Como já comentado por diversas vezes, há pelo menos três grandes problemas para serem resolvidos no Brasil, para que a logística tenha, de fato, um desempenho muito mais satisfatório do que atualmente. E, volto a insistir, precisam ser resolvidos de forma definitiva e profissional, e não com propostas provisórias e amadoras. Os principais desafios em nossa avaliação são: Infraestrutura, Capacitação e Cultura Logística.
Sobre nossa precária e insuficiente Infraestrutura logística, muito se tem falado e parece claro que ainda estamos longe de alcançar um nível satisfatório e que permita a realização de serviços logísticos com mais eficiência e menores custos. Aliás, tema que tenho comentado com frequência.
Entretanto, neste artigo, gostaria de me dedicar, mesmo que superficialmente, posto que é um tema bastante complexo, ao item Capacitação, deixando o tema Cultura Logística para um outro texto.
É entendimento comum aceitar que a melhoria da qualidade da produção (processo e produto) e o aumento do nível de competitividade, em qualquer segmento da atividade econômica, somente poderão ser obtidos através do domínio de novas tecnologias, da inovação e do aumento da produtividade.
Mas é sabido também que essas “virtudes”, fundamentais para o desenvolvimento econômico de qualquer país ou empresa, só serão obtidas a partir da capacitação das pessoas. Impossível um país ou uma empresa melhorar seus desempenhos com equipes mal preparadas ou sem a capacitação mínima exigida. É essencial que profissionais, em quaisquer atividades, consigam absorver todo o conhecimento que se coloca à disposição, frutos da evolução da humanidade. Assim como é imprescindível que, a partir daí, e adaptados aos novos tempos e circunstâncias, inclusive regionais, esses profissionais também gerem novos conhecimentos.
Consequentemente, é necessário reconhecer que gerações de profissionais mais capacitados somente serão obtidas na medida em que os níveis de investimentos em educação, pesquisa e desenvolvimento forem feitos de forma compatível.
Portanto, investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e na melhoria da qualidade do ensino, em todos os níveis, passa a ser prioridade de toda a sociedade. Aliás, e os estudos assim comprovam, a baixa qualidade do ensino gera, de forma proporcional, baixos níveis de qualificação e capacitação do trabalhador. Importante ressaltar que investir em educação e P&D também é essencial para que as empresas e, de forma correspondente seus países, fortaleçam sua própria soberania.
Entretanto, também são fartos os estudos e as estatísticas que demonstram a baixa qualidade de nossos adolescentes, estudantes e profissionais, inclusive quando avaliados por testes internacionais. Os exemplos são diversos: a) taxa de alfabetização de adultos – acima dos 15 anos – ainda está muito aquém quando comparada com a dos países mais desenvolvidos; b) entre os países que participam do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), realizado anualmente pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), o Brasil “amarga” posições muito distantes dos primeiros lugares, mais notadamente em leitura, matemática e ciências; c) nos exames do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) as notas obtidas em matemática e redação são significativamente baixas, valendo observar que cerca de 8% a 10% dos participantes obtêm, quase todos os anos, nota ZERO em redação, enquanto mais da metade estaria teoricamente reprovada, considerando que apenas alcançam nota 500, num total máximo de 1.000; d) exames da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que avalia “recém-saídos” das faculdades, têm índices de reprovação acima dos 70%, quando analisadas as médias dos últimos vinte anos; e) exames de avaliação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), feitos anualmente, reprovam metade de seus profissionais. Comentário do ex-presidente da Cremesp, Dr. Bráulio Luna Filho, quando apresentava os resultados dos exames: “A má qualidade do ensino médico no País”, além de tudo, “representa um risco para os pacientes assistidos”.
O conselheiro da companhia Suzano, do Brasil, Walter Schalka, que coordenou uma série de debates para discutir a educação no Brasil e no mundo, em entrevista para a jornalista Beatriz Bulla, cuja publicação ocorreu no último dia 14, no podcast Estadão, não tem dúvidas em afirmar: “A educação de hoje no Brasil, defasada 30 ou 40 anos, não está preparada para o futuro do trabalho” e, além disso, não tem levado em consideração, da forma como se deve, itens importantíssimos, tais como a inteligência artificial, a questão climática e o ‘nearshoring’ (para aproveitar as vantagens das empresas e fornecedores que, ao longo do tempo, tornaram-se verdadeiros parceiros empresariais, objetiva-se trazê-las para locais países geograficamente mais próximos)”.
No documento elaborado em parceria com a Accenture, fruto desses debates, algumas das propostas para o Brasil, mais especificamente, sugerem maiores investimentos em escolas técnicas, escolas em tempo integral, ensino mais digital e mais ênfase aos temas relacionados ao meio ambiente, com destaque para a descarbonização.
Aliás, outra informação que chama a atenção nesse documento é a constatação de que “o número de empresas que relatam dificuldades para encontrar talentos no mercado aumentou de 35% para 75% nos últimos 10 anos”. Pois é, não há por que estranhar esses percentuais.
