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Conteúdo 19 de agosto de 2022

Democracia e Estado de Direito para todos

Já há alguns anos eu venho defendendo que empresários e executivos, em quaisquer áreas de atuação, precisam entender que suas ações impactam a vida de milhares de pessoas e que, o mínimo a se esperar de cada um deles é a capacitação suficiente para isso seja compreendido de forma correta, completa e abrangente.

Compreender a grandiosidade de se trabalhar para a melhoria de vida de todos aqueles que ‘giram’ em torno das empresas – colaboradores/fornecedores ou consumidores/clientes, é fundamental, assim como conhecer os reais impactos gerados junto a toda sociedade de tudo aquilo que se faz, pois ao final de tudo, de um jeito ou de outro, essas ações geram efeitos – para o bem ou para o mal – para a vida de todos.

O avanço tecnológico inerente às atividades produtivas têm gerado impactos na vida dos cidadãos, da sociedade, da economia e também da política. Constata-se, entre outros efeitos, que proveniente desses avanços, e correspondentes melhorias dos processos operacionais, houve significativa diminuição no número de empregos de menor qualificação, sem a devida correspondência quantitativa no aumento no número de empregos de maior qualificação. Novos empregos que, além de exigirem maior conhecimento, capacitação e postura voltada à inovação, e diferentemente de outras épocas, não tem contribuído para o efetivo aumento no número de postos de trabalho.

De fato, a compreensível busca por melhorias operacionais tem exigido aperfeiçoamento, aprendizado e capacitação constantes, mas tem privilegiado as pessoas melhores formadas. Considerando um país como o Brasil, geralmente e com as exceções de sempre, pertencentes às classes mais ricas da população.

Esse processo, que parece inexorável e persistente, ocorre também nos países desenvolvidos, nos quais as tarefas mecânicas, rotineiras ou que, via avanço tecnológico, são substituídas pelas “máquinas”, vão aumentando a produtividade daqueles que ficam mas, infelizmente, expulsando do mercado de trabalho a mão-de-obra menos qualificada. Acredito, inclusive, que esse tipo de “desemprego estrutural”, com impactos econômicos, sociais e políticos significativos, ainda não é devido e corretamente analisado.

Por outro lado, o economista francês Thomas Piketty, há cerca de 6 ou 7 anos, ao escrever “O Capital no Século XXI”, procurou demonstrar, com clareza e números reais (foram consolidados números e informações coletadas em vinte países dos últimos duzentos anos), que “o crescimento econômico e a difusão do conhecimento ao longo do século XX impediram que se concretizasse o cenário apocalíptico preconizado por Karl Marx, mas, ao contrário do que o otimismo dominante após a Segunda Guerra Mundial costuma sugerir, a estrutura básica do capital e da desigualdade permaneceu relativamente inalterada”, traduzindo-se “numa concentração cada vez maior da riqueza, um círculo vicioso da desigualdade que, a um nível extremo, pode levar a um descontetamento geral e até ameçar os valores democráticos” (grifos meus).

Piketty, entre outras, fez duas outras observações também importantes: 1ª. “a evolução dinâmica de uma economia de mercado e de propriedade privada, deixada à sua própria sorte, contém forças de convergência importantes, ligadas sobretudo à difusão do conhecimento e das qualificações, mas também forças de divergências vigorosas e potencialmente ameaçadoras para nossas sociedades democráticas e para os valores de justiça social sobre os quais elas se fundam” (grifos meus). E 2ª. “se deve sempre desconfiar de qualquer argumento proveniente do determinismo econômico quando o assunto é a distribuição da riqueza e da renda. A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos” (grifos meus).

Por sua vez, disse a Diretora Geral do FMI, Christine Lagarde: “o crescimento inclusivo é um dos maiores desafios do nosso tempo”, pois “o lado amargo da nova realidade é que, apesar do crescimento econômico, um número excessivo de pessoas está ficando para trás” (grifos meus). Analisadas as economias mais avançadas, constatou-se uma clara tendência, desde 1990 e até agora, de aumento da desigualdade. “Mas se olharmos para as economias emergentes e em desenvolvimento, o quadro é mais complexo”.

O professor Paul Collier, da Universidade de Oxford, em seu livro “O futuro do capitalismo”, consegue mostrar que o processo de concentração de renda, generalisado em quase todo o mundo, não é inerente ao capitalismo, mas sim a uma “falha de funcionamento que pode e deve ser corrigida”. E, ao contrário de propostas nostálgicas e de retorno ao passado, defendidas por populistas nacionalistas que adotam políticas cada vez mais excludentes, ele sugere a restauração da política e da sociedade inclusiva (grifos meus) como caminho para que se crie um mundo mais ético, no qual o Estado, a Família e a Empresa desenvolvam papéis igualmente éticos. Corretíssimo!

