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Conteúdo 21 de junho de 2021

Sem educação de qualidade, compromete-se a produtividade, o desenvolvimento e a democracia

Nos campos da política à economia, da saúde à segurança pública, da educação à geração de empregos, ou da infraestrutura à urbanização, são muitos os problemas para o Brasil resolver. Não bastasse tudo isso, ainda temos uma pandemia (com mais de 500 mil mortos e quase 18 milhões de infectados) e um governo desorientado, incompetente e retrógrado. Considerando-se, portanto, esse lamentável estado em que se encontra o País neste momento, tudo precisa ser resolvido ao mesmo tempo. Por ser impossível, deverá postergar soluções para o “Brasil do futuro”.

Quando se discute economia, por exemplo, é quase automático abordar os baixos índices de produtividade que caracterizam uma parte razoável do processo produtivo brasileiro e correspondente diminuição da competitividade.

Estudos do Banco Mundial (“Emprego e Crescimento: A agenda da produtividade”), por exemplo, têm insistentemente demonstrado que caso a produtividade brasileira fosse similar à dos Estados Unidos, a renda per capita no Brasil aumentaria cerca de 3 vezes se comparada com a atual. Já o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) em seu documento “Desafios de uma Nação”, apontou que o Brasil precisaria multiplicar por três (de 0,5% aa para 1,5% aa) a expansão da produtividade, caso queira, em 2050, dobrar a renda per capita do brasileiro. O BNDES, por sua vez, ao preparar seu novo programa de linhas de financiamento para o desenvolvimento (constante no documento “Visão 2035 – Brasil, país desenvolvido”), explicita: “crescimento (econômico) acima de 2% aa, de forma sustentada, só com grandes saldos de produtividade”.

Palavra de ordem, o aumento da produtividade tem sido buscado por todos, na medida em que “fazer mais com menos” passou a ser prioritário. Em épocas de crise, de pandemias, ou ‘normais’. É mandatório que todos aqueles que compõem e participam dos processos de produção, economizem recursos, somente possível com aumentos significativos da produtividade.

Por outro lado, concluiu o documento do BNDES aqui já citado, ao explicar por que o Brasil tem índices de produtividade baixos, se comparados com as médias mundiais: “uma das razões da baixa produtividade brasileira é a baixa qualidade da educação básica”.

O economista Eric Hanushek, doutor em economia pelo MIT e professor da Universidade Stanford dos EUA, há cerca de dois anos, fez um estudo junto a 80 países e constatou que “a boa formação escolar de uma população explica em torno de 75% do PIB”. “E olhe que estamos tratando apenas de conhecimento básico mesmo – matemática, linguagem, ciências e a capacidade de juntar as peças e solucionar problemas simples”, disse ele (grifos meus).

O coordenador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), matemático Marcelo Viana, por sua vez, em entrevista feita para a Revista Veja, de 27/04/2016, quando comentava sobre a relação entre educação e ciências e o PIB, também teve o mesmo entendimento ao afirmar, segundo estudos feitos na Inglaterra, que “uma boa base educacional e científica na área (matemática, no caso), aumenta o PIB do país em cerca de 10% (grifos meus). Isso ocorre porque, graças à matemática de excelência, a produtividade se eleva em campos como a computação e as engenharias, que fazem girar a roda da economia criando empregos muito acima da média” (grifos meus).

Conclui-se, até aqui, que ganhos de produtividade – sempre essenciais -somente poderão ser obtidos a partir de uma educação eficiente e que, de fato, capacite as pessoas. E não poderia ser de outra forma, pois são as pessoas, em seus respectivos empregos, sejam eles quais forem, as responsáveis pelo sucesso (ou não) obtido quando se realizam as diversas atividades econômicas que compõem uma economia. Os resultados alcançados, sem dúvida, são diretamente dependentes do desempenho, da qualificação e da competência de cada um, no exercício de sua atividade profissional. Todas, inclusive aquelas voltadas à inovação, ao desenvolvimento tecnológico e à ciência.

Compreende-se, portanto, porque uma das providências, em receituário defendido por especialistas, está o fortalecimento da união entre os setores produtivo e educacional. Uma vez em parceria com o setor de produção, parece evidente que as escolas, além do relevante papel que desempenham na educação dos jovens, via transmissão de conhecimentos diversos, elas também terão condições concretas para produzir conhecimentos voltados à produção e à organização do processo produtivo (1). Especialmente as universidades e os cursos técnicos, cujos programas contemplam disciplinas voltadas aos principais problemas da atualidade.

