O mundo e o desafio alimentar: será que vamos perder também esta oportunidade?

Introdução

Nos próximos 30 anos, o Brasil e o mundo enfrentarão um enorme desafio: alimentar uma população global em constante crescimento. Com mais de 10% da população mundial dependendo de nossa produção agrícola, surge uma oportunidade única para o país desempenhar um papel fundamental na segurança alimentar global. Neste artigo, gostaria de explorar a capacidade do Brasil de aproveitar essa chance e as medidas necessárias para enfrentar esse desafio. A ideia de escrever este texto veio de algumas interações com profissionais dos setores voltados para o agronegócio, manufatura, tecnologia e em várias áreas de atuação, primordialmente Supply Chain, logística e tecnologia.

Prevê-se que a população global deve chegar a quase 10 bilhões de pessoas até 2050, e a demanda global por alimentos pode aumentar em 56% durante esse período. Se as tendências alimentares continuarem inalteradas, seriam necessários 593 milhões de hectares adicionais de terra, o equivalente em tamanho a duas Índias. Terras estas que teriam que ser desmatadas e convertidas em produção agrícola e pecuária para alimentar esse número de pessoas.

Porém, o “x” da questão é que nenhuma outra terra pode ser devastada e reservada para a produção de alimentos – o planeta simplesmente não pode resistir a mais degradação. A menos que mudanças drásticas sejam feitas na forma como os alimentos são produzidos, a fome mundial e as mudanças climáticas só tendem a piorar.

A crescente população mundial e a demanda por alimentos representam desafios significativos para a sustentabilidade alimentar e o meio ambiente. Práticas agrícolas mais eficientes precisam ser adotadas, investimentos em tecnologias inovadoras são mandatórios e infraestrutura logística para o escoamento dos alimentos é fundamental para promover a agricultura sustentável.

Adicionalmente, é necessário combater o desperdício de alimentos e promover a distribuição equitativa dos recursos alimentares. A participação de governos, empresas e indivíduos é essencial para garantir a segurança alimentar para todos. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de um terço de todos os alimentos produzidos no mundo para consumo humano é perdido ou desperdiçado a cada ano. Isso representa aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas de alimentos desperdiçados. É muita coisa. Esses números alarmantes destacam a urgência de combater o desperdício de alimentos e promover práticas mais sustentáveis em toda a cadeia de produção e consumo.

Por outro lado, a mudança climática também desempenha um papel importante nessa equação. É necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa na produção de alimentos e adotar práticas agrícolas resilientes ao clima. A preservação dos ecossistemas e a proteção da biodiversidade também são fundamentais para garantir a segurança alimentar no longo prazo.

Não podemos ficar parados diante desses desafios. Cada um de nós pode fazer a diferença. Podemos optar por consumir de forma consciente, escolher alimentos sustentáveis e apoiar iniciativas e projetos que promovam a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental.

O Potencial Brasileiro

O Brasil é uma potência agrícola, com vastas extensões de terras férteis e recursos naturais abundantes. Nos últimos anos, o país tem se destacado na produção de grãos, carne bovina, aves e suínos. Esse potencial agrícola é um trunfo importante para suprir a demanda crescente por alimentos no futuro. Contudo, é conveniente ressaltar alguns requerimentos que são extremamente necessários para que o país possa realmente ser um protagonista mais forte no futuro. A oportunidade pode uma vez mais estar passando diante de nossos olhos, caso não atentemos para algumas estratégias, articulações, investimentos e programas que venham a incluir os vários “stakeholders”. E trabalhar firme, com propósito, se faz extremante necessário.

Alguns dos itens que devem ser elencados para aproveitar a oportunidade e desempenhar um papel importante, e não apenas de um exportador de “comodities”, são listados a seguir. Certamente outros itens podem ser adicionados a esta lista. Mas com certeza estes são prioritários e reais.

– Investimento em tecnologia e pesquisa:
Para aproveitar ao máximo essa oportunidade, é essencial que o Brasil invista continuamente em tecnologia agrícola e pesquisa. O desenvolvimento de sementes mais resistentes, práticas agrícolas sustentáveis e o uso eficiente de recursos hídricos são aspectos-chave para aumentar a produtividade e a eficiência do setor agrícola. Investir em tecnologia e pesquisa impulsiona a inovação em diferentes setores da economia, permitindo o surgimento de soluções criativas e avanços científicos. Isso fortalece a competitividade do país no cenário global. O surgimento e a ênfase na tecnologia com uso de inteligência artificial (IA) trazem algumas contribuições significativas, como a otimização do cultivo, uma vez que a IA pode analisar uma grande quantidade de dados, como condições climáticas, qualidade do solo, histórico de colheitas e dados geoespaciais, para fornecer insights valiosos aos agricultores. Com base nesses dados, os sistemas de IA podem recomendar o momento ideal para plantar, irrigar, aplicar fertilizantes e realizar a colheita, melhorando a eficiência e a produtividade das lavouras. O monitoramento e a detecção de pragas e doenças podem ser realizados por imagens capturadas por drones e mesmo por satélites. Monitoramento de rebanhos é outra vantagem significativa, além de previsão das safras e o uso da agricultura da precisão. Ou seja, há uma amplitude de oportunidades através do uso de tecnologias atuais e digitais;

