Black Friday e sazonalidade: o campo de provas do Supply Chain moderno

Em seu novo artigo para o Portal Logweb, o colunista Paulo Roberto Bertaglia mostra que a Black Friday é mais do que uma data de consumo: é um teste de eficiência e maturidade das cadeias de suprimentos. O autor explica que o sucesso depende da integração entre planejamento, tecnologia e pessoas, destacando o equilíbrio de estoques, o transporte eficiente e a resiliência digital. Bertaglia conclui que o Supply Chain é hoje o motor estratégico das empresas, capaz de transformar desafios em vantagem competitiva.

 A origem da Black Friday

Em uma de minhas palestras sobre os desafios logísticos, curiosamente uma das pessoas na plateia me perguntou:

– Paulo, falamos tanto de Black Friday, mas qual a origem deste nome?

A Black Friday nasceu nos Estados Unidos, na década de 1960, e tinha um significado bem diferente do atual. O termo foi criado por policiais da Filadélfia para descrever o caos que tomava conta das ruas no dia seguinte ao feriado de Ação de Graças, quando multidões de consumidores invadiam as lojas em busca de promoções.

Com o tempo, o varejo norte-americano se apropriou do termo e o transformou em uma poderosa estratégia comercial. Uma jogada fantástica. A expressão, que inicialmente remetia à confusão e ao trânsito intenso, passou a simbolizar o momento em que as empresas “saíam do vermelho” e voltavam ao lucro: o preto dos balanços contábeis.

A partir dos anos 2000, o fenômeno ganhou o mundo, impulsionado pelo comércio eletrônico e pela globalização das campanhas de marketing. Países como Canadá, Reino Unido e Alemanha foram os primeiros a aderir, seguidos por mercados emergentes como México, Índia e Brasil.

Loggi divulga Mapa da Logística com tendências da Black Friday 2025

Em 2024, a Black Friday movimentou cerca de US$ 74,4 bilhões em vendas online no mundo, segundo dados da Adobe e do portal TechCrunch, um crescimento de 5% em relação ao ano anterior. Nos Estados Unidos, o total atingiu US$ 10,8 bilhões, novo recorde histórico. O Brasil também se consolidou como um dos principais mercados, com forte uso do Pix e aumento expressivo de transações digitais.

O que muitos veem apenas como uma data de consumo, os profissionais de Supply Chain enxergam como o maior teste de maturidade operacional do ano.

O teste de maturidade do Supply Chain

Durante as semanas que antecedem o evento, as empresas revisam processos, reforçam estoques, ampliam turnos, ajustam sistemas e fortalecem parcerias. Tudo é preparado para o grande momento.

Mas, quando a Black Friday chega, o verdadeiro desafio é a execução. A sincronia entre planejamento, tecnologia e pessoas determina o sucesso ou o fracasso.

Um erro na previsão de demanda, uma falha no sistema ou um atraso no transporte pode comprometer a reputação. Por isso, organizações mais maduras tratam a Black Friday como um projeto anual de performance, e não como uma simples ação promocional.

O evento é, na prática, um espelho da maturidade do Supply Chain moderno.

Planejamento e estoque: o equilíbrio entre excesso e ruptura

O planejamento de estoque é o primeiro grande teste de competência. A tarefa é equilibrar o risco de ruptura, quando o produto falta, com o risco de excesso, que gera custos e reduz margens.

Empresas de ponta utilizam modelos preditivos que cruzam dados históricos, tendências digitais e comportamento regional. O uso de analytics e inteligência artificial tornou o planejamento mais preciso, reduzindo o impacto do “efeito chicote”, que distorce o fluxo logístico.

O estoque ideal é aquele que se ajusta à velocidade do cliente. Isso requer integração entre áreas que, tradicionalmente, funcionavam de forma isolada. Marketing, comercial e operações precisam falar a mesma língua para garantir coerência entre as ofertas e a capacidade de entrega.

O erro mais comum é prometer o que a logística não consegue cumprir. Por isso, monitorar vendas em tempo real, criar políticas diferenciadas para itens de alto giro e ajustar a capacidade de armazenagem são práticas indispensáveis.

Na Black Friday, o estoque deixa de ser apenas custo e se torna ativo estratégico. É ele que sustenta a execução e protege a reputação da empresa.

Transporte e last mile: a prova de fogo da experiência do cliente

O transporte é o ponto onde o planejamento encontra a realidade. Na Black Friday, ele se transforma no divisor entre o sucesso e o caos.

Com o aumento repentino do volume de pedidos, as transportadoras e os Operadores Logísticos precisam responder com agilidade e precisão. Mesmo sob alta pressão, o cliente espera o mesmo padrão de sempre: receber rápido, bem e no prazo prometido.

Empresas líderes tratam essa etapa como uma operação crítica. As frotas são monitoradas em tempo real, rotas são reprogramadas conforme o tráfego e o clima, e as torres de controle integram informações de diversos sistemas (TMS, WMS e ERP).