É certo que além da evolução tecnológica e a forma como evolui o Capitalismo, aqui rapidamente comentados, não são os únicos responsáveis pelo aumento do desemprego e da desigualdade. Nova estrutura da força de trabalho (mais mulheres trabalhando, aumento do subemprego e do emprego informal etc.), descaso com a educação e a destruição das principais políticas sociais, principalmente no caso do Brasil, a pandemia e a guerra na Ucrânia também contribuíram para o agravamento desses problemas, aumentando ainda mais as incertezas e a insegurança com relação ao futuro.

Nesta crise pela qual passa o Brasil, um dos maiores problemas – se não o maior, posto que tem impactos sociais gravíssimos – é o desemprego que, entre outros, tem dois fatores preponderantes agindo simultaneamente: um, como aqui já expusemos, oriundo da grande evolução tecnológica e que tem gerado grandes transformações no setor produtivo; e outro que advém do baixo crescimento econômico, fruto da crise que, por sua vez, tem como principais causas a falta de investimentos e a queda substancial do consumo das famílias.

O Relatório de Desigualdade Global, produzido pela Escola de Economia de Paris, tem indicado que a população 1% mais rica se apropria de cerca de 1/3 dos rendimentos brutos globais, enquanto a população 50% mais pobre fica com apenas 14%. No Brasil, no segundo trimestre de 2022, o índice Gini, que mede o grau de concentração de renda de um país (de zero a um, quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade), chegou a 0,51. Número ainda alto, considerando que na grande maioria dos países desenvolvidos o índice não chega a 0,45. No Japão, Canadá, Alemanha, Noruega, Dinamarca e Suécia, por exemplo, esse índice está entre 0,25 e 0,30.

Informações geradas pelo 2.º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, dão conta que 58,7% dos domicílios brasileiros, que representam 125,2 milhões de pessoas, não têm “acesso pleno e permanente de alimentos”, isto é, vivem com ‘insegurança alimentar’. Dentre esses, há 33,1 milhões que, literalmente, ‘passam fome’. Ou seja, 15,5% de todos os brasileiros, em 2022, passaram fome, contra 9,0% no último trimestre de 2020. Ainda, segundo o documento, a incidência da segurança alimentar é extremamente mais alta “nas famílias lideradas por mulheres, por pessoas negras ou pardas e por indivíduos com baixa escolaridade”.

Há diversos outros indicadores que ilustram a terrível situação na qual vive a maioria da população brasileira: a) diminuição, na composição de renda total do brasileiro, da participação do salário, substituído crescentemente pelo aumento de receitas oriundas de transferências e benefícios pagos pelo governo em suas diversas formas (1), o que por si só dificulta ainda mais a busca pelo equilíbrio das finanças públicas; b) aumento no número de domicílios sem renda do trabalho (2); aumento dos postos de trabalho caracterizados como de “baixa renda, pouca instrução e alta informalidade” (3).

Paralelamente, em artigo publicado pelo Estadão, dia 7 pp, o jornalista e economista José Fucs, ao comentar sobre a possibilidade de um grande avanço da esquerda na América Latina, foi claro ao dizer que a “crise econômica e pandemia encorpam descontentamento que reverte ascensão conservadora e favorece ressurgimento da esquerda da região”. Mais à frente, Fucs cita o que disse o cientista político Nicolás Saldías, da EIU (Economist Intelligence Unit): “as pessoas falam de uma ‘maré rosa’, mas o que está acontecendo é uma maré contra os incumbentes (grifos meus). “Elas estão votando contra os governos anteriores, independentemente de serem de direita ou esquerda”. “A região está dominada por um profundo sentimento de desencanto, com baixíssimos índices de confiança em relação ao sistema – aí incluídos os partidos, as lideranças políticas e o Judiciário”, disse o cientista político Christopher Garman, diretor executivo para as Américas da Consultoria Eurásia. É isso que está elegendo a esquerda”. Aliás, complemento eu, como já elegeu a direita.

Pois é, uma das deduções do que aqui se escreveu é que o momento brasileiro deveria estar voltado para as discussões que combatam o desemprego, a desigualdade e a miséria, e muitíssimo menos para aquelas de caráter ideológico, principalmente no Brasil, considerando que tem sido caracterizadas pela ignorância e total desconhecimento.

Infelizmente, com a aproximação das eleições, tudo indica que haverá aumento dos ataques entre os extremos – de direita e de esquerda –, assim como a polarização política. E isso, a meu ver, exigirá que a sociedade civil brasileira, consciente dos reais valores da nação e bem informada, isto é, ignorando as ‘fake-news’, assuma posições claras e de proteção às instituições constituídas.

