Em seu novo artigo para o Portal Logweb, o colunista Paulo Roberto Guedes volta a destacar um assunto do qual é grande conhecedor: os aumentos persistentes nos níveis de desigualdade social e de concentração de renda e de riqueza.
Já há algum tempo eu venho comentando a respeito daqueles que reputo alguns dos mais graves problemas do mundo atual e, em especial, do Brasil: os aumentos persistentes nos níveis de desigualdade social e de concentração de renda e de riqueza (1). E pior, além de se constatar uma insistente e lamentável carência de providências a respeito, percebe-se o veemente e coordenado combate que se faz a quaisquer propostas que objetivem a diminuição dos enormes impactos negativos que essa situação tem propiciado, ao longo do tempo, às camadas mais pobres das populações em todo o mundo.
Embora o assunto ‘não esteja em cartaz’ no momento, ele continua sendo um gravíssimo problema ainda a ser resolvido, posto que, além do sofrimento causado a essas populações mais vulneráveis, o que por si só mereceria atenção constante de todos, a desigualdade compromete qualquer governo, principalmente os democráticos, uma vez que concentra, cada vez mais, poder nas mãos de, proporcionalmente, poucos.

Consequentemente, e mesmo considerando que no momento muito há que se discutir a respeito ‘das taxas impostas por Trump ao Brasil’, mas também em face do novo relatório publicado pela Oxfam dia 25 pp., resolvi comentar a respeito da desigualdade. Novamente.
E para iniciar, gostaria de reproduzir uma pequena frase publicada no Relatório da Oxfam: o “desenvolvimento global está ‘desastrosamente fora do rumo’”.
E isso se deve não só pelo fato da constatação de que, mesmo depois da aprovação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS/ONU), já passados dez anos, mais de 3,7 bilhões de pessoas ainda permanecem na pobreza, mas porque “a riqueza do 1% mais ricos do mundo aumentou, em termos reais, mais de US$ 33,9 trilhões desde 2015”, suficientes para “eliminar a pobreza global anual 22 vezes”. Entre outras informações, os dados indicam que “a fortuna de apenas 3.000 bilionários cresceu US$ 6,5 trilhões no mesmo período e agora equivale a 14,6% do PIB global”.
Cabe destacar, ainda segundo dados do relatório, que apenas 16% das metas dos ODS estão no rumo certo para 2030.
Constata-se, ainda, que o aumento da riqueza privada, entre 1995 e 2023, foi oito vezes maior que o da riqueza pública (2), obrigando os governos a realizarem cortes significativos nas políticas sociais, mais precisamente naqueles voltados à ajuda humanitária (3).
Lembrando que essa pesquisa global mostra que “9 em cada 10 pessoas apoiam financiar serviços públicos e ações climáticas com impostos sobre os super-ricos”, a Oxfam solicita que sejam realizadas alianças estratégicas com objetivos únicos de “combater a desigualdade, revitalizar a ajuda humanitária, taxar os super-ricos e priorizar o setor público sobre o privado” (4).
O diretor-executivo da Oxfam Internacional, Amitabh Behar não vacila ao dizer que a “tomada do poder pelo setor financeiro privado, que suplantou as formas comprovadas de combater a pobreza por meio de investimentos públicos e tributação justa”, foi a grande responsável para tirar do rumo os governos nacionais, “seja na promoção de empregos dignos, igualdade de gênero ou fim da fome”. Sem dúvida, continua Behar, é “essa concentração de riqueza que está sufocando os esforços para acabar com a pobreza”.
Entre as inúmeras sugestões, algumas que servem para todos os países nos quais a desigualdade e a injustiça social estejam significativamente presentes: a) “investimentos em desenvolvimento devem ser liderados pelo Estado, de forma a “garantir serviços universais de saúde, educação e assistência de alta qualidade – e explorar bens públicos em setores como energia e transporte”: b) governos precisam apoiar “uma nova convenção da ONU sobre sistema tributário”, de tal forma que se aumentem os tributos das pessoas extremamente ricas (5) ou com patrimônio muito alto.
Não há qualquer dúvida que esse modelo de desenvolvimento global, fracassado quando se analisam as informações relativas à pobreza (aumento), também é repetido aqui no Brasil (6).
Nestes últimos 20 anos, principalmente, as discussões relativas aos reais interesse da população brasileira são postergadas. Principalmente quando se coloca “em perigo” o “status quo” estabelecido que garante, aos poderosos, a manutenção dos poderes político e econômico. Combater a desigualdade, por exemplo, parece estar de acordo com o desejo da grande maioria do povo brasileiro, mas no momento no qual se percebe que isso poderá propiciar perdas a grupos de interesse específicos e determinados, e com muitos recursos e poder, “esse desejo” diminui e atitudes contrárias são percebidas. E de todas as formas, como a pressão ocorrida junto ao Congresso para que não se diminuísse o imposto de renda das pessoas mais pobres, caso isso implicasse em aumento de impostos das pessoas mais ricas.
