Governos responsáveis “não deixam como está, para ver como é que fica”

É sempre difícil saber quais serão as consequências que determinadas ocorrências e/ou circunstâncias, locais ou internacionais, poderão produzir em uma determinada sociedade ou país.

A inoperância e o desinteresse do Congresso Nacional atual com relação aos reais problemas brasileiros e o agravamento da guerra entre Israel e o Irã são exemplos de eventos que concreta, direta e indiretamente, afetam negativamente a sociedade, a economia e a política deste nosso querido País. Imprescindível, portanto, que sejam tomadas ações preventivas. Isto é, alguma coisa precisa ser feita, pois o famoso “laissez faire laissez passer” não resolve!

Governos responsáveis “não deixam como está, para ver como é que fica”

Evidente que diante desses impactos, as camadas mais pobres da população são as mais afetadas. E pior, pois se já há algum tempo, como é o caso do Brasil, esses cidadãos vivem com extrema dificuldade, os problemas serão ainda maiores.

Lembremo-nos da época da Covid-19, quando o “brasileiro comum”, imensa maioria da população brasileira, teve que continuar saindo de casa para trabalhar, utilizar veículos de transporte de passageiros cada vez mais lotados, sem recursos para comprar remédios, álcool gel ou sabonete, ainda teve que viver, em sua residência, sem água limpa e tratada.

Atender o receituário mínimo de prevenção da doença, proposto pelos órgãos de saúde ficou quase impossível. Enfatize-se: cerca de 100 milhões de brasileiros (quase 50% de toda a população), seja por viver nas periferias das grandes cidades ou em zonas rurais desprovidas, não têm estruturas mínimas de saneamento básico, isto é, tratamento adequado de água e esgoto. Consequentemente essa grande parcela da população brasileira sofreu, de fato e de forma muito mais contundente, os impactos maléficos da pandemia.

Naquela oportunidade, portanto, a atuação do governo brasileiro precisou ser orientada não só no sentido de se combater a proliferação da doença – essencial, principalmente junto às populações mais pobres e desamparadas – , mas também no sentido de se manter um nível de atividade econômica e de geração de empregos compatível. Vale frisar que aqui no Brasil, para complicar mais, o governo de plantão negou como pode a adoção de providências corretas e recomendadas.

As sugestões para que o Estado fosse mais atuante eram as mais diversas possíveis. Enquanto muitos defendiam a intervenção governamental como forma de dar liquidez às empresas e fazer o governo federal atuar como garantidor do fluxo de caixa de empresas e trabalhadores, outros sugeriam que o governo fornecesse subsídios para setores específicos e garantisse a produção de comida e remédio para todos.

Frase interessante dita pelo falecido economista e ex-presidente do Banco Central, Affonso C. Pastore: “Quando empresas param de vender e param de funcionar, elas continuam a ter que pagar dívidas e, portanto, é imprescindível que se implemente um modo de rolar esse tipo de inadimplência” (grifos meus).

Não há, como não havia à época, qualquer dúvida: nas crises ou em situações difíceis, cuja gravidade é intensa e quase impossível de se prever, a prioridade de qualquer governo deve ser a de salvar vidas e amenizar o sofrimento do maior número de pessoas possível.

Recursos governamentais devem ser usados em gastos e/ou investimentos nas áreas nas quais o setor privado não tem interesse, sejam por quais motivos forem. No momento de uma pandemia, de catástrofes naturais ou outras criadas pelo homem, no momento de uma guerra ou quando as “imperfeições de mercado” se fizerem presentes, será inevitável que o Estado, representado pelo governo do momento, interfira na economia (ou mesmo na sociedade) para amenizar os impactos negativos resultantes.

E ao utilizar recursos públicos com essa finalidade, ninguém irá reclamar do aumento do déficit e, muito menos, do aumento da relação dívida/PIB. Aliás, nem mesmo os empresários e investidores do setor privado, posto que o reestabelecimento da estabilidade e das atividades econômicas é fundamental e benéfica para todos.

“Diante da pandemia do novo coronavírus, o ajuste fiscal deixa de ser prioridade. Urgência é salvar vidas e a economia”, escreveu o Estadão em seu editorial de 19.03.20 (“A voz da responsabilidade”). “O ajuste fiscal é uma evidente necessidade do País. No entanto, diante da pandemia do novo coronavírus, o reequilíbrio das contas públicas deixa de ser prioridade absoluta. A urgência agora é salvar vidas e prover todas as condições possíveis para que a economia seja afetada o menos possível”, completou o editorial.

