gestão ERP, que substituiu sistemas anteriores de Planejamento e Controle de Produção (MRP), e isso causou uma forte ruptura, pois o ERP foi introduzido com fundamento financeiro e as atividades tradicionais da Logística foram sendo incorporadas ao estilo de “colcha de retalhos”;

• Já na área da Logística, uma inovação importante foi o desenvolvimento e a implantação de Sistemas de Gerenciamento, conhecidos como WMS, na primeira etapa, e TMS anos depois; e

• Nascido como filho da tecnologia, o e-commerce original (padrão Amazon) e, depois, o Varejo Virtual (padrão Americanas.com) surgiu como uma avalanche de neve no Everest, ou seja, a corrida típica da concorrência do comércio com baixíssimo nível de conhecimento da Logística correspondente, o que, aliás, permanece até nos dias de hoje.

Importante registrar, também, que tratar a Logística como infraestrutura tem trazido certa confusão, até mesmo nas estratégias de investimentos de Governos ou privados, sendo o maior exemplo o que ocorre com o Agronegócio, que possui uma Logística “curta” e necessita de infraestrutura de alto desempenho, ou seja, por exemplo: Ferrovia é o meio por onde trafega o trem. O trem é o equipamento que transporta do produto. E transporte ferroviário é o modo aplicável para grandes volumes e grandes distancias, o que é comum e fundamental no Agronegócio.

Relacione as suas principais atividades/ações/reconhecimentos na área de logística nestes 50 anos.

Desde o início na General Motors, sabendo das minhas características de liderança e criatividade, aos 28 anos de idade fui Diretor Cultural do General Motors Esporte Clube e, com isso, passei a me relacionar com a alta gerência de outros setores da empresa, através do que fiz a minha primeira participação no nosso setor representando a empresa, oficialmente, na ABMM – Associação Brasileira de Movimentação de Materiais e na ABAM – Associação Brasileira de Administração de Materiais. No vácuo dessas participações e nos meus projetos de expansão na fábrica fiz a primeira instalação de Estocagem Verticalizada com Estrutura Portapaletes, à qual aportei tecnologia junto à Moveis de Aço Fiel, e importei empilhadeira de operação lateral da Inglaterra. Esse projeto mereceu destaque numa edição da revista Transporte Moderno que despertou interesse em algumas pessoas, e daí, em novembro de 1979, fui cofundador do Instituto de Movimentação e Armazenagem de Materiais. Nesse momento descobri que meu futuro iria mudar, pois tive um crescimento rápido na GM e a próxima promoção iria demorar, então decidi sair, e aconteceu um fato fora da curva: Como fui Delegado Regional da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, aos 34 anos, e com isso tendo muito relacionamento empresarial regional, fui convidado pelo Prefeito de São José dos Campos, e aceitei presidir uma empresa Pública Municipal, atividade que não trouxe muito entusiasmo, e resolvi manter a trajetória de Consultoria e Ensino.

Em 1986 me desliguei do Instituto e fundei a Vantine Consulting, integralmente focada em Logística, com atuação em Consultoria, Conhecimento e Construção Profissional. Dessa forma, logo em 1986 fui buscar conhecimento e relacionamento em vários países da Europa, uma vez que minha cultura técnica original era americana. A primeira iniciativa, a partir dessa integração com a Europa, foi a realização de um megaevento com 60 palestras no ano de 1988, denominado Logistech Brasil´88.

Estreitando o relacionamento com associações de logística da França, da Espanha e da Inglaterra, criei ambiente propício para iniciar a atividade de “Multiplicando Conhecimentos”, e criei o que denominamos Interlog – Missão Técnica de Estudos Avançados, através da qual os profissionais integrantes puderam ter aulas exclusivas dentro de Universidades e realizar visitas técnicas a empresas de cada país. Tudo com o suporte e parceria com Universidades, especialmente a Cranfiel Scholl of Management e a The Ohio State University.

