Estoques inteligentes: o equilíbrio entre eficiência, flexibilidade e satisfação do cliente

Neste artigo exclusivo para a Logweb, o colunista Paulo Roberto Bertaglia analisa como a gestão de estoques deixou de ser apenas uma questão operacional para se tornar um pilar estratégico de competitividade. Ele destaca que o equilíbrio entre excesso e escassez é determinante para preservar capital de giro, assegurar níveis de serviço e manter a satisfação do cliente.

Estoque é como oxigênio: demais sufoca, de menos asfixia.

Essa analogia descreve com precisão o desafio enfrentado por empresas de todos os setores ao tentar equilibrar eficiência operacional com flexibilidade no atendimento. Em tempos de mercados voláteis, cadeias de suprimentos pressionadas e consumidores exigentes, o estoque deixou de ser apenas um item contábil ou “coisa do almoxarifado” para se tornar um elemento estratégico de diferenciação competitiva.

Estoques inteligentes: o equilíbrio entre eficiência, flexibilidade e satisfação do cliente

Estoques: vilão, herói ou aliado silencioso?

Durante muito tempo, o estoque foi tratado como um mal necessário. Ele consome espaço, recursos e capital. Porém, quando bem gerido, pode ser uma poderosa alavanca de crescimento. Segundo dados da Accenture, empresas com gestão eficiente de estoques aumentam em até 15% o retorno sobre o capital investido.

É importante destacar que estoque não é só custo. É promessa feita ao cliente. Um estoque equilibrado possibilita agilidade, reduz rupturas e aumenta a confiabilidade na entrega, que são fatores críticos para a experiência de compra.

Um caso real ilustra bem essa dualidade: uma indústria automotiva implementou um modelo just-in-time agressivo com o objetivo de reduzir estoques. A estratégia funcionava bem… até que uma greve de fornecedores paralisou a produção por três semanas. O resultado foi perda de faturamento e migração de clientes para a concorrência. A economia obtida com a redução de estoques foi rapidamente superada pelos danos operacionais e comerciais.

Capital de giro e estoque: o dinheiro parado que custa caro

Cada item no estoque representa capital imobilizado. Em contextos de juros elevados, margens pressionadas e necessidade constante de reinvestimento, estoques excessivos drenam recursos financeiros e limitam a capacidade de crescimento.

Segundo a PwC, 35% das empresas brasileiras mantêm estoques acima do necessário, comprometendo seu capital de giro. Um exemplo prático é o de um grande varejista de moda que acumulou coleções passadas sem giro. O estoque encalhado ultrapassava R$ 50 milhões, forçando a empresa a recorrer a empréstimos onerosos para manter a operação. A solução foi uma mega liquidação e a adoção de novos processos de planejamento e gestão para evitar a repetição do problema.

Monitorar indicadores como DOH (Days on Hand), giro de estoque, taxa de obsolescência e custo de armazenagem é fundamental. Além disso, estratégias como consignação, vendas antecipadas e compras mais ajustadas ao fluxo de caixa ajudam a transformar o estoque em um ativo líquido e não em um passivo financeiro.

A experiência do cliente passa pelo estoque

Se o excesso de estoque imobiliza capital, a escassez compromete o nível de serviço. Empresas que sacrificam disponibilidade em nome da eficiência correm o risco de manchar sua reputação e perder participação de mercado.

Outro caso real mostra os riscos dessa decisão: uma fabricante de bens de consumo resolveu reduzir drasticamente seus estoques para liberar recursos. Em três meses, perdeu 15% de market share devido a falhas no atendimento a grandes varejistas. A operação de emergência para recompor os estoques e restaurar a confiança do mercado foi muito mais cara do que manter um estoque minimamente estratégico.

A chave está no equilíbrio: nem excesso, nem ausência. Estabelecer níveis de serviço diferenciados por produto e por canal, priorizar SKUs (Stock Keeping Units) com maior impacto na percepção do cliente e manter políticas claras de atendimento faz toda a diferença.

KPIs como OTIF (On Time In Full), fill rate, tempo médio de entrega e NPS devem ser acompanhados em tempo real. O estoque precisa estar a serviço da proposta de valor da empresa. E não dissociado dela.

Obserbação: O NPS (Net Promoter Score) é um indicador de lealdade e satisfação do cliente amplamente utilizado por empresas para medir a experiência do consumidor com seus produtos ou serviços.

Inteligência e dados: o novo DNA da gestão de estoques

O tempo em que decisões sobre estoque eram tomadas com base em feeling ou experiência acumulada já passou. Hoje, a gestão inteligente de estoques é orientada por dados, tecnologia e integração entre áreas.

Ferramentas como sistemas WMS, ERPs com módulos avançados e plataformas de analytics proporcionam visibilidade completa da operação. É possível monitorar movimentações em tempo real, identificar padrões de consumo, antecipar sazonalidades e até simular cenários com base em variáveis externas.

Além disso, é fundamental que a gestão de estoques esteja conectada à estratégia de negócio. A integração entre Supply Chain, Finanças, Comercial e Planejamento é essencial para definir níveis de estoque que estejam em sintonia com os objetivos da empresa.

Um exemplo claro dessa abordagem foi adotado por uma empresa de e-commerce que investiu em estoques regionais para reduzir os prazos de entrega. Em seis meses, o NPS subiu 40%. Contudo, os custos logísticos aumentaram 18%. A solução foi revisar a malha de distribuição, reavaliar quais produtos deveriam estar próximos do cliente e quais poderiam ser centralizados. O resultado: equilíbrio entre custo e serviço.