Parece óbvio, também, que essa união já poderia ocorrer a partir do ensino médio, pois é fundamental estimular os alunos, principalmente os adolescentes, que ir à escola, além de útil, pode ser uma atividade agradável, na qual as palavras tecnologia, inovação, empreendedorismo, pesquisa e sustentabilidade, por exemplo, fazem parte da vida real de todos (2). Escolas com alto padrão de ensino, nas quais os alunos não ficam somente decorando datas e fórmulas, mas aprendendo a resolver problemas, formam pessoas muito mais capazes e, consequentemente, mais produtivas.

Relembre-se, por exemplo, o que disse a educadora e coordenadora pedagógica do Grupo Horizontes, Neda L. M. Branco: “investir na linguagem, como centro do processo educativo e responsável pelo universo vocabular, pela leitura significativa e pela comunicação, tanto oral, quanto escrita, é primordial, pois só através dela é que o indivíduo terá acesso a todas as áreas do conhecimento. Linguagem e Pensamento são conceitos correlatos”. O que se espera do ensino básico, continua a educadora, é que se possa “promover a emergência de seres pensantes, capazes de entender plenamente o que ouvem e o que leem, para agir de forma operatória sobre enunciados lógicos e científicos, bem como, para proceder à intepretação e análise de textos, de qualquer gênero” (grifos meus).

Infelizmente o Brasil está atrasado! Além de termos, ainda, um número altíssimo de analfabetos, são péssimas as colocações do Brasil nas avaliações de desempenho educacional. Nos níveis médio e fundamental nossas avaliações são desastrosas, como demonstram os resultados, já ao longo de muitos anos, do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). E quando analisamos os resultados dos exames realizados pelos recém-formados, outros vexames, como se constata ao analisar os exames da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e do CREMESP (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).

Já em 2018, de acordo com relatório do Banco Mundial (“Competências e Empregos: Uma agenda para a juventude”), metade dos jovens brasileiros, com idade entre 19 e 25 anos, teria seu futuro ameaçado, pois metade deles, possivelmente, poderá não participar dos melhores empregos gerados no País. O relatório ainda apontava outra triste realidade: 52% desses jovens estão com produtividade muito inferior às médias mundiais e com suas formações atrasadas. “É uma população que vai ser vulnerável, vai ter mais dificuldade de achar emprego e corre maior risco de cair na pobreza”, comentou Martin Raiser, diretor do Banco Mundial no Brasil.

É óbvio que a baixa qualidade do estudante brasileiro tem a ver, entre outras causas, com as dificuldades encontradas pelo corpo docente que, com baixa remuneração, falta de perspectivas e estruturas educacionais carentes, precisa trabalhar muito mais do que pode, sacrificando, inevitavelmente, a qualidade do ensino, na medida em que ele tem menos tempo para estudar, fazer cursos de formação, de aperfeiçoamento didático e de desenvolvimento de novas metodologias de ensino. Até mesmo para preparar melhor suas aulas e dar maior atenção aos seus alunos (3).

Mas deve ser relembrado aqui, comentário da antropóloga da USP, Eunice Durham: “Na prática, (os professores) não sabem alfabetizar. Escrevem mal. Não sabem matemática básica e não sabem sequer ensinar aritmética. São muito mal formados, inclusive, já antes, no ensino fundamental. E não há nenhum processo para reforçar a formação”.

Fala-se muito a respeito da Indústria 4.0 e das novas tecnologias que, sem dúvida, mudarão a sociedade, a política, a economia e, mais especificamente, a forma de como serão “feitas as coisas”. E se o futuro chegou, interligando celulares, computadores, televisores, eletrodomésticos e todos os demais equipamentos que fazem parte da vida atual, proporcionando praticidade à nossa vida, isto também é verdade na vida empresarial. Mas é preciso estar preparado e reverter o que mostram algumas pesquisas ao apontarem que grande parte da indústria brasileira não tem qualquer tecnologia digital (4) ou que contam com profissionais que reconhecem não estar preparados para as mudanças impostas pelo que se chama de indústria 4.0 (5).

Resumindo: a falta de uma política educacional correta e que vise o futuro (vale incluir, séria e sem ideologia), que propicie eficácia nos investimentos realizados (mais do que a quantidade de recursos é preciso discutir formas mais eficazes e corretas de aplicação e controle, até porque o Brasil tem índices de investimento satisfatórios e acima até de países desenvolvidos), que incentive e privilegie a ciência, a pesquisa e a inovação, traduzem quase que diretamente a baixa qualificação da educação brasileira e, como aqui já explicitado, a baixa capacitação do trabalhador brasileiro, obstáculo ao correto e completo aproveitamento dos avanços gerados pela tecnologia, à produtividade, à competitividade e ao desenvolvimento. Círculo vicioso que, de forma cruel, condena qualquer país ao atraso.

