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Conteúdo 19 de dezembro de 2022

O novo governo não pode e não tem o direito de errar

Em artigo publicado ainda antes das eleições, comentei sobre a imprescindibilidade que tem o novo governo de interromper “processos contínuos de concentração de renda e de aumento da desigualdade”, pois estes “geram desesperança com a política, desconfiança com relação às instituições existentes, deterioração do contrato social e do próprio regime democrático”.

E conclui afirmando que aquelas eleições, acima de tudo, definiriam “se o Brasil quer ou não trilhar o caminho da democracia, da liberdade, da independência, da justiça social, do combate às desigualdades e da proteção ao meio ambiente”. Aliás, preocupações que me acompanham desde antes do início do governo atual, quando “forças de extrema direita” começavam a se apresentar de forma muito mais contundente.

Desde o vídeo que mostrou uma das reuniões ministeriais, aquela de abril de 2020, passando pela liberação de armas, pela desestruturação das polícias federal e rodoviária federal, pela inoperância da Procuradoria Geral da República, ou pela presença física em movimentos anti-democráticos, até às críticas incorretas e injustas com relação ao sistema eleitoral brasileiro, ao Congresso e à Justiça, são diversos os exemplos que aumentaram ainda mais minha apreensão: a Democracia e o Estado de Direito estiveram, de fato, em perigo nos últimos quatro anos.

Felizmente a sociedade brasileira, em sua grande maioria, e as instituições nacionais, por maiores que sejam as críticas direciondas a elas, reagiram prontamente e em todo momento que foi necessário, impedindo que o País começasse a trilhar o caminho do autoritarismo. Apesar de todas as ameaças, as eleições foram realizadas e a urna eletrônica consagrada como uma das formas mais eficientes e corretas de se “contar votos” e evitar fraudes.

Terminadas as apurações eleitorais, o presidente da República e candidato derrotado, e somente depois de 45 horas, faz um discurso, dúbio para dizer o mínimo, gerando ainda mais dúvidas e incertezas, de tal forma que tem estimulado grupos de pessoas, de forma ilegal e anti-democrática, a realizarem atos que, se não são criminosos, estão muito próximos disso. Reverter os resultados de uma eleição limpa, transparente e honesta ou defender ‘intervenção federal já’, são atos inconstitucionais, subversivos e objetivos de quem não quer viver em um regime democrático, no qual o respeito às leis e à Constituição são mandamentos inquestionáveis.

Em diversos artigos por mim publicados, fui extremamente crítico ao que chamava de desgoverno Dilma, pois de fato, sua política econômica foi ‘desastrosa’ e levou o Brasil para a sua maior crise, posto que abrangeu aspectos políticos, econômicos e sociais. Infelizmente nem Lula e muito menos o PT, reconheceram os erros cometidos na condução da política econômica do desgoverno Dilma.

Entretanto, não sabíamos que o pior estava por vir. Depois de dois anos razoáveis com Temer, assumiu o senhor Jair Bolsonaro. Desnecessário refazer comentários sobre um desgoverno ainda maior, uma vez que o senhor Bolsonaro conseguiu ser o pior presidente que esta República já teve desde a sua proclamação. Um dos motivos, sem dúvida, para que ele, de forma inédita e desde que a reeleição foi aprovada, se consagrasse no único presidente da República a não conseguir se reeleger. E mesmo tendo praticado diversos tipos de ‘pecados eleitorais’, ao simplesmente ignorar que em épocas eleitorais a legislação restringe a atuação de um chefe do executivo enquanto candidato. Não por outros motivos o desequilíbrio fiscal e o aumento da dívida pública já estão contratados para os próximos anos.

Como ilustração, vale relembrar que já foi aprovado no Senado, a PEC da Transição, aumenta o teto de gastos em R$ 145 bilhões nos próximos dois anos. Aqui também vale lembrar que esses e outros “acertos” teriam que ocorrer independentemente de quem ganhasse as eleições, considerando a irrealizável proposta orçamentária enviado pelo atual executivo ao Congresso Nacional.

Não há dúvidas que colocar em discussão o famoso ‘orçamento secreto’ é prioritário, pois além de se colocar em pauta uma ‘imoralidade’, ali está um dos caminhos para se viabilizar recursos (cerca de R$ 19 bilhões em 2023) para que sejam retomadas políticas públicas específicas e eminentemente sociais, tais como a Farmácia Popular, Fundo para Moradias, Programa de Construção de Escolas Infantis, Transporte Escolar, Programa Mais Médicos, Fundos para Desenvolvimento da Tecnologia e da Ciência e Programas de Combate à Violência, notadamente com relação às crianças e às mulheres. Políticas não só esquecidas, mas destruídas pelo governo atual.

Parece imprescindível também, atitudes concretas no sentido de demonstrar que o Brasil vai, de fato, estabelecer metas climáticas significativas, nas quais diminuições expressivas na emissão de gases de efeito estufa e no desmatamento ilegal sejam estipuladas e ‘perseguidas’. Não tenho dúvidas, o tema relativo à situação climática é imprescindível para fazer com que o Brasil melhore sua imagem e tenha melhores condições para realizar, de forma mais vantajosa, negociações e transações comerciais internacionais.

Nos primeiros dias após as eleições, li e ouvi diversas explicações para ‘justificar’ o fato de a maioria da população ter votado no Lula. Algumas delas, que imaginava não mais existirem no Brasil, uma vez que agridem essa camada majoritária de eleitores de forma racista e descriminatória, além de injustas e incorretas demonstram um comportamento que mistura ignorância e ódio.