Por outro lado, quando comparamos os índices brasileiros de investimento em P&D com os de outros países do mundo, também não temos informações muito positivas e demonstramos que ainda temos muito a fazer.
Fica claro, portanto, que a discutível qualidade do ensino brasileiro, em todos os níveis, e os baixos investimentos em P&D têm permitido uma capacitação (qualificação) extremamente baixa de nossos profissionais e torna mais difícil que se obtenham, em sua plenitude, os benefícios oriundos da “inovação” e do desenvolvimento tecnológico. A não ser pela via da importação.
Coincidentemente é o que se constata quando se analisa, em detalhes, a balança comercial brasileira de produtos industriais de alta e média/alta tecnologia. Enquanto os níveis de importação crescem quase que exponencialmente, as exportações aumentam em proporções muito menores, em uma clara demonstração da dependência do Brasil com relação a esses produtos.
A frase do economista Claudio R. Frischtak é esclarecedora sobre esse assunto: “o esforço dos países para se aproximar da fronteira da inovação se reflete no plano da competitividade e do comércio de produtos de alta tecnologia. A trajetória recente do comércio internacional do Brasil é nesse sentido preocupante: enquanto as exportações de produtos de alta tecnologia ficaram praticamente estagnadas, com uma tendência descendente, as importações dessa categoria vêm apresentando uma clara tendência de elevação pós 2009”. E sintetiza: “o país está atrasado”.
Infelizmente, as expectativas para o futuro não são muito animadoras, pois a “geração nem nem” (nem estuda nem trabalha) não diminui como seria necessário, dificultando ainda mais a formação de uma sociedade que se quer “desenvolvida”. Vale lembrar de uma conhecida recomendação: investir em P&D, sem a contrapartida do aumento da competência das pessoas, não produz os frutos que se imagina.
Produzir mais e com mais qualidade, como forma de se aumentar nossa competitividade, tanto nos produtos de exportação quanto aqueles voltados ao mercado interno, depende, óbvia e claramente, de tecnologias modernas, de muita inovação (nos processos de produção e nos produtos ou serviços realizados) e, sem dúvida, de mão de obra capaz.
Em uma palestra, já há algum tempo, disse o então presidente da Fiat no Brasil, Cledorvino Belini: “Os países mais preparados no setor educacional são também aqueles que mais rapidamente conseguem ter domínio sobre as novas tecnologias e imprimir inovação e ganho de produtividade em um curto espaço de tempo. Além do que, países que formam cidadãos com forte capacidade de raciocínio e síntese estão mais preparados para competir no mercado mundial”. Não há dúvida!
Portanto, propostas do setor privado ou do governo que buscam esses objetivos são sempre bem-vindas, desde que realizadas com eficácia. Escolas e faculdades especializadas em logística, investimentos maciços em treinamento, programas com estagiários e jovens aprendizes, estímulos e benefícios ligados diretamente ao desenvolvimento profissional e outros são iniciativas que poderão, no médio prazo, amenizar os impactos negativos gerados pela má formação de nossos estudantes e aumentar a capacitação de nossos profissionais. No campo logístico e, de resto, em todos os demais segmentos do conhecimento humano.
Não à toa, muitos dos novos investimentos privados estão sendo realizados nos processos de seleção, recrutamento e retenção de talentos – notadamente naqueles com mentalidade empreendedora – e no aumento de produtividade de suas empresas.
Mas é vital, também, que nossos profissionais, além de capazes em suas respectivas funções, tenham níveis intelectual e cultural avançados. Compreender o que se passa no mundo ajuda na compreensão, não só de como funcionam as diversas atividades econômicas existentes, mas também, o inter-relacionamento dessas com nossos objetivos e funções. Esse, sem dúvida, será um profissional com capacidade de adaptar os objetivos da empresa às necessidades do mercado. Em seu livro “Talento – A Verdadeira Riqueza das Nações”, Alfredo Assumpção reconhece esse profissional como verdadeiro Agente de Mudanças.
É preciso, portanto, que nossos profissionais, mais capacitados, com foco em resultados e trabalhando firmemente para alcançá-los, também sejam mais “antenados”, isto é, que estejam atentos a tudo o que acontece ao seu redor e não somente no seu segmento econômico, pois é fato que existem diversos agentes que, direta ou indiretamente, forçam as empresas a adotarem providências para atendê-los: sociedade, cliente, fornecedor, empregado, acionista, governo, meio ambiente etc. Ocupar-se com os “stakeholders” é imprescindível.
A visão do profissional moderno, sem dúvida, deve ser sistêmica e holística: Produzir e não poluir. Obter lucro e não sonegar. Crescer sem desrespeitar as leis. Explorar os recursos naturais e proteger o meio ambiente. Aumentar a produtividade da mão de obra e distribuir parte da riqueza alcançada. Vender mais e respeitar o consumidor etc., etc.
Talvez aí estejam os principais objetivos de amplos programas educacionais e de treinamento. Enfatizar o desenvolvimento nas escolas básicas e na formação de professores que entendam este mundo novo, as novas tecnologias e suas novas demandas parece ser um caminho.
Paulo Roberto Guedes
Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.