O uso de hubs urbanos, lockers e pontos de retirada complementares ajuda a driblar gargalos e manter a eficiência da última milha. A comunicação proativa em caso de desvios é outro diferencial: informar o cliente antes que ele pergunte é uma demonstração de transparência e comprometimento.

Além de estoques e sistemas, a logística de transporte mostra-se um dos maiores pontos de fragilidade. Estudos apontam que mais de 6% das entregas na Black Friday são realizadas com atraso ou falha, e na Europa o transporte rodoviário aponta escassez de motoristas e congestionamentos graves no período. Essas falhas afetam diretamente a reputação da marca e a experiência do cliente.

Em um cenário onde a experiência define a fidelidade, entregar com confiança é tão importante quanto entregar rápido.

Falhas digitais e prejuízos operacionais

A Black Friday também expõe a vulnerabilidade das operações digitais. Nos últimos anos, diversos e-commerces relevantes sofreram quedas e falhas graves durante o evento.

Em 2020, um estudo da Sofist, divulgado pelo portal E-commerce Brasil, monitorou 105 lojas virtuais e constatou que 75 delas apresentaram indisponibilidade ou erros que impediram a compra em algum momento, com prejuízo estimado em R$ 48,7 milhões. Já em 2022, 56 e-commerces ficaram fora do ar por mais de 15 horas, acumulando perdas próximas a R$ 26,9 milhões.

Esses casos mostram que o Supply Chain moderno vai muito além do transporte e do estoque. A infraestrutura tecnológica, envolvendo sites, integrações e sistemas de pagamento é parte essencial da cadeia. Uma falha digital pode comprometer todo o planejamento e gerar um efeito dominó sobre vendas, expedição e atendimento.

Empresas que investem em resiliência tecnológica, com testes de carga, redundância de servidores e planos de contingência digital, reduzem riscos e protegem a experiência do cliente mesmo sob picos de demanda.

Pessoas e cultura: a força invisível da operação

Por trás das máquinas e sistemas há pessoas. São elas que garantem que cada pedido chegue ao destino, mesmo sob jornadas intensas e pressões extremas.

Black Friday não é vencida apenas com tecnologia. Ela depende de equipes comprometidas e lideranças presentes. Empresas que reconhecem o valor humano e criam ambientes de apoio constroem resiliência e engajamento.

A cultura organizacional é o alicerce que sustenta a performance. Comunicação clara, reconhecimento em tempo real e suporte emocional fazem diferença. Simulações operacionais e treinamentos prévios ajudam a preparar o time para reagir com agilidade.

Depois do evento, celebrar resultados e compartilhar aprendizados transforma esforço em motivação. A tecnologia pode acelerar, mas são as pessoas que mantêm a engrenagem girando com propósito e energia.

Tecnologia e integração: o cérebro do Supply Chain moderno

Nenhuma operação moderna sobrevive à Black Friday sem integração tecnológica. A combinação entre ERP, WMS e TMS garante que as informações fluam de forma contínua, do pedido à entrega.

As empresas têm ampliado o uso de inteligência artificial e analytics preditivo para antecipar gargalos logísticos, ajustar estoques automaticamente e otimizar rotas de transporte. Essa automação tem trazido ganhos expressivos de produtividade e redução de custos.

A tecnologia, no entanto, só gera valor quando está alinhada à estratégia. Dashboards inteligentes e torres de controle centralizadas permitem decisões rápidas e baseadas em dados, reduzindo a dependência de percepções isoladas.

A Black Friday tem se tornado, ano após ano, um verdadeiro laboratório de inovação. Cada edição revela novas ferramentas, novos modelos de integração e novos níveis de eficiência operacional.

Gestão de riscos e resiliência operacional

Mesmo com todo o preparo, imprevistos acontecem. Picos inesperados de demanda, falhas em sistemas, congestionamentos e indisponibilidade de fornecedores são comuns.

Empresas maduras se destacam pela capacidade de reagir rapidamente e minimizar impactos. Planos de contingência, múltiplas rotas de transporte e parceiros alternativos são práticas indispensáveis.

A comunicação integrada é outro pilar da resiliência. Manter todas as áreas integradas e alinhadas reduz o tempo de resposta e evita decisões precipitadas.

Resiliência não é improviso. É um ativo construído ao longo do tempo, com aprendizado contínuo e cultura de prevenção. As empresas que analisam cada ciclo e revisam seus processos de forma sistemática constroem operações mais robustas e preparadas para o futuro.

Da Black Friday à gestão da sazonalidade

Os aprendizados da Black Friday se estendem a qualquer operação sazonal. Seja no Natal, na Páscoa, no Dia das Mães ou em campanhas específicas de varejo e indústria, o desafio é o mesmo: antecipar, planejar e executar com excelência sob pressão.

As empresas que tratam esses períodos como laboratórios de melhoria contínua evoluem rapidamente. Elas aprendem a equilibrar custos, agilidade e qualidade sem comprometer a experiência do cliente.