Como se vê, e infelizmente, o Congresso Nacional Brasileiro se mantem de costas aos interesses nacionais e, em especial, às necessidades das camadas mais pobres da população, posto que adotam medidas que alimentam a injustiça fiscal e social do Brasil. A derrubada do decreto presidencial que aumentaria o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o adiamento das discussões a respeito da tributação dos mais ricos, das grandes fortunas, dos lucros e dos dividendos, a prorrogação das discussões que tratam da isenção do imposto de renda daqueles que recebem até R$ 5 mil por mês e o aumento do número de deputados federais e, consequentemente, das despesas relativas, são exemplos típicos de quem pouco está interessado em analisar os principais problemas nacionais.
Como sugere a diretora-executiva da Oxfam Brasil, Viviana Santiago (7), essas providências, no mínimo, “reforçam uma lógica de austeridade seletiva que impõe sacrifícios crescentes à população mais pobre, ao mesmo tempo em que preserva – e até amplia – os privilégios da elite econômica e política brasileira”.
Embora haja grandes divergências entre os países, dependendo do assunto e, principalmente, quando se discutem interesses políticos, econômicos e comerciais, a reunião do BRICS produziu um relatório no qual prevaleceu a moderação, valendo destacar que, “além da declaração de líderes, foram aprovadas declarações sobre finanças climáticas, sobre governança global da inteligência artificial e a parceria do Brics para a eliminação de doenças socialmente determinadas” (8).
Mas, mais do que isso. Dentre os diversos temas apresentados, foram incluídas, concreta e diretamente, discussões a respeito da ampliação da cooperação entre os países em desenvolvimento nas áreas de saúde, com o estabelecimento de parcerias e projetos com os países-membros para ampliar a cooperação no combate a doenças tropicais, aprimoramento das estruturas de financiamento para enfrentar as mudanças climáticas, taxação dos super-ricos e apoio à governança inclusiva (grifos meus). Coincidência?
O site Automotive Business e a MHD Consultoria pesquisaram 31 empresas do setor e publicaram a 5ª edição da pesquisa “Diversidade e ESG no Setor Automotivo” (9). Mesmo sendo um setor específico, vale à pena ressaltar alguns pontos, posto que coincide muito com o que acontece junto à quase totalidade das empresas brasileiras.
Vejam-se os principais resultados obtidos: a) Eixo LGBQTI+ foi o único que apresentou retrocesso, posto que, entre 2023 e 2025, “as empresas que realizavam ações e programas específicos diminuíram de 46% para 27%. Apenas 2% dos colaboradores do setor são LGBQTI+ e só 1% chega à liderança. As pessoas trans são apenas 0,33% do setor; b) mulheres superam homens nos cargos de entrada, mas só 20% estão na liderança; c) pessoas negras estão nos cargos de entrada, mas somente 2% chegam à alta liderança; d) 71% das empresas têm agenda ESG por exigência das matrizes (grifos meus); e) em suas autoavaliações as empresas acreditam estar em estágio avançado quando se trata de meio ambiente (E) e governança (G), mas acreditam estar no início quando se trata do tema impacto social (S). Pois é…
Portanto, o Brasil, à semelhança do que tem ocorrido em grande parte dos países deste planeta, precisa discutir o que é essencial e convergir na consecução de medidas que favoreçam, de fato, a grande maioria da população, e uma delas, sem qualquer dúvida, é diminuir a concentração da renda e da riqueza que caracteriza, e de forma negativa, nosso País. Trabalho difícil, mas essencial.
Faço a mesma observação que fiz em artigo já citado e que foi publicado aqui na Logweb no mês de abril deste ano: “o mundo empresarial sabe que nos últimos trinta ou quarenta anos, a globalização propiciou o crescimento e o desenvolvimento da maioria das empresas do mundo ocidental. O sucesso e o lucro passaram a fazer parte do ‘dia a dia’ da maioria das empresas e os benefícios obtidos, distribuídos de forma muito desigual, foram percebidos em quase todo o mundo. Atualmente, assim como se questionam as providências relativas à proteção do meio ambiente, questionam-se os princípios da globalização e das sociedades democráticas, motivos mais do que suficientes para que os setores empresariais, de todos os segmentos produtivos, tomem posições firmes e concretas em suas defesas (Democracia, meio ambiente e diminuição do sofrimento das populações mais pobres).