O impacto da inteligência artificial na gestão de estoques

Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) vem transformando a forma como empresas gerenciam seus estoques. Se antes a análise de dados era reativa, hoje a IA permite uma abordagem preditiva e até prescritiva, ou seja, além de prever o que pode acontecer, ela sugere as melhores ações a serem tomadas.

Modelos de machine learning são capazes de identificar padrões ocultos em séries históricas, entender o comportamento de consumo por região, canal ou perfil de cliente e ajustar automaticamente os níveis de reposição. Isso significa, por exemplo, prever picos de demanda com maior precisão e evitar tanto a ruptura quanto o excesso.

Além disso, algoritmos inteligentes podem considerar variáveis como clima, campanhas de marketing, eventos externos, prazos de entrega e até concorrência para ajustar os estoques dinamicamente. Em setores como varejo alimentar, moda e eletroeletrônicos, essa capacidade faz enorme diferença na agilidade de resposta e na margem de lucro.

Outro avanço importante é o uso de IA generativa e assistentes virtuais na análise de dados. Profissionais de planejamento agora podem fazer perguntas em linguagem natural  como “qual será o impacto da Black Friday no estoque de smartphones da marca X?” e receber insights claros, com base em milhões de dados processados em segundos.

Empresas mais avançadas já conectam seus sistemas de IA diretamente aos fornecedores e centros de distribuição, criando ecossistemas autônomos e responsivos. Isso abre espaço para estratégias como “estoque invisível”, onde parte do produto está fisicamente no fornecedor, mas disponível no sistema da empresa com lead time quase zero.

A IA também contribui para decisões financeiras, ao indicar a melhor forma de alocar recursos, qual estoque pode ser monetizado rapidamente ou onde existem oportunidades de negociação com base na rotatividade e no desempenho de vendas.

Em resumo, a inteligência artificial está transformando o estoque em um organismo vivo, capaz de aprender, adaptar-se e otimizar-se continuamente.

O que fazer para transformar o estoque em ativo estratégico

Boas práticas recomendadas:

  • Utilizar dados históricos combinados com previsões de mercado para aperfeiçoar a acuracidade da demanda.
  • Criar parcerias com fornecedores, reduzindo lead times e aumentando a confiabilidade.
  • Adotar políticas de estoque diferenciadas por categoria de produto, baseando-se na relevância estratégica de cada SKU.
  • Integrar áreas internas na definição das políticas de reposição.
  • Investir em tecnologia para garantir visibilidade, controle e automação dos processos.
  • Monitorar KPIs críticos de giro, cobertura, disponibilidade e performance de atendimento.

Práticas que devem ser evitadas:

  • Reduzir estoques de forma generalizada, sem avaliar o impacto no nível de serviço.
  • Tratar todos os SKUs como se tivessem o mesmo peso estratégico.
  • Deixar decisões sobre estoques isoladas na área de logística, sem envolvimento das áreas comercial e financeira.
  • Ignorar variações sazonais ou sinais de mudanças no comportamento da demanda.
  • Manter estoques elevados por “segurança”, sem análise de impacto no capital de giro.

Estoques: custo, ativo ou vantagem competitiva?

A verdade é que o estoque pode ser todos esses elementos ao mesmo tempo. Ele será custo se for mal gerenciado, será ativo se estiver alinhado à estratégia financeira e será vantagem competitiva se for usado para encantar clientes, reduzir prazos e fortalecer o posicionamento da marca.

Não se trata de “ter mais” ou “ter menos” estoque, e sim de “ter o estoque certo”. Isso exige visão sistêmica, capacidade de adaptação e, principalmente, inteligência na gestão.

Gestão de estoques é gestão de expectativas. É alinhar a operação à promessa feita ao cliente e ao capital disponível para cumpri-la. No final, empresas que tratam o estoque com a seriedade que ele merece colhem mais que eficiência: colhem relevância no mercado. Parece simples, não é? Concordo que é bem complexo!

Conclusão: sua empresa sabe realmente o que está armazenando?

A gestão inteligente de estoques é um pilar estratégico para empresas que desejam crescer com equilíbrio, competitividade e foco no cliente. Ir além do controle físico e financeiro, integrando dados, tecnologia e inteligência artificial, é o caminho para transformar o estoque em vantagem competitiva. Equilibrar capital de giro, nível de serviço e eficiência logística não é uma tarefa simples — exige análise contínua, colaboração entre áreas e visão sistêmica. Empresas que entendem o estoque como elo entre promessa e entrega fortalecem sua reputação, fidelizam clientes e ganham agilidade para enfrentar os desafios do mercado. Mais do que armazenar produtos, é preciso armazenar valor.

Por hoje é só. Ao infinito e além. Que a força esteja conosco.

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Nos vemos por aí; no mundo virtual e quem sabe no presencial.

Ao infinito e além!

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Paulo Roberto Bertaglia

Paulo Roberto Bertaglia

Fundador e Diretor Executivo da Berthas, empresa de consultora especializada em supply chain e cofundador da Aveso, organização que atua conectando o ecossistema de startups, investidores e empresas em busca de soluções. Atuou nas empresas: IBM, Unilever, Hewlett-Packard e Oracle. Ao longo da carreira tem se especializado nas áreas de Supply Chain Management, Gestão estratégica de Negócios, Liderança, Vendas e Terceirização de Serviços. Professor de pós-graduação em Logística, Gestão Estratégica de Negócios e Tecnologia da Informação. É Autor de vários livros, entre eles Logística e Gerenciamento da Cadeia de Abastecimento – Editora Saraiva, 4ª edição – 2020. Realiza palestras de temas estratégicos, cadeia de abastecimento e liderança empresarial para empresas e instituições educacionais, além de consultorias e mentorias. É fundador da Prosa com Bertaglia, movimento voluntário para a educação cujo acesso é: https://bit.ly/3VW9Anp

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