É fundamental, portanto, criar condições para que os brasileiros, ao exercerem suas atividades, as realizem como verdadeiros profissionais, focados nos clientes, capacitados, inovadores, preparados para a solução de problemas e para o futuro, principalmente no que diz respeito aos avanços tecnológicos. Mas, também, como dito pela escritora Lya Luft, “mais educados”, pois segundo ela, “um povo educado é um povo informado, que saberá ter consciência de suas responsabilidades e escolher seu destino. Com a educação de todos, sem exceção, virão os demais benefícios necessários a um povo digno, como saúde, infraestrutura, segurança, economia equilibrada e florescente, ótimas relações com países estrangeiros e lugar de destaque entre as nações civilizadas” (“Deseducando o Brasil”, publicado pela Revista Veja dia 03/02/2016). Pois é, simples e nada mais verdadeiro!

O avanço do Brasil, de forma concreta e sustentável, exige, entre outras providências também urgentes, transformar a educação em prioridade nacional e considerada como estratégica, posto que é instrumento imprescindível de desenvolvimento. E não há espaço para improviso, incompetência, demagogia ou populismo.

Mas fundamental compreender, também, que uma educação de alto nível e sem ideologia, vale repetir, é imprescindível para a manutenção da democracia, da cidadania e da dignidade de um povo, seja como ser humano, cidadão ou profissional. A educação ainda é, inquestionavelmente, o melhor caminho, o mais rápido e de menor custo, para se promover o desenvolvimento e se alcançar melhorias efetivas no processo de distribuição de rendas e de diminuição das desigualdades.

 

(1) A Diretora Sênior Global de Educação do Banco Mundial, em artigo publicado no Estadão dia 29/11/15, quando comentava as informações do Relatório do Banco Mundial (Sustentando Melhorias no Emprego e nos Salários no Brasil: uma Agenda de Competências e Empregos), foi taxativa: “o desenvolvimento de competências como leitura, interpretação de textos, raciocínio matemático e de aplicação de um repertório científico e cultural em problemas da realidade é importante para qualquer caminho profissional posterior”. “Essas competências devem ser trabalhadas nas escolas regulares e reforçadas em cursos profissionais ao longo da vida de cada indivíduo”;

(2) Índice Nacional de Inovação, elaborado pela Universidade de Cornell, dos EUA, Insead, da França e pela Organização Mundial de Propriedade Industrial: Brasil está na 69ª posição dentre 127 países analisados. Entre 2011 e 2016 nosso País perdeu 22 posições), ficando evidente que é cada vez mais difícil obter benefícios oriundos da “inovação” e do desenvolvimento tecnológico, a não ser pela via da importação. Aliás, como demonstram os seguidos déficits de nossa balança comercial de produtos de média/alta e alta tecnologia. O mesmo desempenho ruim se vê quando se analisa o Índice de Prontidão às Mudanças (capacidade de reação às mudanças que, em tempos cada vez menores, acontecem em todo o mundo), elaborado pela KPMG: em 2017, entre 136 países, o Brasil ficou com a 79ª posição (nota 0,49 para um máximo de 1). Essa pesquisa também mostra nossas fracas notas em empreendedorismo e gastos públicos com inovação: 0,50 e 0,28, respectivamente.

(3) Segundo o INEP (Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa) do Ministério de Educação, mesmo em São Paulo, estado mais rico da federação, entre os professores do ensino fundamental (1.º ao 5.º ano), 44,6% trabalham em mais de uma escola. E se na rede pública, esse percentual é de 29,1%, na rede privada esse percentual é de 53,9% no ensino fundamental (do 6.º ao 9.º ano) e 54,4% no ensino médio. Outra pesquisa, realizada no âmbito nacional, pelo Movimento Todos pela Educação, mostra que 29% dos professores do ensino médio fazem dupla ou tripla jornada em outros lugares para complementar a renda, sendo que a maioria presta serviços, inclusive, fora da área do ensino. Ainda, segundo essa pesquisa, no setor privado, 38% tem jornada extra, no setor público municipal esse percentual é de 22% e no setor público estadual é de 30%;

(4) Marcos Vinícius de Souza, secretário de inovação do antigo MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio), ao informar que o ministério tem trabalhado muito para fazer um diagnóstico realista da indústria 4.0 no Brasil, comparando-o com outros mercados, identificou que 52% das indústrias brasileiras não usam nenhuma tecnologia digital;

(5) Ronaldo Fragoso, sócio-diretor de desenvolvimento de mercado da Deloitte, em fórum específico, comentou que na pesquisa realizada por sua empresa, com 1,6 mil executivos de todo o mundo, dos quais 100 deles do Brasil, 60% deles não se consideram preparados para a mudança imposta pela indústria 4.0.

Paulo Roberto Guedes Paulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

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