Somente com a participação concreta e contínua desse conjunto da sociedade, que no entanto precisa ficar distante das ‘benesses e dos favores’ estatais, é que o País terá condições para sair da crise na qual se encontra atualmente. Seja na assunção de suas responsabilidades (4) ou, como escrito anteriormente, compreendendo que, de um jeito ou de outro, as ações de cada um afetam – para o bem ou para o mal – a vida de todos.

Escreveu o diretor regional do SESC São Paulo, Danilo Santos de Miranda (Estadão de 16 pp), a respeito dos resultados apresentados pelo Relatório da Fome: “essa crise da fome deve ser enfrentada por todos os setores que compõem a sociedade (grifos meus), sob a coordenação do poder público”. Complementou Solange Monteiro, “sem calibragem das políticas de proteção social e atenção à inclusão produtiva, parte do Brasil seguirá sem chances de prosperar” (revista Conjuntura Econômica, agosto de 2022: “Combate à Pobreza”).

Recentemente, ainda no dia 11 pp, duas cartas importantes foram divulgadas, por uma parte significativa da sociedade civil, intelectual, empresarial e sindical, para defender a Democracia e o Estado de Direito (5). Curvar-se à vontade da democracia, deixar as divergências menores de lado, respeitar a Constituição e trabalhar à favor da ordem democrática foram as principais palavras de ordem. Mas é preciso mais!

A sociedade civil precisa ficar permanentemente mobilizada na defesa da Democracia, como vem fazendo ultimamente, mas também precisa pressionar e atuar para que se busquem soluções que amenizem os problemas da grande maioria da população brasileira, sem o que, nada mais terá importância. Queiramos ou não, a discussão sobre política, sociedade e economia chegou à mesa de todos e ninguém poderá ficar de fora.

Assim como são inegociáveis a Democracia e o Estado de Direito, também deveriam ser as políticas públicas que promovam o crescimento econômico e o emprego e estimulem a pesquisa e a ciência de forma a se estudar de forma correta o novo momento, assim como as políticas sociais que protegem os mais carentes e desemparados. Não é uma discussão ideológica, mas a simples compreensão de que Democracia e Estado de Direito vale, principalmente, quando alcançados em sua plenitude e valendo para todos.

 

(1) O rendimento oriundo do trabalho, em 2021, não ultrapassou os 72%, sendo o restante composto por aposentarias/pensões/pensão alimentícia/doações, 23%, e outros, 5,0%. É óbvio que alcançar o equilíbrio das finanças públicas tende a ser cada vez mais difícil, caso esse tendência permaneça ou pior, venha a aumentar.

(2) O IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) destaca ainda, que o aumento na proporção de domicílios sem renda do trabalho passou de 22,2% no quarto trimestre de 2021 para 23,3% no primeiro trimestre de 2022. No início da pandemia, no segundo trimestre de 2020, o índice chegou a 28,5%.

(3) Será, como explicou em seu livro (“Cuidar uns dos outros – um novo contrato social”) a diretora da London School of Economics and Political Science, Minouche Shafik, que chegou o momento de se discutir um novo Contrato Social, de forma que se possa “balancear riscos, compartilhar recursos e equilibrar as responsabilidades individual e coletiva?” E, mais especificamente, no qual, através ampliação dos programas de proteção social, se garanta renda mínima para os mais carentes, segurança para os trabalhos mais flexíveis e treinamento para aqueles menos preparados, por exemplo?

(4) A Carta do IBRE deste mês é categórica: “mesmo com a taxa de desemprego ter fechado o 1º semestre de 2022 com o menor nível (9,3%) desde 2015, “o mercado de trabalho brasileiro apresenta uma série de características que refletem um cenário de fragilidade, com rendimento baixo, taxa de participação ainda abaixo do nível pré-pandemia”. “E com um horizonte sombrio, dada a inflação alta e a estimativa de um ciclo intenso de alta de juros e retração econômica em 2023”. Em resumo: “a tarefa de reinserção produtiva ainda mais complexa”. “Mercado de trabalho surpreende, mas problemas estruturais permanecem”, escreveu o pesquisador da FGV/IBRE, Luiz Guilherme Schymura, pois, como exemplo, “seis ocupações ligadas a comércio e serviços caracterizadas por baixa renda, pouca instrução e alta informalidade, foram responsáveis por toda a criação de postos de trabalho entre 2012 e 2019.

(5) A carta dos setores empresarial e trabalhista, além de outras entidades, quer “um país próspero, justo e solidário, guiado pelos princípios republicanos expressos na Constituição, à qual todos nos curvamos, confiantes na vontade superior da democracia”. A carta às brasileiras e aos brasileiros é clara ao dizer que “nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática”. E que, “independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um (grifos meus), clamamos as brasileiras e os brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições”. “A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições” (grifos meus). Nada mais verdadeiro!

 

Paulo Roberto Guedes Paulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

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