Sazonalidade deixou de ser apenas um desafio operacional. Hoje, é um indicador da maturidade estratégica do Supply Chain.

Conclusão: o Supply Chain como motor estratégico

A Black Friday é o espelho da competência organizacional. Ela revela o quanto uma empresa é capaz de transformar planejamento em execução, dados em decisões e pessoas em propósito.

O sucesso não está apenas nas vendas recordes, mas na capacidade de atravessar o período com clientes satisfeitos, equipes motivadas e processos aprimorados. E cá entre nós: voltarão a comprar no próximo ciclo.

Empresas que tratam a Black Friday como sprint perdem fôlego. As que a encaram como maratona chegam mais fortes, mais preparadas e mais conscientes do próprio potencial.

O Supply Chain deixou de ser um suporte e se tornou o motor estratégico das organizações. É nele que se cumpre a promessa ao cliente, se protege a reputação da marca e se constrói a sustentabilidade dos resultados.

A Black Friday é, antes de tudo, o reflexo da maturidade e da integração de uma cadeia que aprendeu a transformar complexidade em vantagem competitiva.

Por hoje é só. Ao infinito e além. Que a força esteja conosco. Estou no Linkedin. Me procure por lá e vamos trocar ideias. É sempre saudável! Você me acha neste link: https://www.linkedin.com/in/paulobertaglia/ e também na página da empresa Berthas https://www.linkedin.com/company/berthas.com.br e me acompanhe também na Prosa com Bertaglia, o meu canal do Youtube para disseminar o conhecimento, onde pessoas fantásticas comparecem para compartilharem suas experiências e conhecimentos. Faça uma visita: https://youtube.com/@PauloBertaglia

Nos vemos por aí; no mundo virtual e quem sabe no presencial.

Ao infinito e além.

Últimas obras publicadas:

– Logistica e Gerenciamento das Cadeias de Abastecimento

– Supply Chain, Logística e Liderança: O futuro é hoje

Compartilhe:
Paulo Roberto Bertaglia

Paulo Roberto Bertaglia

Fundador e Diretor Executivo da Berthas, empresa de consultora especializada em supply chain e cofundador da Aveso, organização que atua conectando o ecossistema de startups, investidores e empresas em busca de soluções. Atuou nas empresas: IBM, Unilever, Hewlett-Packard e Oracle. Ao longo da carreira tem se especializado nas áreas de Supply Chain Management, Gestão estratégica de Negócios, Liderança, Vendas e Terceirização de Serviços. Professor de pós-graduação em Logística, Gestão Estratégica de Negócios e Tecnologia da Informação. É Autor de vários livros, entre eles Logística e Gerenciamento da Cadeia de Abastecimento – Editora Saraiva, 4ª edição – 2020. Realiza palestras de temas estratégicos, cadeia de abastecimento e liderança empresarial para empresas e instituições educacionais, além de consultorias e mentorias. É fundador da Prosa com Bertaglia, movimento voluntário para a educação cujo acesso é: https://bit.ly/3VW9Anp

615x430 Savoy julho 2025
Concessões de rodovias em 2026 somam R$ 158 bilhões e ampliam segurança nas estradas, analisa Sinaceg
Concessões de rodovias em 2026 somam R$ 158 bilhões e ampliam segurança nas estradas, analisa Sinaceg
Demanda global por transporte aéreo de carga cresce 2,2% em maio, segundo IATA
Demanda global de carga aérea cresce 4,1% em outubro e marca oito meses de alta
Mercedes-Benz do Brasil e Grupo Tombini lançam projeto de valorização de motoristas
Mercedes-Benz e Grupo Tombini lançam projeto de valorização de motoristas
Vports terá operações ferroviárias em 2026 com mais de R$ 100 milhões em investimentos
Vports terá operações ferroviárias em 2026 com mais de R$ 100 milhões em investimentos
Grupo Emtel reduz 92% o tempo de inventário de emissões de gases com automatização integrada ao ERP da TOTVS
Grupo Emtel reduz 92% o tempo de inventário de emissões de gases com automatização integrada ao ERP da TOTVS
Brado inaugura rota ferroviária de 2,7 mil km e conecta Sudeste ao Norte e Nordeste
Brado inaugura rota ferroviária de 2,7 mil km e conecta Sudeste ao Norte e Nordeste

As mais lidas

01

Planejamento logístico anual: como alinhar dados, tecnologia e estratégia para um ano mais eficiente
Planejamento logístico anual: como alinhar dados, tecnologia e estratégia para um ano mais eficiente

02

Tendências que vão redefinir a logística em 2026: tecnologia, integração regional, sustentabilidade e novos fluxos globais
Tendências que vão redefinir a logística em 2026: tecnologia, integração regional, sustentabilidade e novos fluxos globais

03

Grupo Elfa inaugura Centro de Distribuição e amplia operação Dental no Sudeste
Grupo Elfa inaugura Centro de Distribuição e amplia operação Dental no Sudeste