País descontrolado. Com essa manchete, o jornal Ámbito Financiero , o principal diário econômico da Argentina, sumariou magistralmente a situação econômica do país vizinho. Abaixo da manchete principal, duas manchetes menores: "Irredutível o campo" e "Irredutível o governo". Síntese perfeita do descontrole provocado pelos controles de preços e pelo desgoverno das duas gestões do "matrimônio Kirchner".
Ao longo da semana aumentaram os protestos em todo o país. Em Buenos Aires, manifestantes promoveram um panelaço na Plaza de Mayo. No interior, greves de produtores agitaram as principais províncias, com bloqueios de rodovias pelos produtores rurais. Governadores de províncias começaram a negociar com os produtores, desobedecendo o governo central. A Igreja argentina passou a apoiar um acordo entre o governo e a sociedade. O desabastecimento ampliou-se e os supermercados de Buenos Aires passaram a racionar a venda de leite e de alimentos em geral. Estima-se que os preços dos alimentos (no mercado paralelo) tenham subido 15% desde o início da crise.
Mais grave, porque novidade na História argentina, os protestos da semana passada foram reprimidos por "brigadas de resposta rápida", ao estilo castrista – ou "camisas pardas", para usar a analogia fascista e do nazismo em ascensão. Durante todo o governo militar, as "mães da Plaza de Mayo" protestaram contra o governo pelo desaparecimento de familiares, sem que fossem dispersadas a golpes por acólitos do governo. Agora, diante do desabastecimento, os protestos populares são calados por ameaças e golpes.
De maneira trágica, vai terminando a farsa do "milagre argentino". Muitos aqui, diante do repúdio da dívida externa e do sucesso da retomada do crescimento da economia argentina, questionaram a austeridade da política econômica brasileira, recomendando que algo similar ao modelo argentino fosse aqui aplicado. Afinal, esse modelo havia assegurado a retomada do crescimento sem inflação, contrariando toda a teoria econômica convencional.
Quase todos os que prepuseram o abandono da austeridade ignoraram o cerne do "modelo argentino". O cerne da política econômica do país vizinho é o tripé repúdio ao investimento estrangeiro, descontrole fiscal e congelamento de preços.
O repúdio ao investimento estrangeiro foi a decorrência natural do repúdio da dívida pública argentina. É verdade que sofreram tanto nacionais como estrangeiros, detentores dos papéis dolarizados do Tesouro argentino, com o "canje" desses papéis a preços aviltados. Para os nacionais, havia pouco a fazer, exceto a retomada da longa tradição do povo argentino de remeter para o exterior suas poupanças. Para os estrangeiros, contudo, ficou a lição: não é um bom negócio investir em um país de calotes.
O descontrole fiscal se reflete na recente subida do imposto de exportação sobre alimentos, base do comércio exterior argentino. O imposto, que já estava no patamar de 35%, foi elevado para 55%. Com isso, o produtor de trigo ou soja recebe apenas 55% do valor do produto exportado. Ou, para fazer outra conta, 1,73 peso por dólar, em lugar dos 3,15 pesos pagos pelos importadores. Dessa forma, desestimula-se a exportação visando a desviar a produção para o mercado interno e controlar os preços dos alimentos. O resultado, contudo, foi a queda na produção, como anteciparia a teoria econômica convencional. Nem se exportou, nem se abasteceu o mercado interno.
Por fim, o atual governo herdou do governo do cônjuge um famigerado sistema de controles de preços. Esse sistema foi responsável pela falta de investimentos em energia, que transformou a Argentina de exportadora em importadora de gás e petróleo, sujeitando a população ao racionamento de energia durante o último rigoroso inverno. E foi responsável também pela queda na produção de alimentos, que reduziu as exportações e não abasteceu o mercado interno.
Levou mais tempo que o esperado, mas mostrou que não há milagres na economia. Um duro golpe para os que acreditam que há uma teoria econômica diferente, abaixo do Equador, daquela que prevalece nos países sérios.
Fonte: www.dcomercio.com.br