Pode-se, inclusive, sugerir mudanças para a melhoria e o aperfeiçoamento de cada uma das providências propostas, mas jamais negá-las como instituições que, como o próprio regime Democrático, fizeram a humanidade avançar.
A Democracia pode não estar correndo o perigo que acredito, mas considerando a qualidade dos políticos e das lideranças empresariais do momento, é muito difícil saber o que fazer, posto que vivemos uma crise política, econômica, social e de valores. Não se pode ignorar que os valores morais e éticos, consagrados pela maioria da sociedade mundial, mais precisamente do mundo livre, estão sendo, em muitos casos, ignorados. Infelizmente, não só pelas ditaduras e/ou países totalitários, mas também por partes significativas das sociedades que constitui os países livres e democráticos.
Para finalizar, repito o que escrevi em artigo específico, publicado aqui mesmo no site da Logweb, dia 15/01/24 (“Combate à desigualdade e à concentração de renda ainda são prioridades no Brasil”): “o aumento da desigualdade, não somente na renda, mas também no mercado de trabalho, na educação, no sistema habitacional ou nas creches, na infraestrutura geral, no saneamento básico e na água potável, na distribuição de justiça e na saúde ou no sistema tributário, está a exigir providências urgentes e que diferem, e muito, das mesmices propostas até agora pelos nossos dirigentes, tanto da classe empresarial como política. De novo: “não é possível acreditar que em um País como o Brasil, no qual os índices de concentração de renda e de desigualdade só tem aumentado, o desequilíbrio fiscal e a consequente destruição da capacidade de investimentos do governo se deram por conta dos mais pobres e desempregados. Ou por causa dos benefícios sociais existentes. Sem dúvida, a crise não foi criada por essa parcela significativa da população brasileira”.
(1) Publicados aqui no site da Logweb, cito alguns como exemplo: “Combate à desigualdade e à concentração de renda são prioridades no Brasil’ (15/01/24); “Um dos mais graves problemas do mundo atual, a desigualdade, exige esforços de todos nós. Principalmente aqui no Brasil” (15/03/24); “Acima das demais prioridades, o Brasil precisa combater, de fato, os processos que continuam concentrando renda e riqueza” (18/02/25); “Democracia ainda como prioridade”
(2) Análises mais detalhadas do relatório mostram que, “entre 1995 e 2023, a riqueza privada global cresceu US$ 342 trilhões – 8 vezes mais que a riqueza pública global, que aumentou apenas US$ 44 trilhões. A riqueza pública global – como parcela da riqueza total – na verdade diminuiu entre 1995 e 2023”.
(3) Nos países ricos, desde 1960 são realizadas diminuições nas despesas direcionadas à ajuda humanitária. Até 2026, “os países do G7, responsáveis por 75% da ajuda oficial, reduzirão seus repasses em 28%”.
(4) Necessário, posto que a priorização aos investimentos privados beneficiou muito mais os ricos (aquele 1% que detêm 43% dos ativos globais), ao invés de direcionar recursos para o desenvolvimento: “credores privados, que hoje representam metade da dívida dos países pobres, agravam a crise com termos abusivos e recusa em renegociar”. “O desenvolvimento global está falhando porque os interesses de uma minoria super-rica são colocados acima de todos os outros”, disse Amitabh Behar, diretor-executivo da Oxfam Internacional”.
(5) Pesquisa sobre taxação dos super-ricos, encomendada pela Oxfam Internacional e Greenpeace, foi realizada pela Dynata, entre maio de junho de 2025. 13 países foram pesquisados: Brasil, Canadá, França, Alemanha, Quênia, Itália, Índia, México, Filipinas, África do Sul, Espanha, Reino Unido e EUA. Juntos, esses países representam quase metade da população mundial.
(6) “O Brasil é um retrato escancarado do fracasso do atual modelo de desenvolvimento global, que prioriza lucros privados, em vez do bem-estar coletivo. A extrema concentração de riqueza no topo, alimentada por um sistema tributário injusto e regressivo, aprofunda desigualdades históricas de raça e gênero. São as mulheres negras, indígenas e periféricas que pagam o preço mais alto da crise climática, da fome e do desmonte dos serviços públicos” (Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil).
(7) “Decisões do Congresso aprofundam privilégios e ameaçam combate à desigualdade, alerta Oxfam Brasil” – artigo de Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil, publicado dia 27.06.25.
(8) “O Brasil no Brics”. Artigo do embaixador Rubens Barbosa, publicado no Estadão de 08.07.25.
(9) “6 Fatos sobre Diversidade e ESG em 2025” – Automotive Business. Artigo publicado por Natália Scarabotto, dia 03/07/25.
Paulo Roberto Guedes – 14.07.25