Na sequência vieram muitas inciativas que marcam de forma pujante a minha trajetória profissional, como: Criação da Edilog, para publicação da revista Logística Moderna, através da qual criamos o prêmio Logistop.

No início dos anos 90, através de Visita Técnica à Heineken, na Holanda, tomei conhecimento do sistema de rastreamento, e com isso criei outra empresa, chamada Logisystem, com alto poder de inovação.

Em continuidade às atividades de Ensino e Treinamento, criei os chamados Seminários Temáticos: Logismam, Logistrans, Logisystens, Mercolog, Logisfarma, Transtech e Logistrends.

Percebendo a necessidade de maior integração dos profissionais em início de carreira, no que posso chamar de “Versão 1.0 da Logística”, criei o Logispoint – o Clube da Logística, com almoço mensal recheado de palestras de representantes de vários setores do Transporte e da Logística.

Além de inúmeros seminários e cursos, bem como viagens internacionais, por minha iniciativa estabeleci parceria acadêmica com a Instituição de Ensino UNA, de Belo Horizonte, MG, e ali criamos em conjunto o 1º MBA completo em Logística.

No ambiente da comunidade de Logística dediquei muito tempo de forma colaborativa (pro bono), e com apoio político e setorial de várias associações, participei de dois projetos que mudaram o processo operacional da Logística. O primeiro é o PBR – Palete Padrão Brasil, projeto de minha autoria e modelo de gestão e controle de qualidade dentro da Associação Brasileira de Supermercados, com a participação de 15 entidades setoriais. Outra contribuição que mudou a história do abastecimento urbano foi o meu projeto do VUC – Veículo Urbano de Carga, não apenas nos aspectos técnicos, mas também e, principalmente, no relacionamento com entidades do Governo Municipal de São Paulo (especialmente CET e DSV), com amplo apoio de fabricantes (ANFAVEA) e usuários (NTC&L).

Naquele evento Logistech Brasil´88 convidei alguns profissionais e lancei a semente e, meses depois, viria a ser fundada a ASLOG – Associação Brasileira de Logística. Em Assembleia Geral de Fundação, presidida por mim com a participação de mais de 300 pessoas, por aclamação assumi como 1º presidente e sócio nº1.

O que você aconselharia para o pessoal que está começando na área de logística?

Primeiramente, é necessário entender que Logística é uma ciência híbrida que incorpora teoria e conceitos de outras quatro ciências: Administração de Empresas, Administração de Marketing, Economia e Finanças e Engenharia de Produção.

Logística não é uma ciência simples e nem fácil, e a minhas recomendações para quem está no mercado ou pretende nele entrar são:

• Como qualquer outra ciência, não desprezar o passado, pois a evolução permite o aprendizado permanente, acompanhando as inovações para o futuro;

• Estudar de forma contínua, formando a sua própria biblioteca, mesmo que seja digital, pois conhecimento sem prática não funciona, tanto quanto prática sem conhecimento;

• Entenda que você pode olhar profissionalmente a Logística sob três oportunidades: Gestão, Operação e infraestrutura;

• Analise a sua estrutura de talento e de vocação e trace o seu caminho, de preferência que não haja desvios nem retornos. Falo isso por experiência pessoal: em 50 anos sempre trilhei os caminhos da Logística;

• Importante ressaltar que Logística não configura uma atividade profissional regulamentada, como médico, advogado, engenheiro, etc. Esteja certo de que o seu trabalho no setor de Logística será sempre funcional, do tipo: Gerente de Transportes, Gerente de Logística, Diretor de Logística e, enquanto não houver uma regulamentação do Ministério da Educação quanto à formação acadêmica (exceção ao tecnólogo), e nem haja esta categoria no Ministério do Trabalho, esteja atento para cada passo que você for dar na sua carreira;

• E, sempre: entre a teoria e a prática, fiquem com as duas.  

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