– Agricultura sustentável e preservação ambiental:
O desafio de alimentar a população mundial não pode comprometer a sustentabilidade e a preservação ambiental. O Brasil precisa encontrar um equilíbrio entre o aumento da produção de alimentos e a conservação de seus recursos naturais. A implementação de práticas agrícolas sustentáveis, como a agricultura de baixo carbono, a recuperação de áreas degradadas e o combate ao desmatamento ilegal são fundamentais para garantir um futuro alimentar saudável e sustentável. E não precisamos que outros países venham dizer o que devemos fazer. Creio que temos conhecimentos e autonomia para cuidar de nós mesmos e de nossas riquezas naturais. Sem acusar ou buscar culpados, devemos deixar de lado os interesses políticos e mesquinhos que insistem em estar presentes;

– Parcerias internacionais e comércio:
O Brasil possui um papel estratégico no comércio agrícola global. Estabelecer parcerias internacionais e fortalecer os acordos comerciais são medidas importantes para aumentar a exportação de alimentos brasileiros e garantir a segurança alimentar em outras regiões do mundo. A cooperação entre governos, produtores e organizações internacionais pode facilitar a troca de conhecimento, tecnologia e recursos necessários para enfrentar os desafios futuros;

– Logística eficiente e infraestrutura:
Além da produção de alimentos, é fundamental garantir uma logística eficiente e uma infraestrutura adequada para transportar e distribuir os produtos agrícolas em todo o país e para exportação. Investimentos em estradas, ferrovias, aeroportos, portos, armazenamento refrigerado e sistemas de transporte são essenciais para evitar desperdícios e garantir que os alimentos cheguem de forma rápida e segura aos consumidores. O papel da logística na construção deste projeto é evidente e influencia diretamente em seu protagonismo não apenas na capacidade do Brasil de alimentar a população mundial, mas também se sobressair, não apenas como um país eminentemente agrícola, mas ocupar posição de destaque em outras áreas;

– Capacitação e educação de profissionais agrícolas:
Para enfrentar os desafios futuros, é importante investir na capacitação e educação de profissionais agrícolas. Isso envolve fornecer treinamento atualizado sobre práticas agrícolas sustentáveis, tecnologia agrícola avançada e gestão eficiente de fazendas. Além disso, promover a educação no campo, incentivando jovens a se interessarem pela agricultura e oferecendo oportunidades de aprendizado, pode ajudar a garantir a continuidade e a inovação no setor agrícola. Adicionalmente, outras áreas correlatas devem ocupar um espaço prioritário para alavancar o nosso desenvolvimento e nossa liderança, tais como educação de base, tecnologia, logística, produção, apenas para citar alguns;

– Promoção da indústria alimentícia e valor agregado:
A indústria alimentícia desempenha um papel essencial na agregação de valor aos produtos agrícolas. O Brasil tem um enorme potencial para desenvolver a indústria de processamento de alimentos, transformando matérias-primas agrícolas em produtos de maior valor e prontos para o consumo. Isso não só impulsiona a economia, mas também cria empregos e promove a segurança alimentar, ao diversificar a oferta de alimentos processados e minimamente processados;

– Automação no campo para aumentar a produtividade:
O uso de máquinas agrícolas modernas e eficientes é essencial para aumentar a produtividade no setor agrícola. A mecanização agrícola, como tratores, colheitadeiras, semeadoras e pulverizadores, pode ajudar a otimizar as operações no campo, reduzindo o tempo e os recursos necessários para realizar tarefas agrícolas. Isso não apenas aumenta a eficiência, mas também permite o cultivo em larga escala, contribuindo para atender à demanda crescente por alimentos. Além disso, a automação agrícola e o uso de tecnologias, como a agricultura de precisão, podem oferecer benefícios significativos. A coleta de dados por meio de sensores e sistemas de monitoramento permite o monitoramento detalhado das condições do solo, clima e crescimento das plantas, auxiliando os agricultores na tomada de decisões informadas sobre irrigação, aplicação de fertilizantes e controle de pragas. Isso resulta em uma utilização mais precisa e eficiente dos recursos, maximizando a produção e reduzindo os impactos ambientais negativos.

Conclusão

O Brasil tem a oportunidade de desempenhar um papel fundamental na alimentação da população mundial nos próximos 30 anos. Com seu potencial agrícola, investimentos em tecnologia, práticas agrícolas sustentáveis e parcerias estratégicas, o país pode se consolidar como um líder global na segurança alimentar.

No entanto, é importante que o Brasil aborde os desafios ambientais, promova a pesquisa e a inovação e garanta que a produção de alimentos seja realizada de forma sustentável. Aproveitar essa chance exigirá esforços conjuntos de todos os setores da sociedade, visando um futuro em que a população mundial seja alimentada de maneira adequada e sustentável. E o Brasil, ganhe o seu merecido protagonismo.

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