A Childhood Brasil lançou a 5ª edição da pesquisa “O Perfil do Caminhoneiro Brasileiro”, realizada em parceria com a Universidade Federal de Sergipe (UFS). A série histórica completa 20 anos de monitoramento e oferece um retrato aprofundado das condições de vida, trabalho e percepção dos caminhoneiros sobre as rodovias brasileiras, além de indicadores sobre exploração sexual nas estradas envolvendo crianças e adolescentes (ESCA).
A pesquisa nasceu em 2005, quando a instituição identificou a necessidade de compreender mais profundamente a realidade dos caminhoneiros para além do enfrentamento direto à violação. A primeira edição originou o Programa Na Mão Certa, iniciativa que mobiliza empresas, governos e sociedade civil para proteger crianças e adolescentes e reconhece o caminhoneiro como agente fundamental no combate à ESCA.

Condições de trabalho e desafios cotidianos
O perfil médio permanece semelhante ao registrado nas últimas duas décadas: homens, cerca de 45 anos e 17 anos de profissão. Apesar da recuperação da renda nominal para R$ 6.000 em 2025, o poder de compra continua inferior ao de 2010. A qualidade de vida é impactada por insegurança nas rodovias (73,8%), má infraestrutura (66,9%) e afastamento prolongado da família (57%).
As condições de parada seguem críticas. As queixas incluem falta de banheiros limpos (80,0%), comida de qualidade (70,0%) e preços acessíveis (63,5%). Além disso, 50,7% apontam ausência de atendimento médico, enquanto 44,3% solicitam melhor acesso à internet. Entre caminhoneiras, a insalubridade e insegurança dos banheiros é destacada como “o pior aspecto da profissão”.
Estigma e desvalorização da profissão
O estudo mostra que 86% dos caminhoneiros consideram a profissão mal vista pela sociedade, fato que impacta não apenas a autoestima, mas também a atratividade da carreira.
Redução histórica de envolvimento e maior conscientização
Os resultados apontam avanço significativo na conscientização sobre exploração sexual nas estradas. Em 2025, 96% dos caminhoneiros afirmaram não ter tido relações sexuais com crianças ou adolescentes nos últimos cinco anos — índice que era de 63% em 2005. A autodeclaração de envolvimento caiu para 4%, comparada aos 36,8% registrados na primeira edição.
Essa evolução demonstra maior entendimento sobre a gravidade da violação e reforça o impacto de duas décadas de campanhas educativas. O estudo também identifica aumento da capacidade de percepção do problema: 78% reconhecem que a ESCA segue presente nas estradas.
Identificação de riscos e situações presenciadas
Segundo o levantamento, 54% já viram meninas sendo exploradas e 43% relataram exploração envolvendo meninos, número superior aos 32% registrados em 2021. As regiões Nordeste e Norte seguem como as áreas mais citadas para relatos de suspeita ou risco. Além disso, 13,5% receberam oferta de programa sexual envolvendo menores e 9% presenciaram exploração com crianças.
Apesar disso, houve queda em comportamentos nocivos: apenas 3,8% viram colegas dando carona a crianças ou adolescentes, índice bem menor do que em edições anteriores.
Crenças, percepções e novos desafios
Entre os participantes, 77,3% apoiam a redução da maioridade penal e 59,4% a pena de morte, enquanto 21% ainda não reconhecem a ESCA como crime. Cerca de 10% acreditam que crianças e adolescentes “gostam de sexo”, dado que revela persistência de estigmas culturais e necessidade de fortalecer o trabalho educativo.
O ambiente digital também aparece como nova fonte de risco: 9,5% já receberam ofertas sexuais envolvendo menores por canais digitais, e 7,7% tiveram contato com material envolvendo crianças ou adolescentes, muitas vezes em grupos sem filtragem adequada.
Impactos do Programa Na Mão Certa
A pesquisa mostra que conhecer o Programa Na Mão Certa influencia positivamente as percepções dos caminhoneiros. A concordância com a frase “as mulheres devem obedecer aos homens” cai para 11% entre os que conhecem o programa, comparada a 25% entre os que não conhecem. A busca por “Mulheres das comunidades por onde anda” ocorre em apenas 0,9% entre os participantes que conhecem o programa, frente a 9,2% daqueles que não conhecem.
Com 620 caminhoneiros entrevistados, a edição de 2025 ampliou recortes relacionados a rotas do agronegócio e áreas portuárias.
Ao comentar os resultados, Eva Dengler destacou: “A união de esforços para erradicar a ESCA só é possível quando baseada em evidências, e nossa pesquisa tem contribuído de forma contínua para demonstrar os impactos positivos já alcançados, ao mesmo tempo em que lança luz sobre desafios, tanto novos quanto persistentes, que ainda precisamos superar”.







