O regulador desregulado

Por Eduardo Heron*

O comércio exterior do Brasil vive um grande desafio, um drama, por conta do esgotamento da infraestrutura dos portos no país, que vem causando prejuízos imensos às empresas atuantes nas exportações e importações de cargas conteinerizadas.

A ineficiência portuária e a falta de capacidade de pátios e berços nos portos brasileiros vêm elevando o tempo de espera das embarcações e contribuindo para os atrasos de navios e omissões e alterações de escalas, causando um verdadeiro colapso na movimentação de contêineres no país devido à lotação de terminais e ao consequente impedimento para o recebimento de novas cargas.

O Regulador desregulado

Esse cenário caótico, que vem impondo obstáculos ao cumprimento dos embarques do país e causando reclamações dos compradores externos dos produtos brasileiros, está gerando despesas logísticas elevadíssimas e não previstas, com custos relacionados a detentions, armazenagens adicionais e pré-stackings, além de menor repasse financeiro aos produtores nas transações comerciais.

Em 2024, somente os exportadores brasileiros de café deixaram de exportar 1,83 milhão de sacas, o equivalente a cerca de 5.534 contêineres, o que impediu a entrada de US$ 555,62 milhões (R$ 3,387 bilhões) nas transações comerciais do país e, ainda, levaram os exportadores a acumularem um prejuízo logístico da ordem de R$ 51,5 milhões por conta das cargas que permaneceram paradas nos portos, aguardando por seus embarques e gerando despesas de detentions, armazenagens adicionais e pré-stackings.

Apesar de o café viver seu período de entressafra nos quatro primeiros meses de 2025, portanto com menor oferta ao mercado, os exportadores seguiram enfrentando desafios com o não embarque de 738 mil sacas – 2.235 contêineres – de janeiro ao fim de abril deste ano, o que resultou em um prejuízo de R$ 22 milhões no primeiro quadrimestre.

Ao dialogarmos com os demais setores que utilizam de contêineres para exportação, notamos que vivem o mesmo cenário e sofrem os mesmos impactos, evidenciando que os investimentos em infraestrutura no país não acompanharam, na mesma proporção, o crescimento do agro, principalmente quando o foco está nas cargas conteinerizadas.

De acordo com um levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)[1], o país foi o maior exportador mundial de soja, café, sujo de laranja, açúcar, carne bovina, carne de frango, milho, algodão, carne suína e celulose em 2024.

Desses produtos do agronegócio brasileiro, o café, as proteínas animais, parte da celulose e o açúcar dependem de contêineres para seus embarques e o aumento das vendas ao exterior, registrado no ano passado, evidenciou a grande defasagem na infraestrutura portuária do país e a subsequente incapacidade desses referidos setores consolidarem suas exportações e atenderem às demandas externas crescentes.

Cabe destacar e reconhecer que o Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) fez anúncios importantes relacionados a leilões e concessões de canais de acesso marítimo, os quais visam melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços portuários do país, principalmente com o leilão do Tecon Santos 10 no maior porto do hemisfério sul.

No entanto, ao analisar a Nota Técnica nº 51/2025/GRP/SRG da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), que visa avaliar os aspectos concorrenciais e eventuais concentrações de mercado com o Tecon Santos 10, ficamos surpresos e perplexos com a “proposição criativa” do colegiado da agência reguladora, que ignorou o trabalho elaborado pela equipe técnica e propôs um leilão de forma faseada.

Na avaliação de algumas associações representantes de usuários de carga, a proposta de permitir a ampla participação de interessados no leilão, sem restrição, com a obrigatoriedade na devolução de ativos para as empresas já estabelecidas no porto santista (Opção 3 contida na nota técnica), garantiria a lisura e a transparência do processo, com bases no princípio da isonomia, sem violar direitos constitucionais, além de prover melhor arrecadação ao governo, evitando, dessa forma, eventuais judicializações, que deverão atrasar ainda mais a oferta de melhores capacidade e eficiência portuárias.

Além disso, a referida nota técnica da ANTAQ, por meio de simulações realizadas pela equipe técnica, demonstrou que essa Opção 3 evitaria concentrações de mercado, avaliadas de acordo com o HHI (índice de concentração no mercado relevante) apresentado no relatório.

Ora, se a Nota Técnica nº 51 demonstrou que a Opção 3 é um cenário mais harmônico, democrático, transparente e nada concentrado, por que o colegiado da ANTAQ propôs uma quarta opção, desconsiderando o trabalho elaborado pela equipe técnica da Agência?

A quem interessa esse posicionamento da ANTAQ? Quem poderá se beneficiar com esse posicionamento da Agência? Certamente, os usuários não serão os beneficiados e muito menos a União, já que ANTAQ propõe a restrição de participação a entes privados interessados no leilão e renuncia à melhor arrecadação para o governo!

E, mais: corremos o risco da judicialização do processo e de não termos a realização do leilão do Tecon Santos 10 até o final de 2025, prorrogando os desafios do comércio exterior e prejudicando a competitividade do país, além de seguir causando prejuízos aos setores.

Nos últimos 10 anos, o agronegócio saltou de US$ 88,2 bilhões para US$ 164,3 bilhões, gerando um crescimento de 86% nas receitas cambiais do país. Nesse mesmo período, a movimentação de contêineres nas exportações saiu de 9,2 milhões de TEUS para 13,9 milhões de TEUS, crescendo 51%, segundo dados da ANTAQ.

Trazendo o recorte para os últimos dois anos, observa-se que a movimentação de contêineres evoluiu 20% no Brasil, saltando de 11,6 milhões para 13,9 milhões de TEUS, enquanto o agronegócio brasileiro foi responsável por 49% da balança comercial do país, contribuindo para a geração de riqueza, trabalho e renda no campo.

Diante da importância do setor agro na balança comercial do Brasil, de urgência e celeridade na oferta de capacidade e eficiência com o leilão do Tecon Santos 10, que as cargas tanto necessitam devido aos prejuízos acumulados em decorrência da falta de infraestrutura portuária adequada, é inaceitável a posição do colegiado da ANTAQ, pois não se vê justificativa e embasamento legal para tais restrições, além de faltar com a transparência necessária ao processo, tendo em vista que a Opção 3 da Nota Técnica, a qual apoiamos e defendemos, demonstra não haver impactos concorrenciais e concentrações de mercado.

A nossa expectativa e a nossa demanda é que o poder concedente, o Ministério de Portos e Aeroportos, reflita sobre os impactos dessa proposta desastrosa da diretoria da ANTAQ e de seus possíveis entraves e atrasos no leilão do Tecon Santos10, em função de eventuais judicializações, e reveja tal posicionamento, visando evitar a continuidade de acúmulos de prejuízos ao comércio exterior brasileiro e garantir o fluxo normal das exportações, permitindo que as cargas, que realmente fazem os portos baterem seus recordes anualmente, sigam gerando riquezas e renda ao Brasil.

[1] https://www.cnabrasil.org.br/cna/panorama-do-agro

*Eduardo Heron, diretor técnico do CECAFÉ – Conselho dos Exportadores de Café do Brasil

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