Muitas empresas, independente do porte e do segmento, negligenciam a logística reversa, direcionando o mínimo de recursos, com processos ineficientes e desconectados, sem interação entre os setores envolvidos. Os investimentos são direcionados, em sua grande maioria, a departamentos que geraram receitas e resultados tangíveis, o que não é o caso do setor que cuida dos retornos e devolução, que só acumula custos e despesas, sem retorno financeiro.
Com as novas formas de consumo, vieram novos desafios para a logística reversa. O e-commerce oferece entregas cada vez mais rápidas, no local desejado pelo cliente e, muitas vezes, sem custo, com a possibilidade de pesquisar preços e promoções em poucos cliques. Além dessas facilidades, o cliente ainda conta com a lei que lhe garante se arrepender da compra em sete dias corridos sem a necessidade de justificativa.
Infelizmente, o avanço das compras na web não evoluiu na mesma proporção no processo inverso, da devolução e troca. Muitas vezes a experiência negativa do cliente em receber um produto avariado, defeituoso ou trocado transforma-se em um verdadeiro calvário para garantir o direito de devolução ou troca. A maioria das lojas virtuais padece da falta de visão de que a logística reversa faz parte do negócio da empresa e que transforma uma experiência ruim em algo catastrófico, proporcionando episódios desastrosos de reclamação de clientes nas redes sociais ou sites específicos, expondo a vulnerabilidade de processos falhos e manchando a imagem e reputação da empresa.
As empresas precisam reconhecer que a logística reversa é uma questão de sobrevivência, e o primeiro passo que precisam dar é na direção de conhecer como os processos atuais são realizados por suas equipes. Com auxílio de um fluxograma e em conjunto com a análise minuciosa de uma base de dados histórica das vendas e das devoluções é possível investigar onde estão os gaps. Ficará evidente que grande parte das devoluções do pós-venda provem do direito garantido ao cliente pela lei do arrependimento. Os motivos são inúmeros, desde o arrependimento pela compra por impulso até a identificação do melhor preço e condições concedidas pelo concorrente. Ao menos nesses casos, o produto retorna para o Centro de Distribuição em perfeito estado e para ser novamente vendido.
Todavia, alguns pedidos geram devolução, após a reclamação do cliente, indignado por receber o produto com defeito, com algum dano ou mesmo trocado. A equipe do SAC ou Customer Experience (CX) precisa ter habilidade para, além de lidar com a insatisfação do cliente, garantir que a solução seja rápida e eficiente. Por isso precisa estar integrada e amparada com sistema que ofereça dados históricos a respeito da reputação do cliente e dados relevantes referentes ao produto e as opções de solução ao problema, tudo para embasar uma resposta satisfatória ao cliente.
Embora a devolução esteja naturalmente associada à insatisfação do cliente, existem retornos ao CD que são oriundos do insucesso da entrega, ou seja, o pedido sequer chega às mãos do cliente. Os motivos são vastos e vão desde os endereços de entrega incorretos ou cliente ausente, até os sinistros por roubo da carga ou avaria do produto durante o transporte. Em alguns casos, o pedido é extraviado e a empresa só se dá conta quando o cliente entra em contato para saber informações sobre sua entrega.
Outra questão relevante e que gera devolução, em alguns casos, está relacionada ao ciclo do pedido. Quando o cliente compra no site, opta pela data de entrega de acordo com sua necessidade e urgência em receber o produto, e muitas vezes escolhe pagar por um frete mais caro para ter uma entrega expressa. Contudo, eventualmente o prazo não é cumprido pela empresa e o cliente não recebe o produto na data acordada. Ele desiste da compra ou recusa seu recebimento e, em casos mais graves, aciona judicialmente pedindo indenização.
Por último, mas não menos importante, está o fato da destinação dos produtos que retornam para o CD. Como alguns produtos retornam com a embalagem inviolada, são reintegrados ao estoque e são vendidos novamente. Porém, os produtos defeituosos ou com algum dano precisam ser minuciosamente inspecionados para identificar se o defeito ou o dano são de responsabilidade do cliente, do transportador ou do fornecedor. Obviamente, se a responsabilidade for do consumidor, a devolução não será aceita e o produto será reentregue. Entretanto, se a responsabilidade for do fornecedor ou do transportador, ambos terão que se responsabilizar pela ocorrência e ressarcir a empresa. Por isso, a política de devolução, troca ou bonificação precisa estar detalhada em cláusulas do contrato do fornecedor. Da mesma forma, os contratos de prestação de serviços com os transportadores precisam garantir o cumprimento dos SLAs (Service Level Agreement ou Acordo de Nível de Serviço, em português) e o ressarcimento da empresa dos produtos avariados ou extraviados, já que o cliente será atendido.
Após entender todo processo atual, de analisar todos os dados históricos e de identificar os gaps e as oportunidades, inicia-se a construção do processo to be, ou seja, como as atividades deverão acontecer para mitigar as falhas, para criar controles e guard rails e garantir a satisfação do cliente. Muitas vezes esse trabalho é desenvolvido com auxílio e orientação de consultoria especializada, que conhece os métodos e as boas práticas do mercado e está atualizada de como as grandes redes varejistas atuam na logística reversa e quais são as recomendações dos processos, dos sistemas, dos comtroles, do modelo de governança e dos KPIs mais aderentes à necessidade e realidade da empresa.
Resumidamente, para que a empresa atue de forma eficiente na logística reversa é fundamental que todos os departamentos estejam integrados e interajam em ritos de governança, com reuniões periódicas e a criação de comitês para tratar os principais ofensores das devoluções. O cliente é o centro das atenções, assim como o resultado financeiro e o equilíbrio entre ambos garantirá os ganhos. A forma como as atividades serão desenvolvidas precisará focar nesses dois pilares e a comunicação e a informação são a principal munição para a virada de chave e precisam ser ofertados e consumidos por todos para a garantia de bons índices.
É uma questão de sobrevivência. Pouco importa se as empresas implantarão uma logística reversa de forma estruturada e robusta para garantir a sustentabilidade do meio ambiente e geração de crédito de carbono ou para garantir que seus clientes tenham uma ótima experiência. Quem entender que uma política eficiente de devolução, gerida com tecnologia, implementando processos cada vez mais eficiente, demonstrará que tem visão de futuro e permanecerá no jogo.
Ana Lucia Pazo Adm. de Empresas pela UERJ. Mais de 20 anos de experiência em operações logísticas. Atuou na coordenação das áreas de Planejamento, Processos, Qualidade, Inventário e operações de médio e grande porte em empresas como ID Logistics, Grupo DPSP, Grupo Sendas e Glencore. Consultora Sr. na Connexxion Consulting.