São Paulo, uma “contingência”
Nos planejamentos de transporte e logística existe um item chamado “contingência”. Ele aborda trechos do trajeto das mercadorias onde tudo o que pode dar errado, provavelmente vai dar. Em geral são regiões afetadas por desastres naturais, instabilidade política ou com infraestrutura sofrível, onde a passagem de um caminhão, avião ou trem é um evento imprevisível. Pois São Paulo, a cidade mais rica do país, se tornou uma “contingência”.
A deterioração da estrutura viária da cidade, observada por décadas, a quantidade de veículos crescente, as inundações e a falta de modais alternativos transformaram o local onde deveria haver um ambiente ideal para os negócios em uma âncora para as empresas.
Atualmente, se movimentar por São Paulo é um salto no escuro. É impossível calcular o tempo e o dinheiro que serão gastos para cumprir qualquer trajeto. No caso do transporte de produtos perecíveis é uma aposta de vida ou morte; e a possibilidade de prejuízo total é constante. Nenhuma economia se desenvolve nesse cenário. Para as empresas de São Paulo que necessitam transportar seus produtos, o que resta nesse momento é sobreviver da melhor maneira possível.
Independente dos governos, a situação vai continuar ruim por muito tempo e o mais provável é que ainda piore antes de melhorar, se melhorar. O esforço dos empresários deve se concentrar agora em como atuar dentro do caos. Não é fácil, mas é a única alternativa.
O primeiro passo é admitir o estado de “contingência” e planejar a partir disso. O transporte de mercadorias deve passar a ser tratado como estratégico e se estabelecer uma equipe dedicada exclusivamente para cuidar da área. Em muitos casos, a melhor solução é confiar a atividade a uma empresa especializada, pois as soluções logísticas vão exigir inovação e criatividade.
Os principais avanços da área nos últimos anos estão inutilizados em São Paulo. Formatos como o just in time, que considera a entrega das mercadorias no exato momento em que será utilizada e dispensa a necessidade de grandes estoques, trouxeram ganhos expressivos para o processo produtivo e resultaram em preços mais baixos para os consumidores. Para que funcione, porém, é necessário um mínimo de previsibilidade no transporte, especialmente quanto ao tempo de deslocamento. Outras soluções conhecidas e de comprovada eficiência também dependem desse requisito que, infelizmente, está extinto em São Paulo. As empresas terão que reinventar. A começar pelos equipamentos.
Os antigos caminhões se tornaram obsoletos na cidade. O trânsito pesado impede o deslocamento com agilidade e a infraestrutura precária torna os custos de manutenção proibitivos. Novos planejamentos devem envolver veículos mais leves, mesmo com a consequente perda de capacidade de carga.
Será necessário um sistema de monitoramento constante das vias utilizadas. Nem sempre o caminho mais curto é o mais rápido e barato. As informações sobre as condições de tráfego devem circular instantaneamente entre os profissionais e permitir alterações rápidas nos planos iniciais.
Os trajetos devem ser encurtados ao máximo. Para isso, é interessante estudar a viabilidade da criação de pequenos centros de distribuição em diferentes regiões da cidade. Também está provado que qualquer tipo de movimentação ocorre com mais facilidade em horários alternativos. Tudo o que for possível deve ser transportado durante a madrugada e nos finais de semana, mesmo que isso implique em aumento de custos com pessoal.
Também é bom explorar o princípio de que o cliente tem o mesmo interesse em receber do que a empresa em entregar. Soluções compartilhadas podem ser uma boa alternativa para manter o fluxo dos negócios.
Por fim, não esperar por soluções vindas do poder público não significa abrir mão da cobrança por elas. Pelo contrário, empresas e a população, que são os verdadeiros prejudicados, devem pressionar para que as autoridades assumam suas responsabilidades e promovam os avanços necessários na área de infraestrutura.
Mais que isso, a iniciativa privada deve se apresentar como parceira dos governos nessa empreitada e é fundamental que a administração pública admita que recuperar a infraestrutura do país é uma tarefa pesada demais para ela realizar sozinha. Se os governantes não utilizarem melhor instrumentos como as PPPs, por exemplo, as “contingências” vão se multiplicar pelo país.