O Brasil, o mundo e os EUA de Trump

18/11/2024

Não sou especialista em política externa, mas como todo cidadão que quer estar bem-informado, acompanho as principais notícias do mundo pelos principais canais de informação. E, como profissional, as notícias que, direta ou indiretamente, poderão afetar meu trabalho.

Diante disso, e até porque fui convidado por alguns empresários do setor logístico a “bater um papo” a respeito, arvorei-me ao direito de tecer alguns comentários que, se me permitem, gostaria de apresentar neste artigo.

Considerando o que se fez na administração anterior e o que se diz nos atuais discursos, também tenho um entendimento – quase que generalizado pela imprensa mundial – que o governo de Donald Trump poderá criar impactos significativos – para o bem e para o mal – para a economia e a política mundiais (1). Atenção especial, vale ressaltar, junto aos países emergentes como é o caso do Brasil (2).

Aliás, e para não ‘passar em branco’, quando se fala em Brasil, não se pode esquecer de assuntos que, sem dúvida, estarão na mesa do presidente eleito. Questões relativas à Venezuela, à própria evolução dos Brics e a proximidade com a China (Rota da China), relacionados à agenda climática, aos problemas com Elon Musk e às relações do ‘trumpismo’ com o ‘bolsonarismo’, parecem ser temas que, de uma ou outra forma, ‘ocuparão’ o governo norte-americano futuro.

Dólar e juros mais altos, por exemplo, são esperados por muitos analistas, caso sejam implantadas políticas protecionistas e barreiras alfandegárias (3), posto que é firme o entendimento, de Trump e seus apoiadores, que aumentos de tarifas ainda são os melhores instrumentos para ‘barrar’ a importação de produtos estrangeiros. Principalmente quando de origem chinesa (4). Realizar revisões dos acordos comerciais e de cooperação internacional parece ser outra providência inquestionável. Óbvio que, como consequência, o nível de incertezas no comércio mundial aumentará.

Especificamente no que diz à política externa, possíveis pressões sobre a China e o Irã, mais especificamente, deverão estimular o aumento de custos em todos os setores de produção e, caso seja cumprida a promessa de retirada de parte de apoio à Europa, em especial à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), os impactos mundiais, como já salientei em outros artigos, serão crescentes (5). A necessidade de adotar medidas de proteção fará os europeus aumentarem seus gastos militares – exércitos e material bélico – com total prejuízo da produção de bens civis. Estes últimos, sem dúvida, com preços tendendo para cima.

A China e a Rússia, por exemplo, poderão adotar posturas mais agressivas com relação às suas próprias pretensões e os países mais fracos, no contexto mundial, e por medo, poderão facilitar “as coisas” para aqueles países de maior força. E se a Rússia pode invadir a Ucrânia, por que a China não poderia fazer o mesmo com relação à Taiwan?

Com relação à Ucrânia, o temor é de que Trump reduza os ‘empréstimos’ e os financiamentos que se fazem àquele governo, não só aqueles que têm ajudado na manutenção e no funcionamento da economia ucraniana, de uma forma geral e razoavelmente precária, como também para aqueles realizados para suprir seu exército. Sem dúvida, as dificuldades do governo Zelensky serão ainda maiores e poderá forçá-lo, como aqui já escrito, a ter que negociar com a Rússia em condições muito mais frágeis.

Já com relação ao conflito entre os grupos terroristas do Oriente Médio e Israel, considerando o apoio irrestrito dado pelos EUA aos israelenses, os riscos de um conflito militar ainda maior, que poderá envolver também o Irã, passam a ser, embora indesejáveis, cada vez maiores.

Outras iniciativas globais, tais como controle de armas, combate ao narcotráfico e medidas com relação às mudanças climáticas (6), também poderão ter maiores dificuldades de serem adotadas. Não se deve esquecer que são grandes as chances de que, no governo Trump, os EUA deixem de participar do Acordo de Paris.

“América First” ou “Make America Great Again” são slogans que não só significam dar prioridade aos assuntos internos dos americanos, como também isentá-los dos problemas e das responsabilidades mundiais. Dar pouca importância aos organismos internacionais e trabalhar ‘contra’ o multiliberalismo caracterizam, de fato, o pensamento de Trump. A dúvida, como li no Editorial do Estadão do último dia 7 (“Bem-vindos ao novo mundo de Trump – Vitória arrebatadora nas urnas tem potencial para abalar alicerces da política internacional”), é se os EUA poderão “se dar a esse luxo”. Até porque, vale comentar, fazer os EUA se tornarem grandes novamente exigirá muito mais diplomacia do que aquela anunciada por Trump. Diplomacia que, por si só, não é compatível com níveis significativos de isolacionismo.

Políticas contra a imigração, não só a ilegal, está na pauta do governo a ser instalado a partir de janeiro do ano que vem, não só porque faz parte do pensamento ‘trumpiniano’, mas, talvez principalmente, porque é uma exigência daqueles que o elegeram. Importante que se ressalte, infelizmente, que o atual governo cometeu inúmeros erros com relação a esse tema e o resultado foi um aumento significativo no número de imigrantes, de forma ilegal inclusive, que entraram nos EUA através da fronteira mexicana. Evidentemente, aumentando ainda mais a ‘pressão’ de grande parte da sociedade norte-americana.

O corte nos impostos, outra promessa de campanha, por si só, não só poderá aumentar a demanda doméstica, como também o déficit do governo.