O que é preciso reafirmar, como tenho comentado há muito tempo, é que não estabelecer e manter um conjunto de políticas públicas mínimas, não desenvolver outras que estimulem o crescimento da economia, a geração de empregos e da renda, são erros comuns e rotineiros que precisam acabar. Em muitos dos casos, os resultados negativos são irremediáveis. Se as reformas são essenciais para a organização da economia e da sociedade nos médios e longos prazos, políticas que estimulem os investimentos produtivos, o crescimento da economia, a geração de empregos e de rendas são essenciais para a sobrevivência do País.

Se as políticas para controle de gastos impedem que se adotem medidas urgentes e “anticíclicas”, sempre e quando precisas, é necessário alterá-las, adaptando-as à realidade econômica e às circunstâncias do momento, quando Mercado e Estado precisam trabalhar juntos.

Ou será preciso que aconteçam catástrofes cada vez maiores, até em escala mundial, para reconhecermos o fato de que já há algum tempo as populações mais pobres são sempre as mais afetadas?

A percepção é a de que somente quando os riscos alcançam todas as populações, em suas diversas faixas de rendas, é que se justificam os aumentos das despesas públicas e a intervenção mais direta do Estado na economia.

Interessante ressaltar o que expressou o jornalista Jamil Chade, em artigo publicado no jornal El País do dia 17/03/20 (“A crise que definirá nossa geração”): “Curioso, num momento de agonia coletiva, a mão invisível do mercado parece não ter poderes para lidar com um inimigo (grifos meus), restando apenas a ironia de ver ultraliberais perguntando onde está o Estado.”

Com relação ao momento da pandemia, a constatação era simples: a dificuldade de se dar uma resposta correta e urgente ao vírus foi o preço que o mundo pagou em face de décadas de baixíssimo investimento nos serviços públicos e nas políticas sociais.

Vale repetir o que já escrevi aqui mesmo na Logweb (“Apesar de tudo, a solução da economia está na política”), em 2017: “os mercados não funcionam de ‘forma perfeita’ e as pessoas, empresas e países, além de não atuarem de uma forma eficiente e sempre racional, ainda consideram, em suas decisões econômicas, valores políticos, sociais, religiosos e culturais que, sabe-se, não se comportam de forma linear.” Não à toa, muitos países, além dos indicadores puramente econômicos, também realizam mensuração de diversas outras variáveis relativas ao bem-estar da sociedade, tais como a liberdade, a felicidade ou a sustentabilidade ambiental.

E quem acompanha as reuniões do Fórum Econômico Mundial, por exemplo, sabe que, além das preocupações com o meio ambiente e os conflitos entre nações, um dos assuntos que mais chamam a atenção é a desigualdade, isto é, a forma injusta como são distribuídos os bens econômicos e serviços produzidos, posto que processos contínuos de concentração de renda e de aumento da desigualdade geram, em todo o mundo, desconfiança com relação às instituições existentes, erosão do contrato social, desesperança com a política e descrédito na própria Democracia. Como consequências imediatas, estimulam-se movimentos sociais mais radicais que testam, de forma contundente, a geopolítica mundial.

Não há dúvidas que a perdurar períodos de tempos cada vez maiores, nos quais as populações menos privilegiadas vivam em condições de pobreza, corre-se o risco de se perder o pouco do que já se conquistou, incluindo-se aí valores e princípios que assegurem o funcionamento do regime democrático.

É fato. O aumento da concentração de renda, da pobreza e da desigualdade, e a diminuição das políticas sociais, em quase todos os países do mundo, em especial no Brasil, têm aumentado o grau de dificuldade para que as populações de baixa renda sobrevivam, no mínimo, com dignidade. E o resultado disso é, sem dúvida, uma ameaça às democracias, na medida em que cidadãos desiludidos se colocam à disposição para votarem em políticos autoritários que, além de tudo, trabalham para enfraquecer as instituições vigentes e “minar” os principais alicerces de um Estado Democrático de Direito.

É inquestionável: governos que conseguem obter melhores resultados socioeconômicos para seus governados sempre terão maiores possibilidades de estabelecerem regimes mais estáveis e, portando, mais duradouros.