Explico: ao observarmos com mais cuidado os mapas eleitorais publicados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), percebe-se que os ‘votantes’ de Lula, distribuídos por todo o Brasil, estão quase que a sua maioria, nas regiões mais pobres do Brasil. Os estados do Nordeste, as periferias das grandes cidades e as áreas mais carentes de serviços públicos, como demonstram as estatísticas a respeito, foram os locais nos quais mais se votou em Lula.

Para que se tenha uma ideia, no estado do Piauí Lula alcançou 76,86% do total de votos, enquanto em Alagoas esse percentual – o menor do Nordeste – também ficou em nível extremamente significativo: 58,68%. E o Nordeste, como se sabe, é o segundo colégio eleitoral do País, com 42,4 milhões de eleitores, ficando atrás apenas do Sudeste, que tem 66,7 milhões de votantes. Enquanto no Nordeste Lula obteve 69,3% de todos os votos, no Sudeste, apesar de derrotado, ele também conseguiu emplacar participação importante: 45,7% dos votos.

Ressalte-se que em todas as pesquisas eleitorais feitas antes da eleição, os resultados indicavam que Lula poderia obter mais de 60% dos votos dos eleitores que recebem até dois salários mínimos, isto é, da maioria absoluta da população brasileira.

Ora, isso não deveria ser novidade, posto que durante todo o seu governo (oito anos) os trabalhadores brasileiros, além de terem taxas de emprego melhores, tiveram aumentos reais do salário mínimo em percentuais significativos. Enquanto a média anual da inflação, nesse período, foi de 5,79%, o aumento do salário mínimo, média anual, chegou a 12,41%. Aumento real significativo, portanto. Já, durante os seis anos de Dilma, o aumento médio anual do salário mínimo foi de 9,52% contra uma inflação média de 6,92%. No governo Temer e no governo Bolsonaro, foram mantidos os ganhos reais, só que bem menores. No primeiro, aumentos médios de 4,12% no salário mínimo contra uma inflação média de 3,35% e no segundo, aumentos médios de 6,17% contra uma inflação de 6,13%, já considerada a inflação de 2022 em 5,74%.

Pois é, diante de um ex-presidente que permitiu a corrupção, mas que executou políticas claras de defesa do meio ambiente, que colocou o País como protagonista nas questões internacionais e de meio ambiente, que executava políticas públicas e sociais, bem como melhorias concretas e reais no emprego e nos salários, com resultados diretos na melhoria de vida dos mais pobres e carentes e que respeitava a Constituição e a Democracia, inclusive “prestigiando” o combate à corrupção (nunca é demais lembrar que o Mensalão começou em junho de 2005, durante o governo Lula, e a Lava Jato em 2014, no governo Dilma), comparado-se com um presidente que também permitiu a corrupção, como reconheceu seu próprio ministro da economia, que acabou com os programas de combate à corrupção, que sempre foi contra a Democracia e as Instituições Nacionais, com pouquíssimas realizações, a não ser armar a população, negar as vacinas e destruir todos os mecanismos que, direta ou indiretamente, protegiam os mais pobres e carentes, o resultado eleitoral não poderia ser outro.

O senhor Lula será presidente da República pela terceira vez e poderá evitar os erros do passado, notadamente aqueles do segundo mandato quando, entre outros equívocos, insistiu em fazer de Dilma a nova presidente. Mas terá que trabalhar de forma conjunta com as demais forças políticas e com programas convergentes.

Portanto, observando que o mundo e o Brasil, de uma forma bem particular, sofreram profundas mudanças nos últimos vinte anos, e que a situação atual é muito mais difícil e complexa do que aquela encontrada em 2003, assim que começar o novo governo, e antes que termine a “lua de mel”, característica de qualquer novo mandato, só que desta vez com tempo muito mais curto, será fundamental colocar em prática um novo plano de governo.

Respeitando as diferenças, com mais tolerância, sem ódio, sem armas e sem medo, mas com muita esperança, o novo plano de governo deverá buscar o equilíbrio e a responsabilidade fiscal, pois sem isso a inflação será mantida em níveis altos, dificultará o corte da Selic e, consequentemente, diminuirá os investimentos. Deverá deixar claro também, até por sua obviedade, que temas como democracia, estado de direito, direitos humanos (incluindo aqui o combate a qualquer tipo de racismo e discriminação), liberdade de expressão e de imprensa, transparência, governança, excelência na prestação de serviços públicos, clima, igualdade, inclusão, desconcentração da renda, investimentos em infraestrutura e inserção no cenário mundial, são temas inegociáveis da nova pauta. O novo governo precisa compreender que o alcance desses objetivos dependerá, e muito, de um conjunto de reformas estruturantes, sendo a administrativa, a tributária, a orçamentária e a política, algumas das principais. Como se vê, a tarefa é árdua, complexa e que exigirá muita negociação política.

Lula errou ao eleger a senhora Dilma. Dilma e o PT, por erros próprios, elegeram o senhor Bolsonaro. E Bolsonaro, sem dúvida, foi o maior cabo eleitoral de Lula nesta eleição. Lula, como aqui escrevi, teve inúmeros méritos em seus primeiros anos de governo, principalmente com relação às camadas mais pobres da população brasileira, mas neste terceiro mandato não pode repetir erros cometidos. Talvez não tenha nem o direito de errar, pois no momento o País está dividido, o novo Congresso Nacional é uma incógnita e 58 milhões de eleitores de Bolsonaro (não sei quantos são, de fato, bolsonaristas) estarão fiscalizando seu governo muito de perto. Qualquer hesitação poderá gerar incertezas e insegurança e o Brasil, além de não precisar e não querer um ‘terceiro turno’, tem urgência em sair da armadilha de ter que escolher um candidato em clima de total polarização política. Chega de “um ou outro”.

Paulo Roberto Guedes Paulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

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