Outro ponto importante diz respeito à posição de Trump com relação às políticas energéticas e ao setor automobilístico norte-americano. Primeiro porque parece claro que ele estimulará o aumento da produção e dos investimentos no setor petrolífero e, em segundo, porque poderá adotar medidas que proíbam – ou restrinjam de forma significativa – as importações de veículos elétricos chineses.

Sem considerar, aqui neste texto, o avanço da extrema direita em todo o mundo, tema que por si só merece ser analisado individualmente, é muito difícil fazer prognósticos sobre o que poderá acontecer com as economias norte-americana e mundial, na medida em que o presidente Trump – agora muito mais personalista e quase ‘dono’ do Partido Republicano – comece a ‘tomar suas primeiras providências’. Mas parece claro – principalmente em face das incertezas geradas – que os impactos poderão ser diversos e poderão gerar impactos geopolíticos e geoeconômicos importantes (7).

Vale aqui citar um texto publicado na revista “The Economist”, do dia 08 pp (“Com vitória de Trump, aliados dos EUA se preparam para confrontos, acordos – e traição”), publicado pelo Estadão: “Trump foi uma força disruptiva durante seu primeiro mandato, mas o cenário internacional estava relativamente calmo. Ele retorna ao poder em um momento de crescente rivalidade entre grandes potências e guerras destrutivas na Europa e no Oriente Médio. Em vez de fortalecer as alianças e instituições que aumentaram o poder americano, Trump parece decidido a miná-las. Isso não apenas tornaria os EUA menos seguros, mas também aceleraria a desintegração da ordem pós-guerra que manteve a paz por 80 anos”. Pois é.

O que se conclui é que poderá acontecer quase tudo. Inclusive com relação ao Brasil (aumento das tarifas comerciais para produtos importados, flutuação do dólar com impactos diretos nos preços das importações e das exportações, alterações nos níveis de investimentos estrangeiros, influências diretas na inflação e nos juros brasileiros, mudanças significativas nas cadeias de abastecimento e distribuição etc.). Ou poderá acontecer nada. Mas é preciso estar preparado, pois quem trabalha com comércio exterior – comprando ou vendendo –, quem opera ou presta serviços a empresas estrangeiras ou nacionais que lidam com o exterior, precisará ficar atento e monitorando os cenários possíveis, de forma a tomar, com a urgência que o caso merecer, providências pertinentes, urgentes e com o máximo de eficácia possível.

(1) Artigo do jornalista e especialista em assuntos internacionais, Lourival Sant’Ana, publicado no Estadão dia 10 pp (“Terremoto na Democracia Americana”), destaca de forma clara e inequívoca: “A volta de Donald Trump equivale a um terremoto no alicerce da democracia, da diversidade, da valorização da ciência e dos fatos, uma derrota no combate às mudanças climáticas e uma vitória para as ditaduras que contestam a ordem mundial, lideradas por China e Rússia. É a revanche de setores de baixa renda e sem ensino superior contra a elite intelectual”.

(2) Para o Brasil, manter por mais tempo a taxa básica de juros em patamares altos, ou ainda ter que aumentá-la, passa a fazer parte do radar do Banco Central brasileiro, com graves impactos no crescimento da economia e na obtenção do equilíbrio orçamentário do governo.

(3) Segundo a jornalista Michele Loureiro (artigo publicado em 14/11/24, intitulado “Trump presidente: quais os impactos no Brasil e no mundo?”), “o resultado das eleições nos Estados Unidos foi pautado em duas questões centrais: a discordância com as políticas de imigração e a promessa de aumento da taxação dos produtos importados para estimular a economia local”. Eu incluiria uma terceira questão: a inflação doméstica.

(4) Segundo a economista/jornalista Michele Loureiro, em artigo aqui já comentado, “durante a campanha, Trump propôs uma tarifa de 10% a 20% sobre todos os produtos importados — um aumento em relação à média atual de 2% ou, em muitos casos, zero. Para as importações da China, o republicano propôs uma tarifa ainda maior, de pelo menos 60%. “Ainda que ele não cumpra 100% dessas promessas, é uma política que tende a levar à valorização do dólar, uma inflação mais alta e maiores taxas de juros visando o crescimento nos Estados Unidos”.

(5) Até Putin, e consequentemente a Rússia, poderão se beneficiar de quaisquer diminuições no envio de recursos – financeiros ou de materiais – para a Ucrânia. Zelensky, por exemplo, poderá vir a ser pressionado para fazer um acordo indesejável com a Rússia.

(6) Como se sabe, o presidente eleito Donald Trump, negacionista assumido, é contra quaisquer medidas de combate ao aquecimento global e de diminuição na utilização do petróleo como principal fonte de energia, o que fragiliza, sem dúvida e em todo o mundo, providências de proteção ao meio ambiente.

(7) Algumas delas: a) possíveis políticas nacionalistas e de proteção à produção norte-americana mudarão o comércio exterior e o comércio mundial; b) possíveis aumentos das tarifas de importação, mais notadamente dos produtos chineses, poderão aumentar preços de uma forma generalizada e afetar todo o comércio mundial, inclusive para as exportações brasileiras para aquele País; c) possibilidade de que haja aumento na taxa de juros norte-americana, o que criará problemas internos e à maioria dos países emergentes, que dependem – e muito – de financiamento e investimento externo; d) fortalecimento do dólar com relação a todas as demais moedas criará dificuldades para todos; e) mudanças nas relações internacionais, seja com o México, a China ou os Países Europeus.

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Paulo Roberto Guedes

Paulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

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