Está muito claro que atualmente, o Brasil carece de lideranças políticas muito melhores do que aquelas que aí estão, fazendo com que a desconfiança da população, com relação ao governo, seja crescente. Mesmo por motivos incorretos e injustos, como ocorre atualmente, considerando-se o bom desempenho da economia refletido em alguns dos principais índices de avaliação, tais como o de crescimento da economia, da queda de desemprego, do aumento do salário real e do conjunto da renda, do combate à inflação, da retomada das políticas sociais, dos superávits comerciais, das reservas internacionais, etc.

De qualquer forma, a solução ainda não está dada, pois estimular para que seja mantida a política do “nós contra eles”, querer fazer com que sejam desacreditadas a ciência, a imprensa, os institutos de pesquisa e algumas das principais instituições democráticas estabelecidas, em especial o Poder Judiciário, em nada ajudará o Brasil. Assim como não ajudará afastar o Estado da economia e estabelecer um ‘liberalismo sem regras’, num “laissez faire” ultrapassado.

O momento, pelo contrário, exige total convergência de objetivos e esforços multisetoriais, independentemente de ideologias, pois a superação da crise, aqui no Brasil muito em particular, depende essencialmente da solidariedade entre pessoas, entre civis e militares, entre setor privado e setor público e entre os diversos governos subnacionais. Confiar nas autoridades públicas, todas elas, e cooperar com elas é necessário. Mas com lideranças sérias e comprometidas com o bem-estar da população.

Lamentavelmente, as lideranças políticas brasileiras, assim como parte das empresariais, não têm maiores preocupações com esses temas e, dessa forma, projetam-se futuros cada vez piores para o País, posto que uma das consequências é o estímulo a um cenário político polarizado e que mantém em evidência – e com poder – uma extrema esquerda ultrapassada, burra e corrupta e uma extrema direita retrógrada, ignorante e rancorosa.

Com corporações representativas do funcionalismo público, em todos os poderes (legislativo, judiciário e executivo) e esferas (federal, estadual e municipal), que não aceitam alterações naquilo que consideram “direito adquirido” e não abrindo mão de seus privilégios, com razoável parte do empresariado disputando benesses governamentais, com a maior parte da população brasileira sendo enganada por narrativas autocráticas e salvadoras, e até certo ponto ignorando as reais causas dos problemas brasileiros, e sem lideranças políticas capazes de conduzir um processo convergente de mudanças, o Brasil se candidata e passar seus próximos anos com dificuldades ainda maiores.

Para que se criem condições para saída dessa situação, entre outras tão importantes quanto, algumas providências precisam ser tomadas. Uma delas, como aqui já explanado, é não acreditar no “deus mercado”, em concorrência perfeita e na racionalidade econômica, na qual a preservação do “caixa” é mais importante que a vida das pessoas. O Brasil precisa voltar a investir e a crescer. Já é tempo de se entender que a moderna economia, e sua própria visão de futuro, no qual setores público e privado desempenham papeis complementares, baseia-se na inovação, no desenvolvimento tecnológico e científico, objetiva o aumento da produtividade e da competitividade e exige compromissos permanentes com a prevenção da saúde, com a sustentabilidade, a preservação do meio ambiente, a inclusão social e a diminuição da desigualdade.

Impossível antever o que poderá acontecer em 2026, pois tanto poderemos ser atraídos por um tirano demagógico e populista que, para não se comprometer com nada e agradar a todos “deixe tudo como está”, como poderemos eleger um governante disposto a implantar as reformas necessárias e reforçar a Democracia. Entre esses dois extremos, e diversas outras opções no meio, mais para um lado ou mais para outro, tudo será possível. Apesar de cético e não saber quais são as bases que me fazem acreditar nisso, minha esperança é a de que, pelo menos, mantenhamos a Democracia.

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Paulo Roberto Guedes

Paulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV); Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração); Consultor da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador; Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros; Membro do Conselho Editorial da Revista Tecnologística; Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados; Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, finanças, economia e logística; Articulista de diversas revistas e sites, com mais de 300 artigos publicados (Guia do TRC, Tecnologística, Orbisnews, Logweb e Faria de Oliveira Advogados); Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos e ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional); Foi membro de diversos Conselhos de Administração de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor); Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo); Lecionou em cursos de MBA e pós-graduação na área de Logística Empresarial em várias escolas: EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras); Lecionou em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas); Agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado por serviços prestados à classe dos Economistas, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

 

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